quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

O "mal-do-século" na vida e na obra "Amor de perdição", de Camilo Castelo Branco, por Vanderléia Costa

Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco nasceu em 16 de março de 1825, em Lisboa. Órfão de mãe aos dois anos e de pai aos dez, sua trajetória de vida foi marcada por tragédias e grandes repercussões. Pode-se dizer que foi escritor e personagem de suas obras, principalmente a mais famosa: Amor de Perdição, que foi publicada em 1862, da qual há registros de que ele a tenha escrito quando estava preso pelo crime de adultério praticado com Ana Plácido, sua última aventura amorosa que com quem permaneceu até o fim da vida. Este fato pode ser comprovado por uma passagem da narrativa, na qual o narrador onisciente e intruso (situação que ocorre com freqüência na narrativa) mete-se na história e conta a partir de si e de seu ponto de vista, assim como de sua situação:
“Esquecido, não. Muito há que reluz e voeja, alada como o ideal querubim dos santos, nesta minha quase escuridade, aquela ave do céu, como a pediu-me que lhe cubra de flores o rastilho de sangue que ela deixou na terra.”(pág. 93) Nessa passagem o narrador faz uma alusão à palavra “escuridade” para definir a situação em que ele se encontra ao escrever a história; e num diálogo com o leitor, traz de volta a trama à personagem Teresa, colocada em segundo plano em alguns capítulos, para evidenciar o personagem heróico Simão.
Ainda como comprovação de que ele escreveu enquanto estava preso, temos no prefácio da segunda edição: “Nas memórias do cárcere, referindo-me ao romance que novamente se imprime, escrevi estas linhas:” (pág. 13) Ou em: “ Escrevi o romance em 15 dias, os mais atormentados de minha vida.”(pág. 13) E na dedicatória ao ministro: “Na cadeia da Relação do Porto, aos 24 de setembro de 1861.”(pág.11)
A obra Amor de Perdição é baseada na história real do tio de Camilo Castelo Branco, Simão Antônio Botelho, história essa que era contada por sua tia Rita, com a qual o autor viveu depois de órfão. A sua tia também aparece na novela, como a personagem Rita Preciosa, mãe de Simão, a qual tem pouca influência na trama, pelo simples fato de ser mulher numa sociedade portuguesa totalmente machista, em pleno século XIX, onde as mulheres não tinham voz ativa e não conviviam socialmente, por mais respeito que representassem, tinham que se submeter aos mandos e desmandos do marido ou pai, ao passo que o próprio narrador dessa história carrega nessa opinião, como podemos verificar numa passagem da narrativa: “- Senhora, em coisas de pouca monta o seu domínio era tolerável; em questões de honra, o seu domínio acabou: deixe-me. – D.Rita quando tal ouviu, sentiu-se mulher, e retirou-se”.(pág. 83)
Camilo Castelo Branco além de retratar os costumes e a vida da sociedade daquela época em suas obras, faz parte da segunda geração do Romantismo português, também conhecida como ultra-romantismo, que é marcado pelo exagero, desequilíbrio e sentimentalismo. Portanto, é uma descrição com muito mais emoção, dando valor ao tédio, à melancolia, ao desespero, ao pessimismo e à fantasia.
Uma das características mais marcantes na obra que se encaixa nas definições do ultra-romantismo é o pessimismo, ou o “mal-do-século”, que pode ser definido como o refúgio, a solução para a frustração apresentada pela falta de escape mais significativo para o desfecho da obra.
A moda que surgiu com a obra “Os sofrimentos do jovem Werthe”, de Goethe, teve grande aceitação no grupo dos ultra-românticos em Portugal, era uma honra e um sonho morrer na adolescência ou início da idade adulta. Diz M. Moisés (1986):
“Em Portugal, a onda de suicídios cresceu tanto que os jornais tiveram de fazer, nos fins do século XIX, uma campanha de silêncio para impedir que aumentasse ainda mais o número de tresloucados”.
Na obra de Camilo, a personagem consideravelmente mais romântica da novela e que se enquadra perfeitamente nessa definição, é Mariana; com seu amor platônico e incondicional, ela chega ao fim da trama provocando seu suicídio. Lemos na obra:
“Dois homens ergueram o morto ao alto sobre a amurada. Deram-lhe o balanço para o arremessarem longe. E, antes que o baque do cadáver se fizesse ouvir na água, todos viram, e ninguém já pode segurar Mariana, que se atirara ao mar.”(pág. 135)
E ainda:
“Viram-na, um momento, bracejar, não para resistir à morte, mas para abraçar-se ao cadáver de Simão, que uma onda lhe atirou aos braços”.(pág. 135)
Baseado em todo esse amor e dedicação que Mariana dava a Simão, sem lhe pedir nada em troca, muitos devem se perguntar, por quê diante da impossibilidade de ficar com Teresa, o narrador não preferiu unir Simão à Mariana? Este seria um final muito realista para uma obra ultra-romântica, seria preciso que o narrador permitisse ao personagem enxergar além do seu “eu”. À fora isso, as características egocêntricas do romantismo também impediam a união de Mariana e Simão, assim como a diferença de classe social, uma moça humilde nunca poderia unir-se a um jovem rico. E, mais, o casal Teresa e Simão estava destinado a permanecer amando um ao outro até o fim.
O suicídio também está presente na obra de uma forma indireta, com a morte em câmera-lenta dos personagens principais, Simão e Teresa. Ambos deixam-se morrer, decepcionados com as suas situações e transtornados pela saudade e falta que sentem um do outro. À primeira vista, parece inverossímil que jovens possam morrer de morte natural, mas se formos levar em conta a época em que foi narrada a novela, no século XIX, supõe-se que a medicina ainda não era dotada de tantos benefícios à saúde. Desse modo, dois jovens que encontram como única alternativa heróica para suas vidas a morte, deixam-se levar pelas fraquezas e debilidades de seus corpos, definhando até o fim.
Assim como a arte imita a vida ou a vida imita a arte, o desfecho de Camilo Castelo Branco é uma cópia fiel de sua obra; aos 65 anos, debilitado pela doença e pelas perturbações e dificuldades da família, e após ficar cego, suicida-se com um tiro no ouvido.
Esse é o fim trágico de um dos escritores mais populares de Portugal, representante da geração ultra-romântica, que levou suas concepções até o fim da vida, afinal “um personagem ultra-romântico não pode morrer lentamente de velhice”.











REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRANCO, Camilo Castelo. Amor de Perdição. São Paulo: Ática, 1995.
MOISÉS, Massaud. A Literatura Portuguesa. São Paulo: Cultrix, 1986.
NICOLA, José de. Introdução e comentários. In: BRANCO, Camilo Castelo. Amor de Perdição. São Paulo: Scipione, 1994.

Nenhum comentário: