Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco nasceu em 16 de março de 1825, em Lisboa. Órfão de mãe aos dois anos e de pai aos dez, sua trajetória de vida foi marcada por tragédias e grandes repercussões. Pode-se dizer que foi escritor e personagem de suas obras, principalmente a mais famosa: Amor de Perdição, que foi publicada em 1862, da qual há registros de que ele a tenha escrito quando estava preso pelo crime de adultério praticado com Ana Plácido, sua última aventura amorosa que com quem permaneceu até o fim da vida. Este fato pode ser comprovado por uma passagem da narrativa, na qual o narrador onisciente e intruso (situação que ocorre com freqüência na narrativa) mete-se na história e conta a partir de si e de seu ponto de vista, assim como de sua situação:
“Esquecido, não. Muito há que reluz e voeja, alada como o ideal querubim dos santos, nesta minha quase escuridade, aquela ave do céu, como a pediu-me que lhe cubra de flores o rastilho de sangue que ela deixou na terra.”(pág. 93) Nessa passagem o narrador faz uma alusão à palavra “escuridade” para definir a situação em que ele se encontra ao escrever a história; e num diálogo com o leitor, traz de volta a trama à personagem Teresa, colocada em segundo plano em alguns capítulos, para evidenciar o personagem heróico Simão.
Ainda como comprovação de que ele escreveu enquanto estava preso, temos no prefácio da segunda edição: “Nas memórias do cárcere, referindo-me ao romance que novamente se imprime, escrevi estas linhas:” (pág. 13) Ou em: “ Escrevi o romance em 15 dias, os mais atormentados de minha vida.”(pág. 13) E na dedicatória ao ministro: “Na cadeia da Relação do Porto, aos 24 de setembro de 1861.”(pág.11)
A obra Amor de Perdição é baseada na história real do tio de Camilo Castelo Branco, Simão Antônio Botelho, história essa que era contada por sua tia Rita, com a qual o autor viveu depois de órfão. A sua tia também aparece na novela, como a personagem Rita Preciosa, mãe de Simão, a qual tem pouca influência na trama, pelo simples fato de ser mulher numa sociedade portuguesa totalmente machista, em pleno século XIX, onde as mulheres não tinham voz ativa e não conviviam socialmente, por mais respeito que representassem, tinham que se submeter aos mandos e desmandos do marido ou pai, ao passo que o próprio narrador dessa história carrega nessa opinião, como podemos verificar numa passagem da narrativa: “- Senhora, em coisas de pouca monta o seu domínio era tolerável; em questões de honra, o seu domínio acabou: deixe-me. – D.Rita quando tal ouviu, sentiu-se mulher, e retirou-se”.(pág. 83)
Camilo Castelo Branco além de retratar os costumes e a vida da sociedade daquela época em suas obras, faz parte da segunda geração do Romantismo português, também conhecida como ultra-romantismo, que é marcado pelo exagero, desequilíbrio e sentimentalismo. Portanto, é uma descrição com muito mais emoção, dando valor ao tédio, à melancolia, ao desespero, ao pessimismo e à fantasia.
Uma das características mais marcantes na obra que se encaixa nas definições do ultra-romantismo é o pessimismo, ou o “mal-do-século”, que pode ser definido como o refúgio, a solução para a frustração apresentada pela falta de escape mais significativo para o desfecho da obra.
A moda que surgiu com a obra “Os sofrimentos do jovem Werthe”, de Goethe, teve grande aceitação no grupo dos ultra-românticos em Portugal, era uma honra e um sonho morrer na adolescência ou início da idade adulta. Diz M. Moisés (1986):
“Em Portugal, a onda de suicídios cresceu tanto que os jornais tiveram de fazer, nos fins do século XIX, uma campanha de silêncio para impedir que aumentasse ainda mais o número de tresloucados”.
Na obra de Camilo, a personagem consideravelmente mais romântica da novela e que se enquadra perfeitamente nessa definição, é Mariana; com seu amor platônico e incondicional, ela chega ao fim da trama provocando seu suicídio. Lemos na obra:
“Dois homens ergueram o morto ao alto sobre a amurada. Deram-lhe o balanço para o arremessarem longe. E, antes que o baque do cadáver se fizesse ouvir na água, todos viram, e ninguém já pode segurar Mariana, que se atirara ao mar.”(pág. 135)
E ainda:
“Viram-na, um momento, bracejar, não para resistir à morte, mas para abraçar-se ao cadáver de Simão, que uma onda lhe atirou aos braços”.(pág. 135)
Baseado em todo esse amor e dedicação que Mariana dava a Simão, sem lhe pedir nada em troca, muitos devem se perguntar, por quê diante da impossibilidade de ficar com Teresa, o narrador não preferiu unir Simão à Mariana? Este seria um final muito realista para uma obra ultra-romântica, seria preciso que o narrador permitisse ao personagem enxergar além do seu “eu”. À fora isso, as características egocêntricas do romantismo também impediam a união de Mariana e Simão, assim como a diferença de classe social, uma moça humilde nunca poderia unir-se a um jovem rico. E, mais, o casal Teresa e Simão estava destinado a permanecer amando um ao outro até o fim.
O suicídio também está presente na obra de uma forma indireta, com a morte em câmera-lenta dos personagens principais, Simão e Teresa. Ambos deixam-se morrer, decepcionados com as suas situações e transtornados pela saudade e falta que sentem um do outro. À primeira vista, parece inverossímil que jovens possam morrer de morte natural, mas se formos levar em conta a época em que foi narrada a novela, no século XIX, supõe-se que a medicina ainda não era dotada de tantos benefícios à saúde. Desse modo, dois jovens que encontram como única alternativa heróica para suas vidas a morte, deixam-se levar pelas fraquezas e debilidades de seus corpos, definhando até o fim.
Assim como a arte imita a vida ou a vida imita a arte, o desfecho de Camilo Castelo Branco é uma cópia fiel de sua obra; aos 65 anos, debilitado pela doença e pelas perturbações e dificuldades da família, e após ficar cego, suicida-se com um tiro no ouvido.
Esse é o fim trágico de um dos escritores mais populares de Portugal, representante da geração ultra-romântica, que levou suas concepções até o fim da vida, afinal “um personagem ultra-romântico não pode morrer lentamente de velhice”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRANCO, Camilo Castelo. Amor de Perdição. São Paulo: Ática, 1995.
MOISÉS, Massaud. A Literatura Portuguesa. São Paulo: Cultrix, 1986.
NICOLA, José de. Introdução e comentários. In: BRANCO, Camilo Castelo. Amor de Perdição. São Paulo: Scipione, 1994.
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