quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

"Harry Potter e a pedra filosofal: qual é a chave do sucesso?", por Juliano Bernardini Barbosa

“Harry Potter e a Pedra Filosofal” é o primeiro livro da série Harry Potter. No livro, Harry fica sabendo que é, na verdade, um bruxo famoso por ter sobrevivido a um ataque de Lord Voldemort (os outros livros da série revelam que Harry sobreviveu porque o amor de sua mãe o protegeu, repelindo o feitiço do Lorde das Trevas). Harry escapa apenas com uma cicatriz em forma de raio em sua testa, marca que fará com que seja facilmente reconhecido no mundo dos bruxos. É relatado o primeiro ano de Harry Potter na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. Já nesse livro, o bruxinho se depara novamente com Lord Voldemort, e impede que o Lorde das Trevas se apodere da Pedra Filosofal.
A versão brasileira do livro fica por conta da editora Rocco, com tradução de Lia Wyler. Aqui, o livro foi lançado em Janeiro de 2000, e possui 263 páginas com 17 capítulos.
O que mais chama atenção de seus fãs não é o livro em si, pois este não é ilustrado. A ilustração dos livros destinados ao público infanto-juvenil é importante, pois permite que os jovens criem em suas imaginações todo um universo relacionado às obras a partir das figuras ilustrativas.
A capa do livro chama a atenção e desperta a curiosidade dos leitores. Ela traz informações que durante a leitura são esclarecidas.
No nome do bruxinho, a letra “P” (Potter) está em forma de raio, o mesmo formato da cicatriz na testa de Harry. Há ainda o unicórnio branco, cujo sangue mantém Lod Voldemort “vivo”. Podemos ver, ao fundo, o cachorro gigante de três cabeças chamado Fofo, que protege a câmara na qual se encontra a Pedra Filosofal. Harry Potter aparece montado em uma vassoura e, acima de sua mão esquerda, podemos ver o pomo-de-ouro, isso é uma alusão ao esporte dos bruxos, o quadribol. O castelo de Hogwarts aparece do lado direito e, do lado esquerdo, a floresta proibida. O leitor só identifica esses elementos da capa após a leitura do livro.
Como vimos, o livro não traz nenhuma ilustração em seu interior, mas a capa convida o leitor para que este descubra que elementos são aqueles que aparecem.
A estória é contada em forma de narrativa. A autora utiliza parágrafos disformes, alguns são mínimos, outros são demasiadamente extensos. A narração é feita em 3ª pessoa. O que mais prende a atenção do leitor, no que diz respeito à forma como é feita a narração, são as falas das personagens em discurso direto, que trazem grande emoção e envolvimento com a obra. Tomemos como exemplo o seguinte fragmento retirado do livro:

[...] Havia alguém lá - mas não era Snape. Tampouco Voldemort.
Era Quirrell.
– O senhor! – Exclamou Harry
Quirrell Sorriu. Seu rosto não tinha nenhum tique.
– Eu – disse calmamente – estive me perguntando se encontraria você aqui, Potter.
– Mas pensei... Snape...
– Severo? – Quirrell deu uma gargalhada e não era aquela gargalhadinha de sempre, era fria e cortante. – É, Severo faz o tipo, não faz? Tão útil tê-lo esvoaçando por aí como um morcegão. Perto dele, quem suspeitaria do c-c-coitado do ga-gaguinho do P-Prof. Quirrell?
Harry não conseguia assimilar. Isto não poderia ser verdade, não podia.
– Mas Snape tentou me matar!
– Não, não, não. Eu tentei matá-lo. Sua amiga Hermione Granger, por acaso, me empurrou quando estava correndo para tocar fogo no Snape naquela partida de quadribol. Ela interrompeu o meu contato visual com você. Mais uns segundos e eu o teria derrubado daquela vassoura. Teria conseguido isso antes, se Snape não ficasse murmurando um antifeitiço, tentando salvá-lo.
– Snape estava tentando me salvar?
– É claro – disse Quirrell calmamente. – Por que você acha que ele queria apitar o próximo jogo? Ele estava tentando garantir que eu não repetisse aquilo. O que na realidade é engraçado... ele nem precisava ter se dado ao trabalho. Eu não poderia fazer nada com Dumbledore assistindo. Todos os outros professores acharam que Snape estava tentando impedir Grifinória de ganhar, ele conseguiu realmente se tornar impopular... e que perda de tempo, se depois disso vou matá-lo esta noite. [...]
(ROWLING, J. K. 2000, pág. 246)

O fragmento acima abre o último capítulo do livro (capítulo XVII). É um diálogo entre Harry Potter e o professor Quirrell. Até o momento Harry e seus amigos acreditavam que o professor Snape era o culpado por todos os acontecimentos negativos que se passaram em Hogwarts. Como vimos, o professor Quirrell é o verdadeiro culpado. Para o leitor é o momento de maior envolvimento com o livro. Com certeza muitos leitores ficaram pasmos com a revelação feita por esse diálogo em discurso direto.
A autora utiliza personagens com uma faixa etária aproximada a do público alvo. As personagens utilizam expressões que são usadas pelos próprios leitores do livro. Um exemplo disso é Rony Weasley, que freqüentemente deixa escapar os seus “Putz!” e diz palavras ásperas quando se irrita. A maioria dos alunos de Hogwarts fala e age como adolescentes do mundo real, utilizando gírias e expressões do cotidiano dos leitores. Isso faz com que o leitor se identifique com o livro.
A linguagem utilizada no livro é simples, sem a presença de palavras difíceis ou “eruditas”. Isso faz com que a leitura seja leve e que os leitores consigam ler durante horas seguidas, literalmente, sem se cansar.
Entendemos que o assunto do qual o livro trata é o grande trunfo para que a série Harry Potter seja um sucesso de vendas. A história em si não possui nada de inovador. Rowling, já foi processada por plágio por alguns autores, mas na maioria dos casos nada foi comprovado.
Muitos críticos afirmam que Rowling utiliza inúmeros clichês para elaborar a estrutura da estória. Segundo Harold Bloom: (apud JACOBY, 2005) ”[...] Fui a uma livraria e comprei o primeiro volume da série, em edição de papel barato. Foi difícil chegar ao final, pois era uma sucessão de clichês mal escritos [...]”.
Harold Bloom é um dos maiores críticos de Harry Potter, e tem razão quando afirma que o livro é uma “sucessão de clichês”, pois a Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, em sua estrutura de ensino, é idêntica a uma escola normal. Os alunos estudam para obter boas notas e prosseguirem para o ano seguinte, com exames finais e tabela de notas. As aulas pouco se diferenciam umas das outras, a magia não é o foco principal, este fica por conta da perseguição a alguns alunos por parte dos professores (como Snape a Harry Potter). Há o grupo dos “mocinhos” e dos “bandidos”, com Malfoy, Grable e Goyle fazendo armações e trapaças para prejudicar Harry, Rony e Hemione. A casa de Sonserina é vista com maus olhos diante dos outros alunos, e somente os professores não percebem o “mau caratismo” dos alunos pertencentes a esta casa (principalmente Draco Malfoy). O universo da magia não é totalmente explorado, é visto apenas superficialmente, a magia é apenas um pano de fundo para as mesquinharias e maldades, ou bondades e virtudes que se escondem por trás dos personagens.
Por outro lado a estória se torna interessante pela forma como é apresentada. A Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts é uma instituição imponente e muito respeitada no universo bruxo. Foi criado um brasão da escola, com os símbolos das quatro casas, a autora recorre ao latim para definir o lema da escola. Nesse brasão, aparece o Leão de Grifinória, a Serpente de Sonserina, O Texugo de Lufa-Lufa, e a Águia de Corvinal. Abaixo, há o lema da escola em latim: “Draco Dormiens Nunquam Tittillandus”, que significa “nunca cutuque o dragão adormecido” ou “nunca faça cócegas no dragão adormecido”. O brasão aparece (em preto e branco) no início do livro, e desperta a curiosidade do leitor para decifrar a escritura (lema da escola) abaixo da figura.
Há todo um ambiente mágico na escola. Ela é protegida por inúmeros encantamentos: os trouxas (aquele que não é bruxo) não podem vê-la, aparelhos eletrônicos não funcionam nas dependências da escola, tampouco se pode aparatar (habilidade dos bruxos que conseguem viajar desaparecendo de um lugar e aparecendo em outro). Os quadros de “pinturas” no castelo da escola contêm figuras vivas, que, inclusive, fazem visitas para as figuras dos outros quadros. É uma escola muito respeitada, e mágica, apesar de seus alunos serem representados mais como humanos normais do que como seres pertencentes ao universo bruxo.
A Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts não é, porém, o elemento mais fascinante que está contido no assunto do qual o livro trata. O que é mais interessante é a forma como esse assunto é tratado. Durante todo o livro vários acontecimentos terríveis se passam na escola, tais como a entrada do trasgo no castelo da escola na noite do dia das bruxas, os unicórnios mortos na floresta proibida, o incidente no jogo de quadribol no qual Harry quase cai de sua Nimbus 2000 (modelo de vassoura dos bruxos). O professor Snape é apontado como o principal culpado desses incidentes. O leitor é levado a acreditar cegamente nessa culpa de Severo Snape, pois durante toda a narração são dadas pistas de que ele é realmente o autor das maldades: no episódio do jogo de quadribol, Hermione vê o professor mexendo os lábios (como se estivesse falando) e olhando fixamente para Harry, um sinal claro de que Snape estaria azarando a vassoura de Harry para que este sofresse um acidente. Snape é visto em sua sala com a perna sangrando, sinal claro de que tentara passar por Fofo para se apoderar da Pedra Filosofal. Harry também vê Snape na floresta proibida, junto com o professor Quirrell, que parecia estar desesperado, isso nos leva a crer que Snape estava matando os unicórnios. No entanto, como já revelamos anteriormente, o verdadeiro culpado de todos esses acontecimentos é o Professor Quirrel, Snape na verdade, estava tentando proteger Harry Potter e impedir que o professor Quirrell se apoderasse da Pedra Filosofal. Essa revelação é feita no último capítulo do livro, e mais uma situação inesperada acontece quando o professor Quirrell retira seu turbante: atrás de sua cabeça há um outro rosto, é o Lord Voldemort, que se apoderou do corpo de Quirrell para continuar sobrevivendo e comandando seu servo na busca pela Pedra Filosofal. O temido Lorde das Trevas estava mais perto do que qualquer um podia imaginar, o leitor fica estupefato quando se da conta disso.
Verdadeiramente são as peripécias que acontecem ao final do livro que fazem com que o leitor sinta vontade de dar prosseguimento à leitura, lendo os outros livros da série. Essa reviravolta no rumo da estória é a grande chave do sucesso do livro, pois o leitor é levado o tempo todo por um caminho, e nem sequer desconfia de que a história possa ter esse desfecho inesperado. Mesmo que a autora utilize clichês, principalmente na caracterização dos personagens, a curiosidade do leitor, que se sente totalmente envolvido pelo universo mágico, é despertada. O leitor fica envolvido com a estória, sente vontade de chegar logo ao final do livro para saber o desfecho dos acontecimentos, é isso que faz com que ele não consiga parar de ler.
O personagem de Harry Potter evolui conforme sua idade, amadurece nos outros livros da série, assim como o público alvo do livro. Os adolescentes se identificam com o bruxinho pela sua idade e por ele parecer um adolescente contemporâneo.
A série Harry Potter estimula muitos de seus fãs à escrita. É sucesso também nos sites de “fanfics” (fan fiction = ficção criada por fãs), nos quais os fãs têm a oportunidade de criar estórias paralelas que se passam durante o período de férias da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. São criadas situações diferentes para os personagens dos livros durante esse período que se da entre um livro e o próximo da série.
Harry Potter é um fenômeno de vendas porque prende a atenção do leitor, faz com que este se sinta envolvido pela estória. Durante o decorrer do livro, o leitor é levado por caminhos que são desfeitos ao final. Os verdadeiros culpados pelas maldades que acontecem durante a estória não são aqueles que, desde o primeiro momento, o leitor é levado a acreditar que sejam. O universo bruxo é explorado superficialmente por Rowling, mas o público alvo do livro não são os conhecedores dos conceitos de bruxaria, e sim crianças e adolescentes. Então, não é necessário que o livro tenha seu foco principal nesse universo místico, a magia serve como pano de fundo para o desenrolar dos acontecimentos e é um atrativo a mais para os jovens. Além de tudo, é uma leitura leve e divertida, seus leitores se identificam com os personagens e se imaginam ao lado de Harry Potter.

REFERÊNCIAS

JACOBY, Sissa (org); RETTENMAIER, Miguel (org). Além da Plataforma Nove e Meia: pensando o fenômeno Harry Potter. Passo Fundo: UPF, 2005.

DICIONÁRIO Essencial de Latim – Português e Português – Latim. Porto: Porto, 2001.

FERNANDES, Francisco; LUFT, Celso Pedro; GUIMARÃES, F. Marques. Dicionário Brasileiro Globo. 43ª ed. São Paulo: Globo.

ROWLING, Joanne Kathleen. Harry Potter e a Pedra Filosofal. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.

ROWLING, Joanne Kathleen. Harry Potter e a Câmara Secreta. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.

ROWLING, Joanne Kathleen. Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.

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