quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

A conquista da maturidade em "Ana Z., aonde vai você?", por Pâmela Andressa Bonilha Einsfeld

A Literatura infanto-juvenil surgiu no século XVIII, na Europa, quando a burguesia surgia como classe social dominante. Uma reconfiguração familiar foi concebida, onde se delimitou seus integrantes a fim de que o ofício paterno fosse transmitido aos filhos profissionalizando-os e garantindo a concentração de renda. A partir disso, o tratamento dado à criança, no seio de sua família e na escola, transformou-se. A infância que antes não possuía distinção da vida adulta, passa a ser valorizada e individualizada. As crianças passam a freqüentar as escolas que tornam-se responsáveis pela instrução mediando a sociedade e o indivíduo infantil. Surge então a utilização de livros com fins pedagógicos, ou seja, como forma de transmissão discreta de valores, quase subliminarmente.
No Brasil, apesar de Monteiro Lobato ser o precursor da literatura originalmente brasileira e escrita para crianças, a literatura infanto-juvenil ganhou evidência e preocupação de escritores e educadores, como Cecília Meireles, apenas nos anos 70, abrindo oportunidade para que o tema fosse discutido e estudado tal gênero.
Foi nessa época que a escritora Marina Colasanti lançou sua primeira obra, em 1968, Eu, sozinha, uma novela não infantil. Esta escritora não dedicou-se somente à literatura para crianças. Marina Colasanti tem uma imagem fortemente ligada ao feminismo, por isso utiliza-se, muitas vezes, em suas obras, de temas como a problemática da atuação feminina na sociedade. Na obra Ana Z. aonde vai você?, não é diferente, pois está mais dirigida ao público leitor feminino por ter como sua protagonista, uma menina aventureira e pré-adolescente em transição.
Nesta obra, a escritora inova pelo estilo peculiar de narrar as aventuras de Ana Z. Dá à obra uma forma muito inusitada, num tom muito convidativo, que chama o leitor para dentro do texto enquanto narra com realidade as sensações de Ana Z. em sua jornada de autoconhecimento. A obra é repleta de metáforas que mexem com os sentidos do leitor que se envolve cada vez mais, além disso, o revezamento entre narrativa em primeira e terceira pessoa transmitem a sensação ora de subjetividade ora de total onisciência do caso. Arriscaria em afirmar que esta voz do narrador pode ser a consciência, as vezes conversando, as vezes assistido à menina durante sua jornada, ou melhor, é o “juízo” de Ana Z., tendo em vista que quando a narradora se afasta da menina e, após, a reencontra, lá está Ana “metida” em alguma enrascada, por exemplo aprisionada na torre do sultão.
Ao início da obra, quando somos apresentados a Ana, o narrador não deixa nenhuma pista de quem é esta garota, nem o por quê ela está debruçada no poço, nem sua motivação para tal atitude. Percebe-se, apenas, dessa personagem algumas características bem infantis como a necessidade insaciável de ter respostas a tantas perguntas, a clássica fase dos “por quês”. Nota-se uma insatisfação à falta de respostas e daí é que começa a entrada de Ana no poço, ou seja, a busca da menina por sua própria verdade. Após a entrada de Ana no poço, somos apresentados a um mundo fantástico e muito simbólico, por onde o inconsciente paira livremente. Diante da perda de suas contas de marfim, que podem representar a inocência, Ana arrisca-se e decide partir em busca de seu desejo de obter um bem amado. Então adentra no poço que representa o início de sua longa caminhada de descoberta.
Inusitadamente, Ana encontra quase todas suas contas, mas falta uma, a maior delas, e passado o primeiro desafio de coragem (chegar ao fundo do poço) a garota segue seu segundo desafio, tentar encontrar os peixes que poderiam ter comido sua conta mais valiosa. Durante sua jornada, Ana percebe que as paredes e o teto do túnel ficam cada vez mais apertadas, dificultando cada vez mais sua passagem. Isso significa o momento que Ana passa a se dar conta de que está crescendo e amadurecendo em relação ao mundo.
Como em toda adolescência, há um período em que a comunicação entre jovens e adultos tornam-se inteligíveis. Isto está representado no trecho em que Ana Z. tenta de todas as formas comunicar-se com o pastor. Além disso, também há, principalmente, no mundo feminino um período em que a jovem deseja sentir-se uma rainha, um ser valioso para alguém, para um príncipe ou um rei. Pode-se observar isto quando a garota passa a viver no palácio do sultão.
Ao longo de sua viagem, Ana desfez-se de todas suas coisas materiais, desapegando-se de tudo o que não lhe faria mais falta. Esta atitude desprendida é mais uma das marcas do amadurecimento da jovem moça. A gana por encontrar a conta de seu colar foi desgastando-se paulatinamente, até que não desejou mais seguir sua busca. Após sua jornada, a garota retorna ao poço e subindo as escadas percebe, finalmente, seu amadurecimento, e o ciclo de sua vida se completa.
Toda sua jornada, a convivência com outros personagens e suas estranhezas, ou seja, o enfrentamento do mundo e seus habitantes, tão estranhos a uma criança ou um jovem, aos poucos vão lapidando um novo indivíduo, com novas posturas, se descobrindo e podendo retornar às suas origens e a si mesmo (refletir sobre si). Ana Z. representa um ciclo que ela mesma precisa completar. Seu próprio nome poderia sugerir o começo e o fim de uma jornada, ou seja, de A a Z.
Inegavelmente, o livro Ana Z. aonde vai você? possui um assunto interessante, mas não para crianças. É uma obra recomendável a pré-adolescentes entre 11 e 14 anos, que já estão passando por um processo de descoberta e questionamentos acerca da vida e do mundo. Além disso, como já mencionado anteriormente, a narrativa de Ana Z. se ajusta mais perfeitamente a padrões femininos, pois a personagem central é uma menina e discute mais questões femininas, como se encontrar posta na situação de uma princesa, Sherazade. Com isso, a escritora trai seu leitor, por incutir uma ideologia pessoal em uma obra infantil.
Marina Colasanti, além de escrever Ana Z. aonde vai você?, foi responsável pela ilustração de seu livro. Esta obra não é recomendável para crianças, mas para pré-adolescentes. O meio visual da obra não é muito atrativo por retratar figuras em preto e branco, além disso a capa de tons pastéis transmitem apatia, sentimento não conciliável com a personalidade de um pré-adolescente. Embora isso, a obra possui um tamanho compatível com os jovens de hoje, pois tem uma narrativa fácil e convidativa além de ser um livro mais dinâmico, pois possui um número pequeno de páginas.

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