segunda-feira, 2 de março de 2009

“Ímpar”

por Juliana Gemelli da Silva

As crianças de hoje nascem em um mundo efêmero. Mundo que desde sempre foi recheado de futilidades, mas que jamais estiveram tão explicitas como atualmente. Antigamente era bonito ser culto, o que está na moda hoje é ser alienado e gritar isso aos quatro ventos. As pessoas nascem sabendo lidar com aparelhos eletrônicos, mas os usam de forma errada e tornam-se cada vez mais ignorantes.
Escassas são as pessoas dessa nova geração que descobriram o valor da leitura, que conhecem histórias infantis clássicas. Vivem em um mundo que lhe oferece tudo pronto e de péssima qualidade. As novas tecnologias, que poderiam ser usadas para trazer conhecimento de forma mais fácil, não são aproveitadas como deveriam.
Já que hoje a nova lei é a rapidez, devido à falta de tempo das pessoas, torna-se quase impossível encontrar indivíduos que gostem de ler, pois é uma tarefa trabalhosa e leva algum tempo, ainda mais quando o leitor é inexperiente. Mas proferir que não gosta de ler sem aventurar-se é o mesmo que dizer que não gosta de certa fruta, sem jamais ter experimentado.
Está claro para nós que a leitura é o único meio de termos cidadãos libertos da ausência de conhecimento, críticos e ativos no mundo em que vivem e temos consciência de que a leitura do público juvenil não é assídua. Quando essa prática torna-se uma rotina na vida do adolescente, ela não é espontânea e, sim, obrigada.
Mas como podemos fazer com que a leitura seja algo prazeroso, como podemos formar novos leitores?
Primeiro precisamos dar o exemplo, pois é impossível formarmos leitores se não lemos.
Depois, a leitura não pode ser imperativa. As crianças forçadas a ler, tirando alguns casos em que o amor por ler já está destinado, passam a odiar qualquer espécie de livro. E essa leitura também não deve ter um porquê, deve ser feita por fruição.
Os livros devem ser expostos, devem ficar ao alcance das crianças; em algum momento, com certeza, elas terão curiosidade de abrir algum e ler. Quando o livro perfeito para ela a escolher (eles que nos escolhem e não o contrário), é quase certo que eles irão se apaixonar por ler e entrar no mundo da literatura.
Além de a leitura obrigatória ser errada, pior ainda é forçá-los a ler clássicos que não condizem com o mundo que eles conhecem.
Por isso existem materiais adequados para a formação de leitores: livros infanto-juvenis. Acontece que, às vezes, mesmo nesse material, podem existir erros que traem o leitor.
Para que isso não aconteça, os autores devem realizar algumas adaptações para se aproximar de seu público alvo: adolescentes.
Neste trabalho discorreremos acerca dessas adaptações, utilizando o livro “Ímpar” de Marcelo Carneiro da Cunha, como exemplo.
O livro foi publicado em 2002 e narra a história de um menino que perdeu o braço em um acidente de carro. Inicialmente pensamos que a história será triste, o que não acontece, mas ela não chega a ser engraçada. Embora algumas lágrimas surjam durante a leitura, logo são aplacadas por pequenos risos. Podemos dizer que ela é uma obra neutra nesse aspecto. É uma boa história, mas não é “Ímpar”.
Já que os pré-adolescentes têm um conhecimento de mundo ainda limitado, o autor deve ter o cuidado de escrever sobre o que o leitor conhece, sobre o mundo que o adolescente discerne. Isso não impede que ele acrescente algumas informações novas na história, que ajudem o leitor a entender alguns valores que a sociedade prioriza.
No livro “Ímpar”, o assunto está, em alguns aspectos, em harmonia com o público que o autor quer alcançar. Acreditamos que ele dirige-se a leitores entre 10 e 13 anos. Os jovens, nessa idade, são como ele os caracteriza, acreditam que realmente podem mudar o mundo fazendo “ações” com seu grupo.
As incertezas relatadas pelo personagem principal são verossímeis, são conflitos que todos os adolescentes já cruzaram: primeiro beijo, preocupações com o que os outros vão pensar sobre ele. As preocupações relatadas por Zóli em relação a sua deficiência estão de acordo com o assunto pelo qual um adolescente deficiente interessar-se-ia, mas não sabemos até que ponto atrairia a atenção de um adolescente sem nenhuma deficiência.
Apesar de em nenhum momento mencionar que o adolescente “par” (como são chamadas as pessoas sem deficiência) não deve ter preconceito contra deficientes nem que o adolescente “ímpar” ( como são chamadas as pessoas com deficiência) deve descobrir ser capaz de fazer muitas atividades e ter uma vida quase igual a das pessoas “par”, é essa mensagem que fica nas entrelinhas.
Claro que o enredo e os assuntos adolescentes se sobrepõem ao valor que está querendo se passar e, nesse aspecto, o autor foi bastante cuidadoso, porém, a linguagem utilizada não recebeu o mesmo zelo.
Entendemos que o autor usou uma linguagem extremamente coloquial para conseguir atingir o público jovem, mas esse excesso tornou algumas partes do livro incompreensíveis para nós que somos adultos e ficamos imaginando qual seria o entendimento que um adolescente teria.
Usaremos o parágrafo abaixo do livro Ímpar para exemplificar o que estamos criticando.
“O outro dia era um sábado. Eu acordei cedo, porque o meu braço estava doendo, por causa do exercício. Eu olhei para fora e chovia pra caramba. Então eu tive essa idéia, porque quando chove o meu pai e minha mãe dormem até mais tarde.” (Cunha,2002, p.69)
O menino nos informa que teve uma idéia, mas a maneira que o autor escreveu tal passagem faz com quem pensemos que o menino já disse qual era sua idéia. Antes de seguirmos para o parágrafo seguinte acabamos voltando algumas páginas, para encontrar o momento em que o menino diz qual era a sua idéia. Após uma busca sem sucesso, seguimos a leitura e encontramos a idéia que o menino teve, no parágrafo seguinte.
Outra parte da obra em que o autor não teve cuidado foi quando, depois de tomar café, o pai de Zóli pergunta o que ele quer fazer. O menino diz que queria assistir algum documentário e gostaria que o pai explicasse o assunto do mesmo, mas o que acontece depois é totalmente diferente. Eles pegam um cobertor, sentam na frente da televisão, enquanto Zóli assiste a um filme o seu pai lê o jornal e posteriormente um livro.
Não conseguimos definir bem o erro do autor, mas há algo estranho na coesão de idéias. Ao lermos o texto, lembramos de uma criança de 3 a 6 anos quando conta alguma história e pula de um tema para outro sem ligação entre os assuntos. Os nexos coesivos utilizados pelo autor repetem-se muito, o que torna a leitura maçante para nós adultos. Se o livro é direcionado para pré-adolescentes, seria normal termos uma maior variedade de nexos coesivos, já que esse público deve reconhecê-los nessa idade e, se não os conhecem, instruir-se-iam lendo o livro.
Acreditamos que o autor produziu um livro com um assunto pertinente para o público juvenil, mas utilizou uma linguagem errônea para esses leitores. Tal linguagem seria adequada para crianças menores.
Se compararmos o livro Ímpar com o “A Bolsa Amarela”, percebemos que Lygia Bojunga Nunes usou uma linguagem coloquial, assim como Marcelo Carneiro, mas a coesão tanto entre as idéias de Raquel quanto entre partes do texto são muito mais cuidadas do que as do livro de Marcelo. Essa diferença torna-se maior ainda quando pensamos que o livro de Lygia visa alcançar leitores mais novos do que os adolescentes para quem “Ímpar” é direcionado.
Falando agora da adaptação do meio, acreditamos que a obra está adequada para o público adolescente, por ter um número curto de páginas, letras grandes e um grande espaçamento entre linhas. Mas vale lembrar aqui, que os adolescentes não percebem esses detalhes, eles apenas enxergam o número de páginas e talvez eles possam pensar que 134 páginas será muito maçante de ler. É quase certo que irão reclamar sem nem ao menos terem lido uma página.
No livro existem desenhos que repetem-se em cada início de capítulo, mas nenhum leva o leitor a algum tipo de interpretação. Esse fato é positivo, pois acreditamos que o público a quem a obra é direcionada já tem capacidade imaginativa, e pode se deleitar com a leitura tirando suas próprias conclusões, sem interferências da interpretação do ilustrador.
Acreditamos também que o autor romanceou muito a relação do adolescente com os pais. Sabemos que é uma fase em que eles não são os heróis dos filhos e, sim, os inimigos. Em alguns momentos, o personagem adquire uma certa maturidade de adulto, preocupando-se com a mãe, em querer que ela volte a ser como era antes do acidente e que volte a fazer seu doutorado. Em certos momentos ele tem comportamentos infantis e em outros o comportamento de um adolescente confuso.
Acreditamos que a leitura desse livro seja relevante para os alunos, mas não será uma das melhores, visto os defeitos que apontamos durante este trabalho.


REFERÊNCIAS
BAMBERGER, Richard. Como incentivar o hábito da leitura. São Paulo: Ática.
CUNHA, Marcelo Carneiro da. Ímpar. Porto Alegre: Projeto,2006.
NUNES, Lygia Bojunga. A Bolsa amarela. Rio de Janeiro: AGIR, 1993.
ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. São Paulo: Global,1990.

ANÁLISE DO CONTO DE FADAS SOLDADINHO DE CHUMBO DE ANDERSEN

Autores: Aline Araújo e Daniel Toffoli
Segundo Bettelheim, em “A Psicanálise dos Contos de Fadas”, as histórias fantásticas que os contos de fadas trazem, seu mundo animado, onde animais e objetos criam vida e ganham características humanas, fazem parte do imaginário infantil. Esta característica antropomórfica e anímica está presente no pensamento da criança e é parte importante do seu desenvolvimento cognitivo.

O conto de fadas desempenha uma função de auxiliar na formação de um caráter ético, justo e solidário na criança. Apresenta elementos que despertam sentimentos e sensações tais como, surpresa, alegria, angústia, medo, etc. Ela aprende a conviver melhor e enfrentar esses elementos de conflito.

Na tentativa de descobrir um pouco mais sobre o fantástico mundo da literatura infantil, daremos início a uma pequena análise de uma das obras de Hans Christian Andersen, um dos mais conhecidos escritores de literaturas para crianças.

De origem humilde, o escritor dinamarquês Hans Christian Andersen foi pioneiro na arte de escrever para crianças, com diversas adaptações da cultura popular e também com criações próprias.

O primeiro conto escrito originalmente por Andersen foi “O Soldadinho de Chumbo”. Narra a saga de um soldado moldado em chumbo, que diferentemente de seus companheiros, possuía uma única perna.

O pobre soldadinho, enamorado de uma bailarina, vive inúmeras aventuras longe de sua amada e chega a acreditar que nunca mais a verá. Foi quando o soldadinho caiu, houve uma interdição. Começou a chover e fizeram um baco de papel para colocar o soldadinho, ocorre a continuidade da interdição, porém por descuido. Aparece uma ratazana e ocorre a perseguição. Ele retorna ao lar de forma inusitada, acontece o deslocamento espacial. E por fim, quando é jogado na lareira ocorre a transfiguração para uma forma que o glorifica.
Após algumas pesquisas, constatamos que a obra “o Soldadinho de Chumbo” apresenta algumas versões diferentes da original. Principalmente em relação ao final do conto, lança várias possibilidades sobre como o soldadinho acabaria na lareira. No original, o soldadinho de chumbo foi colocado sobre o peitoril da janela e não se sabe se ele caiu ou foi o boneco de mola que o jogou. Em uma segunda versão, o soldadinho é lançado as chamas por amigos do menino, juntamente à outros brinquedos, inclusive a bailarina. Ainda em uma terceira versão, a bailarina, após uma ventania, é lançada na lareira e o soldadinho joga-se junto para unir-se à ela.

Existem também histórias em que o soldadinho de chumbo é personagem coadjuvante, como na obra “O Resgate do Soldadinho de Chumbo” de Maria Hilda Alão, onde as personagens principais(duas bonecas de pano e louça) auxiliam o soldadinho, estas viviam sua aventura paralelamente.

Assim como toda a obra literária, o conto de fadas é cercado de elementos simbólicos. O chumbo em que foi moldado o herói da narrativa representa o princípio da evolução e da incorruptibilidade. Simboliza a matéria que pode sofrer transformações físicas, mas não espirituais.

Esse simbolismo está bastante presente na obra. Porém, muito mais explicitamente no final, onde na fogueira, o soldadinho é derretido ao lado de sua amada bailarina. Ou seja, a matéria( chumbo+papel ) sofre uma transmutação, entretanto, o sentimento persiste e é representado pela forma do coração, forma a qual transformou-se o soldado que é sede das emoções, principalmente do amor .

A fogueira onde as personagens são lançadas, representa a vida; o arder no fogo eterno. Nesse caso, o soldadinho e a bailarina estariam renascendo para uma nova vida, juntos, eternamente; pois, é esse o único momento da obra em que os dois conseguem estarem juntos, unir-se.

No entanto, o conto não fala apenas do amor entre o soldado e a bailarina. No original, um feiticeiro, um boneco de molas, (demônio, em algumas traduções), representa o adversário, o opositor ao bem. Representa também, a voz da sociedade da época, e isso fica claro quando o duende diz ao soldadinho que ele deve “tirar os olhos” da bailarina. Ela, simbolicamente, está relacionada intimamente com o criador, pois liga-se a ele através da dança, tornando-se divina.

Andersen traz a tona temas como diferenças culturais, identidade e aceitação, criando uma personagem valente e perseverante. “Os soldados eram todos iguais uns aos outros, exceto um que só tinha uma perna. No entanto, mantinha-se em pé tão bem como os outros que tinham duas pernas”, apresentava um caráter heróico apesar de sua aparente fragilidade(Andersen, 1838). O autor buscava transmitir padrões de comportamento que acreditava deverem ser adotados pela sociedade. Como por exemplo, de que todos os homens deveriam ter direitos iguais apesar de suas diferenças.

A associação do soldado sem uma perna com a simbologia é que este está relacionado à divindades, à chuva e foi a chuva que levou o herói até ser engolido pro um peixe. Este é simbolo da fertilidade, da vida e da morte. A morte parecia iminente quando fora engolido, entretanto foi parar na casa de seu antigo dono e lá pode ver novamente a bailarina.

O soldadinho vestia-se de vermelho, cor da vida, do amor, também da guerra do poder destruidor do fogo e de azul, cor do céu, da água, da verdade e da fidelidade, todos esses conceitos se misturam ao longo da história, bem contra o mal, vida ou mote.









REFERÊNCIAS


ANDERSEN,H.C." O Valente soldado de chumbo". IN:Contos de Andersen. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981

BETTELHEIM, Bruno.A Psicanálise dos Contos de Fadas. Paz e Terra.16ª ed. Paz e Terra, 2002.

CANTINHO ESTELAR. Disponível em: . Acesso em: 25/09/2008.


DICIONÁRIO DE SÍMBOLOS. Disponível em: Acesso em: 28/09/2008

D'ONÓFRIO, Salvatore. Teoria do Texto1. São Paulo. Ática, 2ªed., 2006.

LEXIKON, Herder. Dicionário de símbolos. São Paulo. Pensamento-Cultrix LTDA.

QUE DIVERTIDO. Disonível em: . Acesso em: 27/09/2008.

RÁBANO MAURO E O SIGNIFICADO MÍSTICO DOS NÚMEROS. Disponível em: . Acesso em: 28/09/2008.

SOLDADINHO DE CHUMBO. Disponível em: .Acesso em:

WIKIPEDIA. Disponível em: . Acesso em: 27/09/2008.



RAPUNZEL E A SUA BUSCA PELA INDEPENDÊNCIA

Fernanda Silva da Roza e Stive Marques Veloso

Os Contos de Fadas podem influenciar o desenvolvimento infantil de forma positiva. Ele faz com que a criança se enxergue por dentro, e assim, passe a solucionar seus conflitos. As explicações contidas nos contos são fantásticas, como o pensamento das crianças, por isso as seduzem tanto.
Mensagens simbólicas estão presentes nos Contos de Fadas. Elas representam implicitamente algo que fica reprimido em nosso inconsciente. Buscando a simbologia correspondente a cada elemento, podemos interpretar os contos.
A partir da busca por símbolos e interpretações já feitas por alguns especialistas, como Bruno Bettelheim, faremos uma análise do conto Rapunzel, registrado pelos irmãos Jacob e Wilhelm Grimm.
Ao pesquisar algumas versões do conto Rapunzel, podemos observar que entre uma e outra não existem divergências significativas. As variações encontradas não comprometem a história por serem relacionadas somente à linguagem, com exceção de algumas, que ignoram a existência dos filhos gêmeos de Rapunzel.
A situação inicial do Conto é de um casal esperando um filho que desejava muito ter. A futura mãe tem o desejo de comer os rapúncios, um tipo de legume, que vê pela janela, no jardim da sua vizinha feiticeira. A janela simboliza a visão que ela tinha para o mundo, como uma nova esperança (provavelmente a de dar a luz). A horta produtiva representa a fertilidade que ela tanto desejava ter. O desejo tão intenso pelos frutos daquela horta representa a imensa vontade de ter um filho.
Devido ao abatimento da mulher, o marido decide roubar os rapúncios. Ela comeu, mas no dia seguinte, seu desejo de comer rapúncios aumentou três vezes. O número três vem para revalidar a grande vontade da mulher de ter um filho. O número três significa criança e alegria, e é o primeiro número que vem da soma de dois números diferentes: o número um, que significa masculino, mais o dois, que significa feminino, formando o três, que seria o filho.
Na segunda tentativa de roubar os rapúncios, o homem é flagrado pela feiticeira dona do jardim. Ela então oferece a ele todos os rapúncios que quiser em troca da criança que nascerá, ou seja, ela doa a fertilidade, mas pede em troca os frutos.
Dá-se o primeiro conflito: o pai promete dar a criança em troca dos legumes que a sua mulher deseja. A troca é desproporcional, mas isso é comum em Contos de Fadas. Além disso, antigamente se dava muita importância para o desejo das grávidas.
Quando a menina nasceu, os pais a entregaram à bruxa. Ela atribuiu à menina o nome do legume pelo qual ela foi trocada. O nome Rapunzel é uma pista para o passado da menina.
Apesar de o desejo do casal de ter um filho ser tão grande, o da feiticeira prevaleceu. Embora tenha feito uma promessa, a não tentativa do pai em recuperar a filha prova que o desejo deles foi mais valorizado do que a menina.
Outra explicação que pode ser atribuída a tal atitude é que, há séculos atrás, ter uma filha mulher dava somente despesas aos pais. Ao verem que não era um homem, não se importaram em dar a criança.
A Bruxa criou Rapunzel e elas se amavam como mãe e filha. A bruxa simboliza a antítese da mãe bondosa. Ela também é mãe, mas representa seu lado ruim, por isso é ciumenta e possessiva. No Conto, ela também é chamada de “mãe Gothel”, que em alemão significa madrinha. Devido às traduções feitas do Conto, esse sentido se perdeu, e Gothel tornou-se mais conhecida como bruxa.
Quando Rapunzel completou doze anos, a bruxa a trancou em uma torre de onde ela não podia sair. Esse momento pode ser classificado como o segundo conflito. Há várias interpretações possíveis para explicar o motivo pelo qual a bruxa veio a prender Rapunzel. Nos Contos de Fadas, é comum a presença da mãe que tem ciúmes da filha. Como Rapunzel era muito bonita, a bruxa pode ter tido tal atitude por inveja, inconscientemente.
Outra possibilidade é que, como Rapunzel estava entrando na puberdade e logo iria amadurecer, a bruxa tinha medo perdê-la. Ou porque ela poderia vir a procurar sua verdadeira mãe, ou porque poderia encontrar outro amor. Com a intenção de protegê-la dos perigos do mundo, aprisionou a menina.
A única forma de subir na torre de Rapunzel era pelos seus cabelos. A bruxa gritava para que a menina soltasse seus cabelos e subia até a torre. Os cabelos de Rapunzel ficavam sempre trançados, uma analogia à sua condição: ela estava presa e seus cabelos também.
Um príncipe que estava passando por perto da torre de Rapunzel ouve o seu canto. É o canto de Rapunzel que chama a atenção do Príncipe, o que vem ao encontro das características dos mitos, em que as mulheres atraem os homens pelo canto.
Ao observar a torre de Rapunzel, o Príncipe viu os seus cabelos, quando ela os jogou para levantar a bruxa. Os cabelos representam sedução. Assim, o jovem é seduzido pelo canto e pela cabeleira da moça.
O Príncipe usou o mesmo meio usado pela bruxa para subir à torre, o que simboliza a transferência de sentimentos da bruxa para o Príncipe por Rapunzel.
Em seus encontros, eles planejam fugir construindo uma escada. Ela deseja partir com ele em seu cavalo. A escada remete ao erotismo, ela simboliza o caminho entre o desejo e o orgasmo, e o cavalo também tem uma conotação sexual. Essa passagem do Conto demonstra os primeiros interesses sexuais da jovem que está se tornando mulher.
O terceiro conflito é ocasionado pela imaturidade de Rapunzel que acaba revelando sem querer para a bruxa os seus encontros com um homem. Rapunzel diz para a feiticeira que é mais fácil levantar o Príncipe do que a ela. A comparação de peso feita por ela diz respeito não só ao sentido concreto, mas à relação que tinha com os dois. Com a bruxa ela tinha uma relação difícil, pesada, e com o Príncipe tinha uma relação leve, devido ao prazer que ele lhe proporcionava.
A bruxa reage cortando as tranças de Rapunzel. O corte do cabelo é considerado uma metamorfose, ou seja, nesse momento, Rapunzel renasce e tem a mudança drástica de dependência da mãe para outra etapa de sua vida, a independência.
A Bruxa tem essa atitude movida pelo ciúme que sente da filha. Ela só tinha a menina e dedicou toda sua atenção a ela, ao descobrir que Rapunzel estava amando outra pessoa, não suportou. Sentiu-se enganada por não saber dos encontros do casal.
Movida pelo furor, a bruxa pendura os cabelos de Rapunzel na janela, enganando o Príncipe que sobe por elas pensando que irá encontrar Rapunzel e nesse momento ele cai e fura os olhos com os espinhos, ficando cego.
O símbolo atribuído ao cego é o da visão interior, ou seja, ele vaga pela floresta nessa condição porque deveria passar por um reconhecimento de si mesmo. Ela fica no deserto, que simboliza solidão, onde o homem encontra-se com seu eu. Mesmo estando separados, os dois passam pelas mesmas provações.
Eles ficam anos perdidos, sofrendo, só lamentando a falta de sorte que têm, sem fazer nada para mudar essa realidade. Esse fato denuncia a imaturidade do Príncipe e da Rapunzel, que ainda não sabem lutar pelo que desejam. Por isso, eles devem sofrer para amadurecer e poder ter uma relação depois.
Após muito tempo, o Príncipe encontra Rapunzel e os seus filhos gêmeos no deserto. Ela chora de emoção e suas lágrimas caem nos olhos do Príncipe, que volta a enxergar. Após terem sobrevivido sozinhos à solidão, eles tornam-se independentes.
Esse momento marca o desfecho do Conto. O reencontro, marcando a união da família e a visão recuperada restabelecem a situação das personagens que vivem felizes para sempre.
As interpretações feitas através do simbolismo das palavras, obviamente, não são percebidas de maneira consciente pela criança. Ela encontra no conto soluções para seus conflitos, sem ter idéia de que está fazendo isso.
Em Rapunzel, o conflito mais evidente é o da relação entre mãe e filha. O Conto lida com a evolução dessa relação, da infância à maturidade, relatando a trajetória da menina, dificultada pela mãe superprotetora, passo a passo.
Durante a infância, o filho é totalmente dependente da mãe, mas à medida que vai crescendo e tomando conhecimento do mundo, vai mudando sua percepção sobre as coisas e, consequentemente, afastando-se tenuemente da mãe. Durante a adolescência, esse desligamento começa a ser mais perceptível, é a fase de experimentar coisas novas. Se essa fase de experiências o levar à sabedoria, ele se torna mais maduro.
Quando Rapunzel é levada para torre pela Bruxa, ela não se revolta com isso. Ela aceita porque ainda tem uma mentalidade infantil e porque ainda não sabe que pode ter outras possibilidades. No primeiro contato com o Príncipe ela o estranha, exatamente, como acontece quando conhecemos coisas novas. Após conhecê-lo e começar a confiar nele, ela decide fugir. Essa é uma metáfora da troca da dependência pela mãe pelas influências externas.
Persuadida por aquilo que é desconhecido e sem saber se era seguro, ela mentiu para a mãe, burlou as regras e planejou fugir. A falta de prudência é típica da adolescência. No Conto, as oscilações entre a maturidade e imaturidade, comuns nessa fase, são marcadas pelo descuido de Rapunzel em contar sobre seus encontros. Contudo, sua luta pela independência chega ao fim depois de passar por grande desalento, e sobreviver sem o cuidado da mãe.
Se olharmos o Conto por dois ângulos, de um lado o sentido simbólico dele, que mostra as descobertas relacionadas às mudanças interiores de Rapunzel, desde a inocência até os desejos de mulher; e por outro lado, apenas superficialmente, interpretando a leitura daquilo que nos é contado; e se, finalmente, compararmos esses dois ângulos, veremos claramente os dois pontos se encontrando, o amadurecimento interno da jovem e sua rebeldia externa, as duas indo ao encontro da liberdade.
Podemos fazer muitas interpretações desse Conto de Fadas. A identificação e a interpretação da criança com o conto vão depender dos problemas que ela tem. A explanação sobre a busca pela independência é mais consciente, mas foi citada com o intuito de esclarecer aquilo que se mostrou mais evidente em Rapunzel.
Como Rapunzel aborda problemas presentes no universo infantil, tanto de maneira consciente, como inconsciente, não podemos duvidar que ele seja enriquecedor para a criança. Se o conto não servir para solucionar os seus conflitos, ao menos servirá para presenteá-la com o prazer de viajar pelo mundo da fantasia.

BETTELHEIM, Bruno. A Psicanálise dos Contos de Fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.


BOOK RAGS. Rapunzel. Disponível em: . Acesso em: 23 set. 2008.


CICHINI. Simbologia. Disponível em: . Acesso em: 23 set. 2008.


FERREIRA, Berta Weil. A importância dos contos de fadas no desenvolvimento infantil. In: Véritas: revista trimestral de filosofia e ciências humanas da PUCRS. Porto Alegre, mar. 1980.


GRIMM, Jacob & GRIMM, Wilhelm. Rapunzel. In: Contos de Fadas. Tradução de Celso Paciornik. São Paulo: Iluminuras, 2005.


GRIMM, Jacob & GRIMM, Wilhelm. Rapunzel. Tradução de Tatiana Belinky. São Paulo: Paulus, 1996.


GRIMM, Jacob & GRIMM, Wilhelm. Rapunzel. Tradução de Verônica S. Kühle. Porto Alegre: Kuarup, 1993.


OLIVEIRA, Ariadne. Rapunzel. São Paulo: Melhoramentos, 1982.


RIBEIRO, Laís Carr. Rapunzel. São Paulo: Moderna, 1992.


VOLPATO, Rosane. Lendas das Bruxas. Brasil, Mitos e Lendas. Disponível em: . Acesso em: 02 out. 2008.


WIKIPEDIA. Rapunzel. Disponível em: . Acesso em: 29 set. 2008.


WINDLING, Terri. Rapunzel. The Endicott Studio, 2008. Disponível em: . Acesso em: 23 set. 2008

“Jornada literária”

por Alessandra Pires Hostyn

Estava na aula de Português e a professora repetiu a famosa frase: Aprendemos a falar ouvindo e aprendemos a escrever...LENDO! Como já havíamos recebido a proposta de elaboração de um memorial de leitura, comecei a refletir sobre de que forma a leitura entrou na minha vida.
Tenho ótimas lembranças do meu processo de alfabetização, quando aprendi as letras do alfabeto todas eram atribuídas a alguma imagem, cujo desenho se encaixava perfeitamente a grafia da letra, me recordo de todas aquelas bandeirinhas em cima do quadro negro, A - abelha, E – escova, I – índio, O – óculos, U – urso. A etapa da alfabetização foi muito tranqüila para mim, eu adorava ir à escola e aprender matérias novas, acredito que essa facilidade deve-se também ao fato de meus pais incentivarem muito a leitura, meu pai sempre trazia para mim e para meu irmão, livros com historinhas novas, sempre esperávamos ele chegar do trabalho para nos contar ou para mostrarmos o que tínhamos aprendido em aula. Os livros que meus pais compravam eram de contos de fadas, de colorir, de completar e também tinha uma coleção da Walt Disney que falava de várias curiosidades, este último era muito legal, porque tinha assuntos diversos, era interdisciplinar.
Um dia desses estava assistindo à televisão e passou um desenho do “Pateta” que abordava os assuntos (conhecimentos gerais) da mesma forma que nos livros que falei anteriormente. Imediatamente, lembrei-me da coleção do Walt Disney, acredito que foi deles que saiu a adaptação para os desenhos animados, porque bem ou mal é muito mais atrativo para as crianças de hoje. Eu e meu irmão não costumávamos assistir televisão, lembro que tínhamos alguns LP´s de historinhas, escutávamos todos os dias, já sabíamos de cor o que ia acontecer, mas adorávamos ficar imitando o locutor.
Por volta dos meus nove anos de idade, meu pai me deu um livro em inglês, um livro gigante, com muitas páginas e com imagens lindas, cada página ilustrava uma situação do dia-a-dia e cada figura tinha identificada sua nomenclatura em inglês. Se eu viajasse para um país de língua inglesa e sentisse fome, com certeza não teria dificuldade em me expressar, pois essas palavras eu tinha na ponta da língua, talvez porque elas se repetissem bastante durante o livro.
Quando ganhei o livro, estava na terceira série do ensino fundamental. Lembro que era o primeiro ano que eu estava tendo a disciplina de Inglês, agora vejo que realmente existem leituras que marcam, seja por serem introduzidas de forma instigante, agradável, seja por serem repetitivas. No caso do inglês aconteceu o “fenômeno da repetição” a professora sempre lia o mesmo poema: “roses are red, violets are blue, sugar is sweet, and so are you”. Já no português tinha um poema, não sei o nome do autor, mas seguidamente ele me vem na memória, dizia o seguinte: “Eu não gosto do meu nome, não foi eu quem escolheu, se eu pudesse escolher o meu nome, não escolheria o seu / O bebê que vai nascer, vai chamar como padrinho, vai chamar como o vovô, vai ser sem nome pobrezinho...Quando eu tiver um filho, não vou pôr nome nenhum, quando ele for bem grande, ele que escolha um.” Tínhamos um colega que foi adotado, os pais mudaram seu nome logo que chegou na escola, imaginei que isso não fosse possível. Me identifiquei muito com o poema e me recordo que sempre perguntava para meus pais: por que escolheram Alessandra? Todos os meus colegas tinham nomes com 5 ou 6 letras e o meu tinha dez, nunca cabia nos espaços deixados pelos professores. Depois de ler o poema eu também queria mudar meu nome.
Ao passar para quarta série do ensino fundamental, troquei de escola, fui estudar em uma escola municipal, naquele tempo não vi muita diferença no ensino da privada e da pública, confesso me adaptei bem a nova escola e até preferi, pois na escola pública tinha muitas atividades extraclasse e o melhor, gratuitas. Sempre participei das oficinas, a que eu mais gostava era a de teatro, que contribuiu muito para minha formação como leitora.
Apresentávamos na escola a peça “Biblió-Uma graça de traça” na qual eu interpretava a própria Biblió, que é uma traça que ao invés de devorar os livros, os lê e protege. Sempre que íamos nos apresentar tínhamos que montar uma biblioteca, e isso nos levou a criar um grupo de contação de histórias em que fazíamos apresentações em forma de teatro e fantoches para as crianças da pré-escola, os contos infantis eram: Chapeuzinho vermelho, Patinho feio, Peter pan, todos que em algum momento meus pais já haviam lido para mim.
Sempre gostei de ler, mas com o passar dos anos e com a falta de incentivo pela a leitura, fui relaxando, retirava livros na biblioteca por costume, mas não fazia a leitura como fizera uma vez, era mais um ler por ler, ou seja, ler sem entender.
A escola não cobrava leituras, as professoras de português não incentivavam, estávamos cansando das oficinas de contação de histórias. Não foi só o pouco caso das professoras, mas também desleixo nosso, não buscamos ler outras obras mais complexas. Como a professora de ciências tinha um projeto, “Oficina de sexologia”, e estávamos na adolescência, cheias de dúvidas, abandonamos os pequenos e passamos a tentar desvendar nossas curiosidades para poder passar o conhecimento adquirido para os demais colegas da nossa classe.
No ensino médio não foi diferente, o desinteresse pela leitura só aumentou, na verdade eu até gostava de interpretar e refletir sobre os poemas e até mesmo sobre as frases de pensadores, que aprendíamos em Filosofia, mas isso não era explorado e nem incentivado na aula, a aula era só pra copiar a matéria no caderno.
Ao refletir sobre como a escola contribuiu na minha formação como leitora, me dei conta que o ensino médio foi um dos maiores causadores do desinteresse pela leitura, pois tenho poucas lembranças das leituras que realizei no ensino médio, ou melhor, me recordo de dois momentos. Um deles foi a proposta de um seminário, cada aluno recebeu um clássico da literatura brasileira para ler e apresentar para os colegas, a outra atividade era apresentar um dos autores brasileiros.
A obra que recebi foi “Iaiá Garcia” de Machado de Assis, confesso que até pouco tempo não sabia quem era o autor da obra, nem da história eu lembro, naquele momento foi algo muito insignificante para mim. Agora que sou estudante de Letras, percebo o quanto é importante fazer relações entre os assuntos, pois o autor que tive de apresentar era Álvares de Azevedo, nada a ver com a obra que li, o autor tem outra proposta, mas desta apresentação eu lembro bem, até hoje sei falar sobre o autor que apresentei, pois me interessei pela vida dele e por suas obras, tanto que o primeiro livro que escolhi para ler foi “Noite na Taverna”, lembro que gostei dos contos e sempre lia uns trechos para os meus pais.
Depois de ter concluído o ensino médio, a leitura foi retornando a minha vida pouco a pouco, primeiro vieram os livros de espiritismo que contavam histórias ditas “reais” e naquela época eu gostava muito, acredito que até pelo fato de estar na adolescência, tentava buscar explicações em tudo e aquela leitura de uma forma ou de outra me trazia respostas. Não sei se hoje eu me interessaria tanto por esse tipo de livro, acredito que eu faria uma leitura completamente diferente.
Ao ingressar na Universidade, no curso de Educação Física, dei uma pausa nas leituras por “lazer”, pois tinha muitas coisas novas para estudar, até que certo dia no meu trabalho, um colega, hoje meu namorado, ficava me chamando de “Capitu” e eu não conhecia essa tal de “Capitu”, então ele falou: “Tu não leu “Dom Casmurro”? Onde tu estudou?” Naquele momento me senti uma ignorante, decidi que ia ler a obra, pois não queria ser comparada com alguém que eu não conhecia. Falando em ignorância, lembrei de uma aula de literatura sul-riograndense em que a professora, Luciana Coronel, fez um comentário sobre a leitura que se encaixa perfeitamente nesse momento, disse: “À medida em que vamos acumulando leituras, vamos diminuindo o peso da ignorância”. Concordo com a observação feita pela professora, pois a cada nova leitura me sinto maior.
Voltando a “Capitu”, minha avó me deu o livro “Dom Casmurro” de Machado de Assis e toda coleção dos clássicos da literatura brasileira. Li a obra e me tornei fã da “Capitu”. Depois fui lendo as outras obras, mas a minha favorita continuou sendo “Dom Casmurro”.
Por motivos financeiros, tranquei a faculdade e decidi fazer cursinho pré-vestibular para tentar ingressar na UFRGS, ao assistir a aula de literatura, resolvi que mudaria de curso, prestaria vestibular para Letras. As aulas de Literatura, chamadas por muitos de “aulas show” o que de fato é um espetáculo, me encantaram, apesar de o conteúdo ser resumido e específico para o vestibular, adorei a forma como o professor ministrava a aula, tinha muito conhecimento e domínio total da turma, não conheço uma pessoa que fez cursinho que não diga que as melhores aulas eram as de literatura.
Foram às aulas do professor Bondan que me incentivaram a mudar de curso e a sentir prazer na leitura, na verdade não era que eu não gostasse de ler, eu tinha preguiça de tentar entender as histórias, não conseguia enxergar certas coisas e o professor clareou minhas idéias e nos ensinou o caminho mais fácil e prazeroso, assim como me mostrou e ensinou a importância da leitura.
No ano seguinte, ingressei no curso de Letras do IPA, confesso que no começo estava odiando, acredito que por ter vindo de um curso com muitas disciplinas práticas, chegar e ter que ficar preso na sala de aula vendo todo dia o mesmo assunto, fiquei em dúvida se tinha escolhido o curso certo, mas resolvi apostar.
Durante a vida acadêmica foram muitas as experiências com a leitura, aprendi a não só ler, mas entender o que estou lendo, embora algumas vezes ainda fique confusa. Vejo essa confusão de idéias como algo positivo, que só a literatura nos proporciona, pois nos permite sonhar, fantasiar, imaginar, ir além, fazer relações com momentos históricos e com o cotidiano. Um aspecto que percebi nas obras lidas, é que as questões abordadas nas obras, são iguais as de hoje, o que muda é o período histórico. Então se estabelecermos uma relação entre o ontem e o hoje, fica muito mais fácil de entender.
No período acadêmico, teve uma pessoa em especial que reforçou a importância de ler e entender, apesar de todos os professores baterem nessa tecla. A professora Zila que deu veracidade a esta sentença. Foi a partir do momento que ela veio lecionar para nossa turma, que eu e muitos dos meus colegas mudamos a nossa visão sobre a literatura e principalmente formamos nossa opinião sobre a didática mais adequada para as aulas.
Tenho o imenso prazer de dizer que cada sementinha que a Zila plantou, germinou e deu ótimos frutos, porque se hoje a leitura está inserida como uma atividade de lazer em minha vida é graças às aulas, aos conselhos e a paixão que ela tem pela literatura que podemos sentir a cada aula.
Lembro que no terceiro semestre ela pediu para lermos “Mrs. Daloway” de Virgínia Wolf, eu acabei não lendo naquele momento, mas depois do seminário que tivemos uma breve explanação do enredo da obra, adquiri o livro e fiz a leitura nas férias, achei a construção da história um pouco complexa, fiquei sabendo que o filme “As Horas” de Stephen Daldry, tinha uma relação com o livro, então resolvi assisti-lo. Foi muito proveitoso e esclarecedor ter assistido ao filme, achei muito importante fazer essa relação. Depois foi solicitado que lêssemos “Dom Casmurro”, de Machado de Assis, após a leitura assistimos ao filme “Dom” de Moacyr Góes, para que pudéssemos fazer uma relação entre obra e cinema, novamente foi muito importante, pois pude verificar que o cinema pega a idéia principal da obra, mas nem sempre é uma reprodução fiel.
A relação livro x cinema, provou o quanto é mais gostoso ler: poder criar, poder imaginar como são os personagens, o ambiente em que a história acontece, pois lendo criamos o nosso cenário particular.
Quando realizamos o trabalho sobre a obra “Dom Casmurro”, senti ainda mais admiração por “Capitu”, já a admiração por Machado de Assis iniciou-se nesta aula, pois foi a partir desse momento que conheci a genialidade desse autor.
Também fizemos a relação livro x cinema, com outra obra de Machado de Assis, “Memória Póstuma de Brás Cubas”, diferente do filme “Dom” que era uma adaptação do “Dom Casmurro” contemporâneo, o filme “Memória Póstumas de Brás Cubas” de André Klotzel, era quase que fiel a obra, o que torna o filme muito massante, então novamente o livro prevaleceu como melhor instrumento para conhecer a obra. Quando penso em Brás Cubas, sempre lembro da professora dizendo: “Vocês já imaginaram uma pessoa contar a sua história depois de morta?”. Sim, muitas coisas marcam nossas leituras.
Da mesma forma que quando tivemos que ler “Senhora”, de José de Alencar resgatei a imagem do professor Bondan, fazendo a encenação do “câmbio” que existiu entre Aurélia Camargo e Fernando Seixas. Tal lembrança iluminou minha leitura, o que a tornou muito agradável.
Ao final do terceiro semestre, a professora Zila nos indicou diversos livros para lermos nas férias, comprei vários, pois acreditava que seriam ótimos. Li quase todos durante as férias, pensei que teríamos que utilizar algum no próximo semestre, mas para minha surpresa só utilizamos um: “Alice no País das maravilhas” de Lewis Carroll, achei a história bem surpreendente, pois já tinha lido a história quando criança e era bem diferente.
Das indicações de leituras para as férias, uma das que mais gostei foi “À volta ao mundo em 80 dias” de Júlio Verne, não conseguia parar de ler o livro, estava curiosa pra saber se “Fíleas Fogg” ganhou ou não a aposta.
Adorei as indicações, foi a partir deste momento que comecei a ter um contato mais intenso com a literatura estrangeira, acredito que até pelo fato de não serem obrigatórias tive a oportunidade desfrutar melhor das leituras. Das obras indicadas li: “1984” de George Orwell, “O Pequeno Príncipe” de Antoine de Saint-Exupéry, “Os três Mosqueteiros” de Alexandre Dumas, “Moby Dick” de Herman Melville, “O retrato de Dorian Gray” de Oscar Wilde, “Crime e castigo” e “Noites Brancas” de Fiódor Dostoievski, “O Diário de Anne Frank” de Anne Frank, “Cem anos de solidão” de Gabriel Garcia Marquez, “Metamorfose” de Franz Kafka, “ Admirável mundo novo” de Aldous Huxley, “Divina Comédia” de Dante Alighieri, “Tristão e Isolda” de Joseph Bedier, enfim foram leituras que acrescentaram muito na minha formação como leitora e até mesmo como uma forma de inserção na sociedade, me tornou uma pessoa mais crítica, sem contar o enriquecimento cultural que adquiri.
Também teve outra obra, de literatura estrangeira, leitura obrigatória, mas que gostei muito, foi “Último Vôo do Flamingo” de Mia Couto. Achei muito legal, apesar de ser um realismo fantástico, o enredo foi tão bem construído, que em alguns momentos eu me perguntava será que a história realmente não aconteceu? O autor se utilizava de elementos e crenças do povo de Moçambique para dar verossimilhança à história.
Como adoro cinema, muitas vezes quando estou assistindo a um filme encontro vários elementos que se relacionam com uma das obras citadas, por exemplo: “Match Point” de Woody Allen que se inspira na obra de Dostoievski, “Crime e Castigo”, “V de vingança” de James McTeigue, que apesar de ser baseado na obra de Allan Moore, trás elementos, como as “tele-telas” que aparecem na obra de George Orwell, “1984”. O filme “Escritores da Liberdade” de Richard LaGravenese é um filme fantástico, um dos melhores filmes para trabalharmos com literatura, principalmente em fase de estágio curricular. Tem uma linguagem muito simples, busca incentivar os alunos a lerem e gostarem da literatura e também a criarem suas próprias histórias, sejam elas reais ou imaginárias, todas essas questões são introduzidas a partir da obra: “O Diário de Anne Frank”. É uma ótima sugestão para trabalharmos com os alunos.
Retornando aos livros, vamos falar de literatura infanto-juvenil, teve uma obra que me marcou muito, antes de iniciarmos a leitura da obra, a professora nos falou um pouco sobre a história da vida da autora, que por sinal era encantadora e deu um “roteiro” de leitura, esse roteiro foi fundamental para que eu conduzisse minha leitura e para que a obra me conquistasse da forma que conquistou. Duas vezes por semana, nas férias reúno meus pais e meus dois irmãos para contar uma das histórias que li e gostei, “A bolsa amarela” de Lygia Bonjuga foi uma delas, depois de contar em casa, levei para uma das festas de família e contei para os meus primos, enquanto eu contava minha prima, que é pedagoga, fazia uma encenação, foi muito divertido. A primeira frase da obra me vem a cabeça em diversos momentos: “Eu tenho que achar um lugar pra esconder as minhas vontades”. Há dias que me sinto como a “Raquel”, as minhas vontades engordam, engordam, engordam tanto que nem cabem mais em mim, de repente sem que nem eu as perceba, desaparecem. Quando li a “A bolsa amarela”, logo lembrei do poema, citado anteriormente, sobre poder escolher nosso próprio nome, quando somos crianças estamos sempre buscando resposta, e é o que “Raquel” busca.
Viajando pelo regionalismo urbano me deparei com “Os ratos” de Dyonélio Machado, que me marcou, mas não de forma tão positiva como a obra anterior. Comecei a ler ao terminar o ensino médio, pois queria começar a ler algumas obras, não deu certo, o livro era muito chato e cansativo o que fez de minha experiência frustrante. Quando estava fazendo cursinho, novamente fiz a tentativa de começar a ler o livro chato, sem sucesso. No primeiro dia de aula de Literatura Sul-riograndense, qual a primeira leitura que a professora solicitou? “Os Ratos”, Como eu já estava cansada de tirar este livro da prateleira, decidi que dessa vez ia ler até o final, para minha surpresa a leitura não foi tão entediante, acredito que eu já estava mais preparada para fazer essa leitura. Estava angustiada, sofrendo junto com “Nazieazeno”, de repente ele ganhou na roleta o dinheiro que precisava, por instantes achei que o sofrimento tinha acabado, engano meu, foi só mais uma barreira criada, “Naziazeno” continuou jogando e perdeu tudo novamente. Cansei de torcer por ele, estava ansiosa para chegar ao fim e saber se afinal os ratos roeram ou não roeram o dinheiro. Minha experiência com “Os Ratos” provou que estamos sempre amadurecendo como leitores.
Em torno de “1984”, tive um “Sonho de um noite Verão”, contei a “Shakespeare” e a “Édipo Rei”, ambos sugeriram que eu dividisse esta experiência com vocês.
Em uma “Manhã transfigurada” andei “Um quarto de légua em quadro” até encontrar o “Pequeno Príncipe” o qual me convidou a uma viagem de “Volta ao mundo em 80 dias”. Peguei minha “Bolsa Amarela” e embarquei nessa viagem, me aventurei em terra com “Os Três Mosqueteiros” e no mar com “Moby Dick”. Me confundi com “Mrs. Daloway” assim como me contagiei com o amor proibido de “Tristão e Isolda” e mesmo com “O Amor em tempos de cólera” acreditei no amor que a “Senhora” sentia por “Seixas”. Virei fã incondicional de “Capitu”, pois não fui cega como o tal “Dom Casmurro” dono de um ciúme obsessivo.
Foi na “Barca do inferno” que me deparei com “Brás Cubas”, esse me levou a ver o ciclo da vida de forma inversa, começamos pela morte, nesta estada do outro lado encontrei “Policarpo Quaresma” que por cometer o “Crime” de amar demasiadamente a pátria, teve como “Castigo” um “Triste fim” e para que eu não fosse punida com “Cem anos de solidão” pedi ao “Pai Goriot” que me ajudasse a voltar. Quando retornei, dei de cara com “O Retrato de Dorian Gray” que estava sendo roído pelos “Ratos”, parece uma “Divina Comédia”, mas “O Primo Basílio” estava tentando afastá-los com “O Pêndulo do relógio”, foi quando aconteceu uma “metamorfose” e então fui apresentada ao “Admirável mundo novo”, o Universo da Leitura. Foi a partir deste sonho, que assim como “Anne Frank” estou criando meu diário, que inicia com a seguinte frase: “Hoje tenho plena convicção que minha jornada literária está só começando!”


Memorial de leitura

“Recordações”, Adriana Brum



São nove horas de uma manhã chuvosa de domingo, a casa dorme, e eu, resolvi “iniciar” meu memorial de leitura. Começo por onde, Deus? Pelo começo – ouço essa voz. Não pense que é do além, não, não é. Sou eu mesma quem responde, talvez (com certeza!) essa minha capacidade de “me ouvir” tenha despertado daí, ou melhor, ali naqueles dias que minha memória alcança...
Lembro de ouvir histórias desde muito pequena, principalmente histórias de terror; não entendia o fascínio que os “adultos” (pai, tios e avós) tinham em nos contar as histórias mais aterrorizantes que uma criança pode “suportar”. Mas é claro que eu e meus irmãos amávamos!
Adorávamos quando um adulto que, aparentemente, estava jogando conversa fora, nos olhava de repente exclamando: - “Vocês não sabem de uma história terrível que eu soube, mas não posso contar, é perigoso...Vocês não vão conseguir dormir!”
Bem, aí não dava outra; implorávamos para que nos contasse, sempre afirmando que não iríamos acreditar, sabíamos que era uma “história”. Minha mãe desmentia tudo, dizia que era tudo bobagem, era só fazermos uma oração, e todo o mal desapareceria.
Os monstros, as bruxas e as almas penadas estavam sempre perto de nós. Nossos primos, pouco mais velhos que nós, nos diziam que o vizinho da casa “tal” era lobisomem – “A vó disse!” (para parecer convincente, lógico). Até uma Senhora idosa que me dava injeção era a bruxa da “Branca de Neve”, em minha cabeça não podia ser outra pessoa... Ela vinha sorrindo com uma injeção nas mãos, ao invés de uma linda cesta de maçãs.
Meu pai sempre gostou de “instigar” nossa imaginação. Éramos cinco filhos e, naquele tempo, tudo o que tínhamos era muito valorizado. Recordo que ganhávamos máscaras de papelão, e delas surgiam histórias; bonecos de.papel também tinham “vida”.
Lembro de livros novinhos chegando em nossa modesta estante. Meu pai sempre acreditou que os livros nos “dariam” o mundo. Não tínhamos dinheiro para comprar roupas novas, mas tínhamos livros cheios de figuras lindas, coloridas e um cheiro de novo que a nada se compara.
Uma das coleções que tínhamos era “Lendas do Sul”; o palhaço Arrelia quem contava as histórias para as crianças no livro. Minha irmã lia para nós, e dizia “Arrélia”, e “toda” a vida rimos disso, deste equívoco cometido por ela. Agora compreendo o “engano”, ela não era “tão grande” como imaginávamos, devia ter uns dez anos; e nós não líamos ainda, sabíamos das histórias através das leituras de nossas irmãs mais velhas.
Depois vieram os livros de Medicina. Nesta época, meu pai deslumbrava nosso futuro como “doutores”, penso. Tento entender por que ele comprou aquela coleção enorme de livros que tinham capas “super” expessas, com letras douradas. Não lembro agora quantos volumes eram, mas eram muitos tão cheirosos quanto a coleção das lendas.
Eu já lia quando nossa estante recebeu estes novos inquilinos, então, como minha curiosidade era “aguçada”, apesar de minha pouca idade, lá fui eu me “debulhar” em cima das doenças... Não sei quantas fotos tinham naqueles livros, mas posso garantir: todas “horrendas”.
Soube ali que não queria ser médica, mas nada me impediu de sentir todos os sintomas (ali descritos) possíveis no diagnóstico de um câncer. Por algum tempo eu era um projeto-hipocondríaco; sentia “tudo” o que lia: cada dor, estágio inicial de possíveis infecções, etc.
Não durou muito meu “fascínio” por doenças. Voltei a ser uma criança saudável, estava cansada de ser “adulta”.
Tenho uma frustração, devo confessar; nunca gostei de histórias em quadrinhos ou gibis, melhor dizendo (não sei bem o porquê). Meus irmãos adoravam! Mas, pensando bem, talvez não gostasse porque eles não me davam a menor atenção quando liam, e não era o tipo de história que se conta a alguém, apenas se lê. Eu não achava “graça” nem nas figuras, nem nas histórias. Enfim, tenho essa “lacuna” em minha vida; sinto-me um “ET” quando penso ser a única pessoa que conheço que nunca gostou de gibi.
Lembrei também agora de que, quando tinha uns 11 ou 12 anos, li escondida (era proibido a nós, filhos) um livro de capa preta do meu pai que falava em feitiçarias, e não era para nós lermos. Ninguém queria ler mesmo, mas eu li, claro. Pensava, o que poderia ter um livro de tão pavoroso e perigoso? Realmente, fiquei abalada por uns dias, assim como quando li o Exorcista; depois passou a fase “busca do medo”.
Na escola entrei em outro mundo da leitura. Quase tudo que líamos aprendíamos o “motivo pelo qual”, “a razão de”, de tal leitura, mas nem por isso, menos interessante. Afinal, tudo o que as professoras nos contavam era sagrado (para mim ao menos). Porém, ao chegar a 7ª ou 8ª série, não lembro exatamente qual, tivemos uma verdadeira “prova de fogo”: ler e “apresentar” o livro “Triste fim de Policarpo Quaresma” do Lima Barreto. Não me lembro de ter vivido situação mais constrangedora que aquela. Não entendi nada daquele livro, quero dizer, não achei a menor graça naquela história; compreensível para uma adolescente de 13 anos.
Ali, tive a sensação de que Literatura era sinônimo de tortura.Depois deste episódio “inesquecível”, qualquer sugestão de livro, pela escola, tinha a mesma sensação: “não vou entender o livro, terei que contar a história, ler e saber como contar, etc, etc”.
Bem, apesar da experiência “bombástica” na escola, lembro de começar a ler tudo que via na minha adolescência; meu interesse pelo mundo do qual não tinha acesso, e que me sentia “pouco à vontade”. As leituras me deixavam ir sem medo. Só podia/conseguia “adentrar” pela porta dos livros, revistas e pela TV, porém eu gostava mais de ler, porque me protegia dos olhares alheios e poupava da “vergonha” por meu interesse (o maior) em “histórias de amor”.
Lia todas as “Sabrinas, Júlias e Biancas” que encontrava, quando estava de férias, na praia. Havia uma lojinha em que nós (eu e minha irmãs) comprávamos “bem baratinho”, e podíamos trocá-las, após a leitura, por outro da “coleção”; era o máximo!
Depois disso, lembro das leituras obrigatórias para o vestibular. Eu queria saber o porquê da importância de tal livro, e acabava sempre buscando, mesmo depois de terminar o ensino médio, autores e obras renomados. Li nessa época “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, “Dom Casmurro”, “Lucíola”, “Senhora”, “Tocaia Grande”, “Vidas Secas”, “São Bernardo”, “Morro dos Ventos Uivantes” Mais ou menos nessa mesma época, já queria saber de “tudo”. Lia jornais, revistas, qualquer assunto: queria entender tanto de economia quanto da camada de ozônio. Na verdade, fazendo nesta reflexão, percebo o quanto gostava de ler já nessa época, e sem me dar conta; já era um prazer ler.
Quando entrei na faculdade de Letras, não foi uma escolha propriamente dita, foi o que me “sobrou” como bolsista do Prouni, podia escolher alguns cursos, entre eles, Letras Português, que escolhi de fato por causa da Literatura. E sinto-me feliz pela escolha.
Cada indicação dos professores foi uma nova descoberta, ou redescoberta, porque muitos livros eu já havia lido em outras “épocas”. Mas a releitura trouxe um novo “sabor”. Reler Dom Casmurro, por exemplo, foi muito prazeroso. Pensei: como posso me emocionar com um livro que já conheço? Não sabia. Mas, não menos senti ao reler “Memórias Póstumas”, porém neste, como fazia parte de um seminário da obra, tive que “debulhá-lo”, e me dei conta de coisas que sequer imaginava na primeira leitura. Então, soube que é possível sim me encantar novamente por um mesmo livro, porque eu já não sou/serei a mesma.
Na disciplina de Literatura Infanto tivemos leituras que nos fizeram conhecer de fato a “verdadeira” história do “Chapeuzinho Vermelho”. Confesso que fiquei chocada! Não fazia idéia dessa distorção da história original. A leitura do orig “Os três porquinhos” também conheci uma história diferente da que conhecia: “uma mamãe-porca” dispensando seus filhotes de casa, mais uma “surpresa” para mim.
Com “A bolsa amarela” voltei a minha infância, mas penso que qualquer adulto pode se divertir, e muito, com as aventuras da Raquel e sua super-bolsa. Aliás, foi o primeiro livro de Lygya Bojunga que li, e sei que tenho muito a ler desta grande escritora.
Os contos de Machado de Assis também foram leituras marcantes da minha formação acadêmica: “Apólogo”, “O enfermeiro”, “Missa do Galo” e “A Cartomante”. Bem, eu devo confessar que já era fã de Machado de Assis antes da faculdade, mas agora, além de fá, sou apaixonada por ele.
Foi através do curso de Letras que conheci maravilhosos autores como Allan Poe (“O Gato Preto” –macabro), Mia Couto (“O Último Vôo do Flamingo” – mistério e suavidade juntos), Garcia Lorca (“A Casa de Bernarda Alba” – angústia – vi ali minha avó e suas filhas), e outros tantos que certamente ficarei arrasada de tê-los “esquecido” aqui.
Érico Veríssimo não posso deixar de fora desse memorial. Do “Incidente em Antares” gostei demais: os mortos apodrecendo na praça central, indistintos, afinal iriam todos para o “mesmo” lugar. E, o “Continente I” então, nem se fala; o tipo de livro que se começa a ler com preguiça, e depois não se consegue mais parar de ler.
Outras leituras que fiz que deram muita alegria conhecer foram os contos de João Gilberto Noll (já havia lido em férias de verão “Bekerley em Bellagio” e “Lord”- apesar da angustiante, impossível para de ler) e Caio Fernando Abreu que adorei os contos, as cartas. O mais “fresco” em minha memória é “Garopaba mon amour”, escolhi para apresentá-lo por que “Garopaba” era meu lugar de férias maravilhosas. Mas quando fui ler, foi um “soco no estômago”; jurava que iria ver sombra e brisa do mar... No entanto, era tortura na veia, ao som de Rolling Stones (um brinde do autor no meio de tanta desolação). Conhecia o Caio Fernando Abreu de entrevistas de jornais e rádios, adorava ouvir suas opiniões sempre muito sensatas, inteligentes e com pitadas de humor. Então só podia amar sua obra mesmo. Não foi surpresa para mim.
É notável que as leituras que fiz foram fundamentais tanto para minha formação pessoal, quanto profissional. Não seria a pessoa que sou se não tivesse estas leituras em mim, e o encantamento de descobrir outras. Tampouco teria conseguido atingir meu maior objetivo em meu último estágio (de literatura) que era o de despertar em meus alunos o interesse e o gosto pela leitura; pelos olhares (ao ouvirem a leitura) e pelos trabalhos desenvolvidos, acredito que para alguns foi significativo, e para mim muito gratificante.
Muitos alunos disseram que ao ouvirem minha leitura parecia que eu fazia parte das histórias que lia. Pois é assim que me sinto lendo obras que me “prendem” e “preenchem” a mente e o coração. Para mim, a boa literatura é isso, um prazer indescritível; uma experiência única e intransferível. E, como tudo o que é bom, “vicia”!

As adaptações em “Ímpar”

Fernanda Silva da Roza

A relação entre o escritor de literatura infantil e o seu respectivo leitor, segundo Regina Zilberman (2003), é assimétrica, pois suas experiências e interesses, assim como suas capacidades cognitivas, são imensamente diferentes. Para que essas diferenças não sejam visíveis na obra, o autor deve adaptá-las, procurando que elas tornem-se o mais semelhante possível do universo infanto-juvenil. A partir desse princípio, analisaremos o livro “Ímpar”, de Marcelo Carneiro da Cunha, interpretando e apontando se os níveis de adaptação estão de acordo com as possíveis expectativas do leitor.
Ao lermos “Ímpar”, acompanhamos a trajetória de um menino que, ao sofrer um acidente de carro, perde o braço. Após o episódio, por decisão de seus pais, muda-se para outra cidade, em que, ao buscar tratamento em uma clínica de reabilitação, faz novos amigos “ímpares”, deficientes como ele, que o ajudam a buscar sua nova identidade e, principalmente, a aceitar sua nova condição.
Em um primeiro momento, podemos pensar que o assunto de “Ímpar” trai o leitor, pois trata de diferenças, o que nos lembra preconceito. Parece, nesse caso, que a leitura traz um ensinamento. Porém, se avaliarmos por outro ângulo, poderemos ver que o assunto é bem evidente para o leitor, logo, nos primeiros capítulos, o que o isenta de qualquer surpresa posterior por se tratar de uma história de deficientes físicos.
Acreditamos que o livro compreenda uma gama de leitores de idades entre dez e treze anos, esses jovens têm condições de formar opinião sobre diversos assuntos, inclusive sobre esse. O fato de a história ser de um menino que não tem um braço, não quer dizer que ela diga respeito somente a deficientes. Enquanto lemos o livro, somos envolvidos, principalmente, porque entramos no universo de um menino no início da adolescência, que tem as mesmas angústias e o mesmo comportamento de um menino comum, e isso se sobrepõe à sua deficiência.
O autor peca ao mostrar a união de um grupo de portadores de deficiências diferentes. Para Silveira (2003), isso é inverossímil, pois, de acordo com o ponto de vista da comunidade surda, o mais plausível seria que meninos e meninas surdas se unissem por terem interesses semelhantes, como a Língua de Sinais, que não tem ligação com outras deficiências.
Em relação ao comportamento de Zóli e de Bibiana, Cunha demonstrou ter acertado a medida. Zóli enfrenta os dilemas relativos à adolescência de um menino comum, entretanto, as suas falas, compostas por detalhes minuciosos, não escondem a sua condição e atribuem mais realismo ao personagem, como nesta passagem: “Eu fui pro vestiário, coloquei a meia e o tênis, não posso usar tênis de amarrar – sorte que agora tem esses com velcro -, [...]” (CUNHA, 2002, p. 101).
Bibiana é carismática e expansiva; admirada por todos, é uma espécie de líder da turma de “ímpares”. Ela é, também, responsável pela inserção de Zóli na turma, já que é ela quem faz todo o intermédio entre eles, favorecendo a aproximação. Bibiana é aceita e reconhecida pelo grupo ao qual pertence, e por ter nascido com a deficiência, ela já finalizou todo processo de reconhecimento pessoal pelo qual Zóli ainda deverá passar. Por isso, ela é um personagem encarregado de “guiar” Zóli, mostrando para ele que, apesar de sua deficiência, pode ter uma vida normal.
É na construção dos pais que a história se torna mais verossímil. Ao contar sua história, Zóli vai dando pistas de que seus pais estão com problemas e agindo de forma diferente depois do acidente. Principalmente, a mãe, que ele relata como se estivesse se sentindo culpada:

Os meus pais mudaram um monte. A minha mãe não teve culpa nenhuma do acidente, o outro cara tinha bebido, o idiota. [...] Eu tinha escutado eles dois brigando na noite passada, não sei o que era, mas eles nunca faziam isso antes. Era sempre amorzinho pra cá, benzinho pra lá, beijinho pra cá, eu até me sentia envergonhado, [...] (CUNHA, 2002, p. 27).

De acordo com Gomes (2006), as famílias passam por um “processo de luto” ao receberem um filho deficiente. De maneira mais simples, podemos dizer que é como perder um filho perfeito e ganhar um deficiente, e, assim, ser necessário aceitar e adaptar-se a essa nova realidade. Em “Ímpar”, podemos observar o comportamento dos pais e verificar a semelhança com os estágios relacionados a esse processo.
As etapas do luto são quatro: choque, negação, sofrimento e recuperação. Não chegamos a acompanhar a fase do choque, pois a história mais detalhada inicia no momento em que Zóli e sua família mudam-se para outra cidade. Já a etapa da negação, em que a pessoa se pergunta “Por que isso aconteceu e não pude evitar?” e a fase do sofrimento e desorganização, em que a pessoa se sente culpada e que se afasta da sua rotina, são bem presentes no livro.
Eles abandonam a outra cidade, como quem foge da realidade. Após isso, além de largar os estudos e ter problemas, que não tinha antes, com o marido, a mãe de Zóli trata o filho com desvelo excessivo, demonstrando que se sente culpada e tem medo do seu julgamento. O menino percebe e comenta isso em uma passagem do texto: “Depois do acidente ela ficou assim. Antes ela nunca parava de me perguntar alguma coisa que ela achava que eu tinha para dizer, nunca.” (CUNHA, 2002, p. 19).
O comportamento dos pais de Tula também se enquadra nas “fases de luto”. O pai deixou a família e a mãe tentou fugir da situação, deixando de dar a atenção necessária à filha. Em contrapartida, a mãe de Bibiana, assim como a filha, demonstra-se bem segura, provavelmente, porque lida com o problema há bastante tempo, então, já se recuperou do trauma e passou pelo processo de maturação necessário para lidar com a situação da maneira que os outros pais não estão preparados ainda.
Os pais de Zóli chegam à fase de recuperação e aceitação quando procuram o filho a fim de ajudá-lo em sua luta para fazer parte da equipe de tênis. Depois que o garoto obtém sucesso com o tênis, a história começa a entrar em harmonia e a família começa a se estabilizar novamente. Enfim, mãe e filho, mais confiantes e seguros, conversam, firmando a recuperação deles.
Voltando à questão da adaptação, Regina Zilberman (2003), embasando-se nos ângulos de adaptação de Göte Klinberg, afirma que, em nível de assunto, esta deve ser feita com a intenção de adequar a obra ao conhecimento de mundo do leitor, e, por conseguinte, os assuntos pelos quais o recebedor não compreende devem ser banidos. Todavia, em alguns casos, é necessário que sejam acrescentados alguns conteúdos desconhecidos, diversificados, com o intuito de promover uma melhoria no comportamento social e intelectual do leitor.
Dessa forma, após interpretarmos alguns pontos de “Ímpar”, podemos concluir que seu assunto é adequado ao público ao qual se propõe a atingir, visto que se trata de uma narrativa sobre deficientes físicos e o recebedor tem conhecimento, mesmo que superficial, sobre o assunto e capacidade para refletir sobre ele.
Sempre que tratarmos de temas polêmicos, que geram preconceito, nos questionaremos sobre a existência, ou não, de “ensinamentos” que poderão ser introjetados no leitor. É difícil tratar de deficiência sem passar alguma lição de moral, mesmo que esta esteja nas entrelinhas. No caso de “Ímpar”, concluímos que algo, com certeza, fica, mas sem ultrapassar as barreiras da fruição. Indubitavelmente, a timidez e os conflitos de Zóli, somados à descontração e alegria de Bibiana chamam mais a atenção do leitor do que o problema que eles têm. Dado que o assunto não é abordado, frequentemente, pelos livros, podemos acreditar que o conteúdo acrescentará ao intelecto do leitor como informação adicional, mas sem condicioná-lo a ler o que não procura.
Em “Ímpar” há uma boa adaptação em nível de forma. A narrativa acontece linearmente, o que facilita a leitura. No início, ficamos um pouco confusos com os tempos verbais usados e com a organização de algumas passagens do texto. Logo depois de lermos algumas páginas, verificamos que isso não passa de uma caracterização do personagem.
Zilberman (2003) diz que o leitor tem que se identificar com os personagens. Como tratamos anteriormente, a história é bem verdadeira ao olhar do jovem comum, normal. O interessante é que à perspectiva do portador de deficiência, os personagens também atendem a essa exigência. Zóli apresenta questões bem pertinentes ao universo dos deficientes. Como neste trecho, em que demonstra se incomodar com as pessoas que ficam questionando-o sobre a origem da sua deficiência: “Um cara até veio me dar oi, perguntar de onde eu tinha vindo, mas eu não dei muita conversa. Logo eles começam a perguntar o que aconteceu comigo, como foi, se doeu, essa coisa toda e eu odeio isso, [...]” (CUNHA, 2002, p. 21).
Porém, há outras não tão pertinentes, como no último capítulo em que Zóli resolve colocar um braço, e conta com muita empolgação como é a ponta de gancho. Na fase inicial da adolescência, os jovens são muito inseguros e têm vergonha de tudo. Se considerarmos isso, veremos que seria quase impossível convencer um menino a usar um braço com um gancho no lugar da mão e, muito menos, fazê-lo achar que isso é muito legal.
Entrando na questão do estilo, observamos que à voz do narrador está um menino de prováveis doze anos, o que explica a repetição e a informalidade das palavras. Isso nos autoriza dizer que a linguagem está de acordo com o leitor do livro, que não terá dificuldade em compreender o texto. O ponto fraco dessa linguagem é a falta de palavras diferentes que enriqueceriam o vocabulário de quem o lê.
Sobre o aspecto físico do livro, a primeira impressão que temos é sempre através da capa. No entanto, o leitor mais distraído, que não se apega aos pequenos detalhes, não perceberá, em um primeiro instante, que o menino pega o gibi apenas com uma das mãos, e que o Super-Homem estampado na capa do gibi tem apenas uma perna. Não podemos deixar de esclarecer que essa ilustração pode ser proposital, pois ao olhar da criança, que é mais minucioso aos detalhes, é provável que nada disso passe despercebido.
Contendo pouco mais de cem páginas, capítulos curtos e texto interrompido por pequenas imagens e páginas em branco, pode ser lido com facilidade por pré-adolescentes. As figuras que ilustram o interior do livro são poucas e se repetem a cada início de capítulo, dessa forma, se revelam de forma positiva, pois não causam interferências na interpretação do leitor.
Após fazermos uma análise sobre os aspectos que podem ser trabalhados no livro infanto-juvenil, com o intuito de aproximá-lo às características e perspectivas do leitor, devemos refletir sobre o seu uso. “Ímpar” pode ser lido tanto por uma criança que o encontra na prateleira da biblioteca, e se interessa pelo livro, seja pelo motivo que for; quanto por outra que vai para a escola e é obrigada a lê-lo porque a professora, com uma visão pedagógica, acredita que irá conscientizar o aluno de que não deve ter preconceito. A criança que ler por obrigação vai perceber que está sendo ensinada, e passará a acreditar que os livros só servem para isso, afastando-se deles. Concluímos, então, que por mais adaptação que se faça, e por mais perto que se chegue da realidade da criança, de nada adiantará, se a leitura for feita de forma incorreta, pois seus resultados serão influenciados de forma definitiva pela sua aplicação.


CUNHA, Marcelo Carneiro da. Ímpar. Porto Alegre: Projeto, 2002.

GOMES, Ana Maria Paula Marques. A importância da resiliência na (re)construção das famílias com filhos portadores de deficiência: O papel dos profissionais da educação/reabilitação. Repositório Institucional da ESEPF, 2006.
Disponível em: . Acesso em: 31 out. 2008.

SILVEIRA, Rosa Maria Hessel. Nas tramas da literatura infantil: olhares sobre personagens diferentes, UFSC, 2003. Disponível em: Acesso em: 31 out. 2008.

ZILBERMAN, Regina. A literatura Infantil na Escola. São Paulo: Global, 11ª ed., 2003.

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Autor: Daniel Toffoli




A obra literária Ímpar aborda um tema delicado e que está presente na vida de muitos adolescentes, a deficiência física. Alguns destes jovens fazem parte das pessoas chamadas no livro de “ímpares”, ou seja, que têm alguma deficiência, seja por terem nascido com ela ou tenham adquirido por causa de uma doença ou em um acidente de trânsito. A grande maioria, os ditos normais, os “pares”, convivem ou conviveram com algum colega, amigo, parente, que apresenta alguma limitação desta natureza, por isso, é uma situação que diz respeito a todos nós.

Zóli perdeu seu braço em um acidente, estava com sua mãe que dirigia o carro, quando, um motorista embriagado, passou o sinal vermelho e os acertou em cheio. A mãe de Zóli sentia muita culpa pelo acidente e o ocorrido com o filho, mas estava consciente que dirigiu com cuidado, entretanto a culpa não era dela, e sim, do motorista. O acidente poderia ter sido evitado se aquele motorista irresponsável, não tivesse bebido a relação entre álcool e direção não combina. Assim, desde pequenos, os leitores prestarão atenção nesse aspecto, não se bebe quando se dirige, talvez alertem seus pais. Pode parecer que, apenas um parágrafo em um livro, não vai fazer diferença, mas, é um ótimo começo para divulgar esta idéia, juntamente com as campanhas feitas sobre o tema junto à comunidade e nos meios de comunicação vão reforçar esta boa conduta de que: bebida e direção não têm a ver.

Depois do acidente, Zóli se viu aleijado, palavra de tom pejorativo, mencionada pelo protagonista, que suscita incapacidade, inutilidade, ter uma deformação física, mas na verdade, o indivíduo, em muitos dos casos, apenas tem limitações, é muito diferente ser deficiente físico que supera suas limitações e está incluso na sociedade de um “aleijado” que se vê um coitadinho. Em um momento, Zóli não sabia se queria um braço artificial, ficou sem, o braço biônico, que alia a tecnologia ligada à praticidade ainda está em fase inicial.

Há aqueles que não se deixam abater e superam as adversidades, igualam ou até superam muitos daqueles ditos normais, na capacidade em desempenhar determinada atividade, função, ou mesmo em produtividade. A narração trata da superação como meio de incluir no mesmo universo, os “normais” e deficientes, cada um adquirindo seu espaço devido a seus méritos. Retrata o esforço de um menino em quebrar barreiras, de ir além do seu limite.

Ser aceito pelos “pares” é a conseqüência da demonstração pessoal de que se pode chegar muito além do que se imagina e que se lamentar é o mesmo que dizer que os outros são melhores do que ele e que sua existência é vã. Fica claro no livro que alguns não aceitam sua diferença e que olham torto, riem, debocham, entretanto, a força da vontade de vencer, juntamente com o apoio da família, fazem dele um campeão.

É fácil entender que, depois de uma perda, os primeiros momentos sejam difíceis, a pessoa já não é mais a mesma, ela deverá se adaptar ao mundo, terá a partir de então, uma nova relação com as pessoas, com as tarefas rotineiras como, no caso de Zóli: vestir-se, jogar tênis (esporte que tanto gostava de praticar) e como se comportar diante das pessoas (a aceitação de sua deficiência e limitações). O episódio que demonstra essa condição foi quando conversou em uma festa com Lisa, garota dita normal, uma supergarota. Ao falar com a ela, Zóli estava um pouco de lado, virado do lado do braço bom, sentia vergonha de mostrar que era um pouco diferente e, quando ela o convidou para dançar, não sabia o que fazer, mas foi salvo pela mãe da menina que a chamou para irem embora. Ele era muito jovem para saber lidar com tantas situações novas impostas pela vida, assim, de repente, era um pouco “diferente”, mas não por muito tempo, estava em processo de auto-aceitação e aprendizagem dos seus limites, como qualquer pessoa.

Em diversas passagens, são descritas situações que enfrenta um portador de deficiência física que está se adaptando à nova realidade, a transposição de barreiras emocionais, como a coragem de lutar para exigir seus direitos quando foram ao cinema, buscaram acesso livre a atividades culturais, de lazer, já que não possuía rampa ou a porta adaptada e fizeram uma manifestação. Essa coragem de lutar, que aprendeu com seus amigos deficientes, foi a mesma que o fez acreditar em seu potencial e participar da equipe de tênis da escola. Foram estes amigos que fizeram dele uma pessoa com a auto-estima, sua família estava do

seu lado, mesmo depois da crise emocional que passaram depois do acidente. Os amigos que muito lhe ajudaram foram: Bibiana, Pê, Máqui, Tula.

Um tema secundário abordado em Ímpar é o primeiro beijo de José Luiz, mais conhecido como Zóli. Essa descoberta é comum para a faixa etária dos adolescentes ou pré-adolescentes. Enquanto seus amigos demonstravam que, apesar da deficiência, ficavam, inclusive com pessoas “pares”, ele ainda não tinha beijado; se apaixonou por uma menina que se chamava Lisa, ela era “par”, mas entendia a situação de Zóli, principalmente quando se destacou e se classificou no campeonato de tênis. Foi quando ela veio perguntar se ele iria com alguma garota na festa de comemoração. Lá chegando, eles ficaram sozinhos e quando ela já estava pronta para beijá-lo, ele sai rapidamente, notou que não gostaria de estar ali naquele momento e que a supergarota era a Bibiana, aquela “ímpar” que, chateada, acabou ficando em casa. Zóli pegou um táxi e foi para casa da Bibi, foi lá que deram o primeiro beijo.

A história é fascinante, é escrita em linguagem acessível ao público infanto-juvenil, com elementos conhecidos por estes, como: ICQ, programa que trabalha on-line em que dois ou mais usuários se comunicam em tempo real, trocam mensagens e arquivos; Mac Donald's, rede de lanches fast food muito frequentada por essa faixa etária ; Cinemark, rede de cinemas; escola; festa e ônibus adaptado( alguns avanços já foram alcançados para uma maior inclusão). Palavras e expressões coloquiais, da fala, como: “A gente não é uma galera?”; “doeu pra caramba”, “...mas nada de mico.”; “...ela ficou muuuito brava.” promovem a identificação do público leitor.

O livro é ilustrado, quem olha rapidamente pensa estar vendo o mesmo desenho no começo de cada capítulo, mas o ilustrador optou por alternar os personagens em cada um deles. O tamanho de letra é grande se comparado com livros técnicos, por exemplo.

A presença de diálogos no texto reproduzem a linguagem informal do adolescente e proporcionam um ritmo dinâmico à narrativa. As frases, em geral, são apresentadas na ordem direta: sujeito, verbo, complemento e oração principal e subordinada na ordem adequada. Segundo Schopenhauer (2005), as orações subordinadas interrompem a idéia original, dão um aspecto prolixo ao texto, se interrompe a frase para colocar uma outra no meio. Da maneira como o texto foi escrito, a fluidez é mantida e, conseqüentemente, o interesse do jovem leitor pelo enredo. O encadeamento linear das ações e idéias, as breves descrições e a ausência de reflexões profundas, faz deste, um texto adequado ao público infanto-juvenil.

O narrador da história é narrador-personagem e protagonista, conta uma história vivida por ele, com suas impressões, sensações e sentimentos à respeito dos acontecimentos. É um livro atual, aborda o tema do transplante de medula, da forma que o adolescente entenda. Relata das dificuldades da Bibiana, que tem um problema para andar, o osso da perna que encaixa na bacia dói quando ela anda, mas tem possibilidade de fazer uma cirurgia. Com esse exemplo, podemos entender um pouco como estas pessoas fazem, a partir de uma limitação, a superação diária, mesmo que tenham que suportar a dor.

O Humor está presente em alguns trechos, há uma brincadeira com a questão da deficiência, porém de uma forma sutil, visto que, o politicamente correto, é a ditadura do comportamento (dito na mídia), há momentos que todos precisamos descontrair.

Depois do acidente Zóli tinha parado de ler um livro que tinha um pirata da perna de pau, ele era “ímpar”, a história era meio de assustar, mas ele era bem legal. Começava cada vez a se aceitar mais, até ajudou em casa com as tarefas domésticas.

Ímpar é um livro singular ao tratar com tanta delicadeza e otimismo a questão da deficiência física, ele indica soluções, acalenta corações tempestuosos pelo desespero do que não se pode mais.

REFERÊNCIAS


D'ONÓFRIO, Salvatore. Teoria do Texto 1. 2. ed. São Paulo:Ática, 2006.

SCHOPENHAUER, Arthur. A arte de escrever. Porto Alegre: L&PM, 2005.

TECNOLOGIA. Disponível em:
Acesso em: 13/11/2008.