quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Ana Z. e a fantástica descoberta da adolescência, por Claudia Eiffel

Estudar Ana Z. aonde vai você?, obra de Marina Colasanti, não é uma tarefa fácil se ao lermos a obra não voltarmos no tempo, através de nossas memórias, e visitarmos os sentimentos infantis e de transição entre infância e adolescência, pois a obra trata do rito de passagem entre essas duas fases. Então, se fizermos uma leitura linear e usarmos nossa percepção adulta somente, corremos o risco de deixar de perceber detalhes muito importantes que fazem da obra um referencial.
Para ler as obras dessa autora é indispensável o conhecimento prévio de simbolismos, já que as obras são ricas em elementos simbólicos significativos que exigem tal conhecimento.
Falando na autora, vamos às apresentações: Marina Colasanti, nasceu em 1937, em Asmara, na África, mas morou 11 anos na Itália, logo após veio para o Brasil, onde vive até agora. Trabalhou em jornalismo durante 29 anos e em publicidade durante 6 anos. A literatura, na vida de Marina, aconteceu concomitantemente. Ela brinca, dizendo em uma entrevista, que esses empregos foram seu ‘mestrado e doutorado no manuseio do texto’. Seu primeiro livro foi publicado em 1968 (Eu sozinha), e já conta com mais de 30 títulos (entre contos, crônicas, ensaios, poesia e livros infantis).
A obra que analisaremos foi publicada originalmente em 1993, pela Editora Ática, e em 1994 rendeu à autora o Prêmio Jabuti Infantil ou Juvenil.
A obra inicia com Ana Z., uma curiosa e corajosa menina, debruçada à beira de um poço para ver se existia água lá, acidentalmente ela deixa cair seu estimado colar de contas brancas. Ana então decide ir buscá-lo descendo as escadas, até o fundo do poço. Chegando lá encontra uma velha senhora tricotando um fio de água para os peixes que moravam lá, mas pela falta de água, tinham ido embora à procura de água. Ela encontra as contas brancas do colar, exceto uma: a maior e mais bonita, a senhora sugere que um dos peixes poderia ter engolido, diante disso Ana sai em busca da conta. A seguir ela encontra um mineiro que extraía ouro para fazer as escamas douradas dos peixes. Mais adiante, após encontrar dois consertadores de tumbas egípcias, ela encontra uma porta que dá para o deserto. Sua busca é sempre tentando encontrar os peixes para a fim de encontrar a conta do colar que falta. O próximo encontro é com um pastor e três cabras, com esse ela não consegue estabelecer diálogo. Numa das viagens pelo deserto, encontra um sultão e vai morar numa torre, onde ela conta histórias que ela mesma inventa. É importante esclarecer que essas histórias dela são uma mistura de elementos de várias histórias clássicas infantis. Pessoas e situações estranhas fazem o leitor viajar junto com ela numa caravana liderada por um cameleiro azul e uma cidade fantástica no meio do deserto, onde só tem areia, porém em frente a todas as casas tem barcos. Toda essa aventura é vivida em meio a um período de transição entre a infância e adolescência. Ana retorna de onde partiu e aí podemos ver que o tempo passou e ela cresceu, devido à dificuldade que ela tem de passar pelo buraco no chão da sala da tumba.
É bem possível que ao ler, já no início da leitura da obra, façamos associações à outra obra muito conhecida da literatura infantil: Alice no país das maravilhas, de Lewis Carroll, isso se dá pelo gênero literário em que ambas estão inseridas: o fantástico. Resumidamente poderíamos conceituá-lo como aquele que brinca com as pontes entre o real e o irreal, mas para não sermos tão simplistas, optamos pelo conceito de Jacqueline Held, que diz assim:
(...) pertencerá à literatura fantástica toda a obra na qual temática, situação, atmosfera, mesmo linguagem, ou tudo isso junto, nos introduzirão num outro mundo que não ou da percepção comum, diferente, estrangeiro, estranho, que nos permite voltar, pouco a pouco, ao longo da reflexão, a esses diferentes componentes. (HELD, 1980, p.30).

A semelhança entre as obras vai além do gênero, as duas obras têm como personagem principal uma menina e ambas iniciam a história partindo para um mundo diferente e encontrando situações ou pessoas incomuns ao mundo real, a autora Marina Colassanti discorda dessa semelhança e nos convida a examinarmos mais a fundo as obras, segundo ela:

(...)há diferenças fundamentais de conceito e momento social. Alice cai na toca. Ana não cai, ela escolhe descer, ir ao fundo. Alice é levada pelos acontecimentos. Ana realiza uma busca voluntária, vai atrás do seu desejo. Alice acorda, tudo foi um sonho. Ana não precisa acordar, porque não sonhou. Ana renasce ao término da viagem, passa, como em um parto simbólico, da infância à adolescência. Ana cresceu na viagem: (COLASSANTI, 2003).

É importante salientar que é comum nosso cérebro fazer associações com o que já conhecemos. Como afirma Dias:

O primordial de uma leitura é ser significativa para quem lê, por conseguinte este irá associar a outros textos já lidos, estabelecendo assim a intertextualidade. Uma relação de diálogo é instaurada, aberta e livre, pois no tocante à leitura do textos simbólicos solicitará do leitor uma inferência, uma participação ativa na construção dos significados (DIAS, 2001, p.24)

A autora discorda quanto às semelhanças, mas admite ter sido influenciada pelas muitas leituras que foram feitas na infância, e ela atribui grande importância ao processo criativo que toma corpo através de textos bem trabalhados e que priorizam certas esferas do pensamento: “Estou atrás de outras coisas, da emoção, do trânsito livre num universo que os outros chamam de fantástico, das pontes que desse universo se estendem para o inconsciente” (COLASSANTI, 2002).
Atenta às questões feministas, Marina Colasanti afirma que o feminismo e o papel da mulher na sociedade são temas constantes nas suas obras. E a obra Ana Z. aonde vai você?, chega ser apontada pela Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, como forma de auxílio no desenvolvimento da educação das meninas em situações de risco devido à extrema pobreza e o contexto social em que estão inseridas. A obra funcionaria como uma espécie de viagem interior que, ao final, resultaria em mulheres donas do próprio destino, independentes, que fabricam sua própria liberdade. Percebemos que a obra pode auxiliar nesse processo de conscientização através da viagem da personagem, que pode simbolizar o processo de libertação, emancipação e auto-conhecimento da mulher. No entanto, é importante salientar que a obra tem a pretensão de atender a um público infanto-juvenil. E não exclusivamente a um gênero feminino.
A respeito da condição feminina, uma importante declaração da autora esclarece:
Recentemente, chegou em minhas mãos uma pesquisa francesa feita com crianças e pré-adolescentes onde se percebe claramente que os super-heróis, o jornal, os óculos, a pasta de trabalho e o carro continuam sendo símbolos masculinos, enquanto a figura da mulher ainda aparece ligada à maternidade e à função de dona de casa. E o incrível é que a maioria desses livros foi escrita por mulheres. Eu mesma tenho livros com essas características. Mas percebi isso a tempo de escrever algo como Ana Z, aonde vai você?, protagonizado por uma garota aventureira (COLASSANTI, 2002).

A literatura destinada ao público infantil é um acontecimento recente na história da humanidade, tendo surgido entre os séculos XVII e XVIII na Europa, num período em que a infância não se parecia em nada com a da modernidade. A idéia de proteção da criança era completamente diferente, as crianças na idade média, por exemplo, participavam de todos os eventos sociais (mortes, guerras, etc). Com a conquista do poder econômico pela burguesia, iniciou-se a organização da sociedade com noções de família e distribuições dos papeis familiares bem definidos. Para auxiliar as famílias na formação das crianças surge a escola que tem fundamental importância, e é nesse contexto que surge o livro infantil, como ferramenta de auxilio nessa tarefa. E é por causa deste comprometimento inicial da literatura, que até nossos dias sofremos as conseqüências de ter muita literatura infantil atendendo a fins pedagógicos, enquanto deveria divertir, ampliar horizontes. Segundo Salvatore D’Onofrio, na concepção horaciana:

(...) a arte não tem outra finalidade a não ser provocar o prazer estético. A literatura tem uma validade intrínseca e é autônoma em relação às outras atividades do saber humano e do viver social. Essa teoria, baseada no conceito de "arte pela arte", focaliza os elementos significantes e expressivos da obra literária. (D’ONOFRIO, 1995. p. 120)

No Brasil, o boom da literatura infantil se dá nas últimas três décadas, do século XX, período em que está inserida a obra que estamos analisando.
Vários elementos tornam essa narrativa interessante, um deles é, sem dúvida, o recurso literário usado pela autora na construção do narrador que alterna entre primeira e terceira pessoas dando à narrativa ora subjetividade, ora onisciência, causa no leitor um sentimento de cumplicidade com o narrador, causando uma impressão de afinidade e amizade entre os dois. A autora coloca-se no mesmo nível do leitor, o que faz com que se sinta convidado a participar da história.
Em um trecho, o narrador tenta adivinhar até mesmo os desejos da personagem:
Acompanhei Ana até aqui, entrei com ela na casa. Quando sentou-se no banco, temi que não houvesse banco nenhum e ela caísse no chão. Mas Ana deve ter desejado muito aquela casa, que a mulher também desejava, assim como a desejavam as andorinhas que abrigavam seus ninhos sob as telhas, e a roseira que lhe escalava a parede, tornando-a fresca e acolhedora. O fato é que Ana sentou-se. (...)
Tudo isso eu vi. Ainda esperei até mais tarde, até a hora de Ana ir deitar-se. Só quando tive certeza de que dormia, na cama estreita e limpa, deixei-a. E fui tratar da minha vida. (COLASSANTI, 1994, p. 32).


Observa-se que os símbolos estão presentes em toda a obra, apresentaremos alguns: Acreditamos que o poço seja uma espécie de túnel de passagem que Ana atravessa em busca de seus desejos. O fato dela descer ao fundo do poço para buscar as contas do colar, é interpretado de diversas formas pelos leitores; alguns acreditam que o início da adolescência é esse período em que descemos no fundo do poço dos nossos sentimentos, onde tudo é intenso, de forma que possamos construir nossa personalidade, alguns abandonando velhos conceitos impostos pela família, escola, religião, etc. e outros buscando novos. A escuridão que acompanha Ana nos primeiros capítulos do livro, traduzem bem esse sentimento de ansiedade e indefinições na busca de uma nova fase da vida. Grande parte da história se passa no deserto onde Ana procura os peixes, que, por sua vez, buscam água, a água simboliza a fonte de vida. O encontro com o pastor que não a compreende e por quem não é compreendida é a descrição dos conflitos que os adolescentes passam em relação ao diálogo. A última, e acreditamos mais significativa das imagens simbólicas da obra, é a passagem dela pelo buraco da sala que simboliza o parto, o nascimento dela para uma nova vida, a idade adulta. Um trecho relata de forma extraordinária a semelhança:

(...) a cabeça sai primeiro, que é o mais fácil. Mas os ombros entalam, são largos demais. Ana se espreme, se deita, tenta de toda maneira, enfia um braço pela abertura, para puxar-se com a mão já do lado de lá(...) Porém, aos poucos, como se a parede tivesse pena dela e cedesse passagem, Ana vai avançando rumo ao outro lado. Até que, livres os ombros e os braços, pode parar um instante para descansar, respirar com força e, numa última arrancada, passar pelo resto do corpo para dentro da mina (COLASSANTI, 1994, p. 78-79).

As muitas situações simbólicas vividas por Ana, que estão no livro, só têm sentido por estarem inseridas na viagem ao interior do poço, que pode ser traduzida como a viagem pelo interior de nós mesmos. Simbolizando a fase do amadurecimento da infância para a fase adulta.
É possível que cada leitor possa fazer uma interpretação diferente do texto, mas todos terminarão a leitura convencidos de que a viagem era necessária e inevitável para Ana e para cada um de nós.

REFERÊNCIAS
COLASSANTI, M. Ana Z. Aonde vai você?. 5. ed. São Paulo: Ática, 1994. (Série aberto)
D’ONOFRIO, Salvatore. Teoria do texto 1: Prolegômenos e teoria narrativa. São Paulo: Ática, 1995.
________ disponível em: http://rbep.inep.gov.br/index.php/RBEP/article/viewFile/351/355. acesso em 30.11.2007
________ disponível em: http://www.record.com.br/entrevista.asp?entrevista=56 acesso em 30.11.2007

________ disponível em: http://www.ricardoazevedo.com.br/Artigo05.htm, acesso em 30.11.2007.

HELD, J. O imaginário do poder. As crianças e a literatura fantástica. São Paulo: Summus, 1980.

Camilo Castelo Branco: " A arte imita a vida ou a vida imita a arte?", por Karine Reis Benites

Este ensaio tem como enfoque analisar a obra “Amor de Perdição” relacionando-a à vida do autor Camilo Castelo Branco. Pertencente à segunda fase do Romantismo Português, chamada Ultra - Romantismo (caracterizada pelo exagero), o autor escreve em suas narrativas o reflexo de sua vida: a instabilidade, a morte, os raptos e os conflitos entre a paixão e a razão são constantes e intensas.
Órfão de pai e mãe aos dez anos foi criado junto com sua irmã por sua tia paterna Rita Emília, onde ouvia as histórias de sua família, muitas delas expostas no livro.
A relação da sua vida com a obra já começa no início da mesma onde ele diz tratar da reconstituição da “triste historia de meu tio paterno Simão Botelho”, onde descreve a trajetória desde o seu avô paterno Domingos Botelho, o Dr. Brocas, e sua mulher Rita Preciosa, o nascimento de seus cinco filhos Manuel, Simão, Maria, Ana e a caçula Rita (sua tia paterna), até o encontro de Simão e Tereza, personagem inventada por Camilo.
Os personagens da obra são idealizados, o Simão da obra, considerado um herói romântico, tem as mesmas características do autor: era desajustado, inconseqüente e violento e se converte aos bons modos por amor. Apaixonou-se aos dezesseis anos e tinha ideais revolucionários, tentou raptar Tereza quando mataram seu rival Baltazar Coutinho, e se entregou á polícia mostrando sua coragem e caráter. Camilo casou-se pela primeira vez com dezesseis anos com uma aldeã humilde, após, abandona-a e rapta uma mulher casada. Ao fugirem, chegam a ser presos, mas o caso não teve continuidade. Teve uma vida boêmia e muito agitada por escândalos, mas larga tudo por amor à Ana Plácido, sendo fiel a ela. Como Ana era casada, abandonou o marido para ficar com Camilo e foram presos por crime de adultério. Seu companheiro consegue fugir, mas se entrega à polícia ficando ambos presos por um ano e quinze dias nas Cadeias da Relação em Porto, onde ele escreveu o livro.
Tereza de Albuquerque não existiu na vida real, mas encontramos nela muitas características de mulheres que Camilo conviveu: Considerada uma heroína romântica, a aparentemente frágil Tereza da obra tem um forte caráter e contraria seu pai em nome do seu amor; rompe com os desígnios da sociedade e de sua família em defesa de seus sentimentos, lutando para não se casar com seu primo Baltazar, que é a vontade de seu pai, e, por conseqüência, vai para o convento e morre quase cadavérica. A história de Tereza tem muito a ver com a de Ana Plácido, que teve que casar contra sua vontade, pois estava prometida por seu pai a um capitalista do Porto, mas com sua personalidade forte acaba abandonando-o, vai viver com Camilo e acaba sendo presa. Já o final de Teresa apresenta uma característica física de sua tia Rita, pois no livro “Introdução e Comentários”, de José de Nicola, Camilo comenta que sua tia era “decrépita e cadavérica”.
A vida de Tereza no convento é muito criticada pelo autor e é mais um elemento que teve relação com sua vida pessoal: Na obra, o convento era mostrado como um antro de hipocrisia, falsidade e erotismo (mostrado pelo interesse de um padre em Mariana quando ela vai á procura de notícias de Teresa no convento).A personagem Dionísia Imaculada Conceição apresenta um nome significativo e, como Dionísio, bebia vinho, o que é uma postura incomum para uma freira. Na vida real, Camilo vive uma intensa crise existencial e se matricula no seminário do Porto disposto a ser padre, mas acaba se envolvendo com uma freira de cinqüenta anos, Isabel Cândida, e em seguida desiste do seminário.
A personagem Mariana representa o amor sem medidas, abnega de seus sentimentos a favor da felicidade de Simão e ajuda-o na sua relação com Tereza, serve-o desinteressadamente e é quem mais sofre na história. Por ser de uma classe inferior, Camilo usa esta personagem para retratar também dois pontos discutíveis da sociedade: a força e a liberdade da mulher simples em relação à submissão da mulher de família nobre perante a figura paterna.
Ela possui características físicas de sua primeira esposa, uma camponesa simples que morava numa aldeia, como também pode estar fazendo referência à sua mãe Jacinta Rosa do Espírito Santo, que era criada de seu pai, sendo assim, da classe popular.
João da Cruz, pai de Mariana é, na obra, o único personagem com traços realistas; provido de linguagem popular, é ferreiro e dedica grande amor e admiração à filha, é sensato e representa na obra a visão do autor sobre a vida rural de Portugal.
Tadeu de Albuquerque, pai de Tereza, é autoritário e inflexível, interessado em casá-la com Baltazar Coutinho para impedir que sua filha se relacione com sua família inimiga (por questões sociais). Na vida real, assemelha-se ao pai de Ana Plácido, que casou a filha por interesse com Manuel Pinheiro Alves.
Domingos Botelho, pai de Simão, por orgulho, é contra o relacionamento do filho com a família de seu rival, é rigorosamente preso aos padrões sociais, capaz de abandonar o filho á própria sorte para não usar seu poder de corregedor. Aparece idealizado na obra.
Baltazar Coutinho é o primo de Tereza e tem interesse no dote dela. Na vida real, tem uma característica do povo burguês, que é o de tratar o casamento como um negócio, por puro interesse financeiro.
Manuel Botelho é o irmão de Simão com o qual tinham uma relação conflituosa. Na trama, vai viver com uma mulher casada, o que será reconhecido como escândalo naquela época, que será abafado pelo pai que os separam. Manuel é pai do autor na vida real, e as relações amorosas do escritor são também, na sua maioria, com mulheres casadas.
O espaço externo da trama localiza-se entre Viseu e Porto, lugares onde o escritor viveu e que foi palco de escândalos, pois foi em Porto que Camilo foi preso com sua amada, Ana Plácido.Quanto ao espaço interno, tanto em Viseu como em Porto, os protagonistas do romance dificilmente estão em liberdade. Simão, por ter que se manter escondido na casa de João da Cruz sem o apoio da família; e Tereza, porque o pai a mantém presa dentro de casa e depois no convento. No Porto, ele (assim como Camilo quando escreveu o livro) está na prisão e Tereza em Monchique.
È uma grande coincidência Camilo estar preso no mesmo lugar em que, anos antes, foi preso seu tio, mesmo que seja por motivos diferentes (seu tio foi preso por uma briga de rua) não acham?
A morte também é uma característica que tem uma forte relação com a vida de Camilo.Na história os três apaixonados se matam por amor: começando por Tereza, que morreu vendo seu amado partir para o Regredo; ao saber da morte de sua amada, Simão adoece e morre no décimo dia de sua viagem. Quando seu corpo é jogado no mar, Mariana, que perdera também seu pai e estava completamente sozinha, joga-se ao mar morrendo abraçada no seu amado. Na história, de vida de Camilo a morte lhe acompanha desde cedo com a perda de seus pais (sua mãe com dois anos e seu pai com dez), e ao ser criado com sua tia ouvindo histórias sobre seu avô assassinado e seu tio morto no Degredo. Já no final de sua vida, os problemas familiares como também os de saúde (Camilo fica cego por causa da sífilis) juntamente com os financeiros tornaram seus últimos anos num martírio: Jorge, seu primeiro filho, tem problemas mentais e Nuno, seu segundo filho, se envolve em vários escândalos entre eles o de raptar uma moça com a ajuda de seu pai (seria mais uma coincidência com a obra?). Dentre tantas conturbações Camilo dá fim á própria vida em primeiro de junho de 1890.
Diante dessa análise pergunto: “Será que a vida imita a arte, ou a arte imita a vida?”.



Referências


BRANCO, Camilo Castelo.Amor de Perdição.São Paulo: Ática, 1998.

NICOLA, José de.Introdução e Comentários.In: BRANCO, Camilo Castelo.Amor de Perdição.São Paulo: Scipione, 1994.

WWW.mundocultural.com.br/analise/amor_perdic.pdf 28/11/2007 ás 2h e 30min

HTTP://www.portrasdasletras.com.br/pdt12/sub.php?op=resumos/docs/amordeperdicao27/11/2007 ás 23h e 35min

"Reinações de Narizinho", eterno ícone da Literatura Infantil Brasileira, por Vera Regina Pinto Mendes

Monteiro Lobato escreveu mais da metade de seus livros para o público infantil, foi quem transformou o livro num elemento de diálogo entre a criança e o adulto,percebe-se assim a paixão que tinha pelas crianças.
Em Reinações de Narizinho sua mais importante obra no gênero infantil Monteiro Lobato faz uso de uma linguagem simples onde realidade e fantasias estão lado a lado com habilidade única de quem é excelência no assunto.
Assim vai tramando uma série infinita de cenas e aventuras em Reinações de Narizinho tendo como protagonista Lúcia,a menina do narizinho arrebitado ou Narizinho como todos dizem.
“Numa casinha branca, lá no Sitio do Pica-pau Amarelo, mora uma velha de mais de sessenta anos chama-se Dona Benta. Quem passa pela estrada e a vê na varanda, de cestinha de costura ao colo e óculos de ouro na ponta do nariz segue seu caminho pensando: -Que tristeza viver assim tão sozinha neste deserto” (pág 7).
Esse início da obra é um convite ao leitor que o narrador faz brilhante, que se por lá passássemos também pensaríamos dessa maneira.
Mas como ele mesmo fala, engana-se. “Dona Benta é a mais feliz das vovós porque vive em companhia da mais encantadora das netas” (pág 7).
Lucia, uma menina de sete anos, morena como jambo, gosta de pipoca e já sabe fazer bolinhos de polvilho bem gostosos.
O narrador nos apresenta a personagem Narizinho de uma forma envolvente, faz uso de palavras simples, comuns para a época que foi escrita, e assim, aos poucos vamos entrando na história.
“Na casa ainda existem duas pessoas Tia Nastácia e Emília, uma boneca de pano bastante desajeitada de corpo, mas mesmo assim Narizinho gosta muito dela” (pág 7).
Percebemos que o narrador se refere à boneca como pessoa, é essa linguagem encantadora que os personagens vão sendo criados de uma forma real e fantasiosa ao mesmo tempo.
“Além da boneca, o outro encanto da menina é o ribeirão que passa pelos fundos do pomar. Suas águas, muito apressadinhas e mexeriqueiras, correm por entre pedras negras de limo, que Lúcia chama as tias Nastácia do rio” (pág 7).
A natureza está muito presente na obra, mais uma característica de Monteiro Lobato, que foi pioneiro na luta pela preservação de nossas florestas, de nossos índios e de nossos bichos.
Voltando á Reinações de Narizinho:
“Lúcia sentiu os olhos pesados de sono, deitou-se na grama com a boneca e ficou seguindo as nuvens que passavam pelo céu, formando ora castelos ora camelos. E já ia dormindo, embalada pelo mexerico das águas, quando sentiu cócegas no rosto. Arregalou os olhos; um peixinho vestido de gente estava de pé na ponta do seu nariz”.(pág 8)
Nesta passagem da obra percebemos que o narrador faz uso dos pequenos detalhes, a delicadeza, o mundo fantástico do qual a criança faz parte, e percebemos a semelhança com personagens de outras obras, como o que ocorre com a personagem Alice no País Das Maravilhas, de Lewis Carrol, que entediada, mergulha num mundo de fantasias e vive mil aventuras.
A partir de agora começamos a entrar neste mundo e vamos conhecer os outros bichos falantes, a começar pelo Mestre Cascudo, Príncipe Escamado Rei do Reino das Águas Claras, Doutor Caramujo que da a Emília uma pílula falante e a deixa falar até pelos cotovelos, Dona Baratinha com suas histórias já emboroladas, Dona Aranha a melhor costureira do reino, Rabicó um leitão muito guloso e Visconde de Sabugosa este feito pelo primo de Narizinho o Pedrinho que veio passar as férias no Sitio do Pica-pau Amarelo.
O realismo é impressionante, começamos a entrar na história e perceber que os personagens usam um linguajar que reflete os termos usados pelas crianças, o que facilita a identificação com esse público. Vamos falar de Emília, que após tomar a pílula falante falou por três horas sem tomar fôlego:
“Emília é de um gênio teimoso como ela só” (pág 21), assim o narrador nos apresenta a essa personagem e percebemos que a boneca não gosta de ser contrariada, fala errado ainda algumas palavras, afinal faz pouco tempo que começou a falar, é muito curiosa, gosta de ouvir histórias infantis no colo.
Fazendo um olhar histórico sobre a literatura Infantil, percebemos que o mundo da Literatura Infantil é mágico.
As palavras têm o poder de nos envolver e transportar para um lugar que não é só imaginário, mas também real.
Real porque se pode viver, imaginar, sentir, aprender, sonhar. Porém esse entendimento nem sempre foi assim, pois quando surgiu a Literatura Infantil e a escola, a ideologia que ambos possuíam era controlar os desenvolvimentos intelectuais da criança, manipulando suas idéias e sentimentos.
Monteiro Lobato foi pioneiro em dar voz à criança, é através da personagem Emília que identificamos as características pertinente desse público e o porquê de sua obra ser tão atual ainda hoje.
É através de seus personagens que se instaura um novo espaço e tempo, levando-se em consideração a época em que a mídia mais poderosa era o rádio, e não voltada ao público infantil, não existia televisão e eram poucas as opções de lazer.
Reinações de Narizinho mesmo sendo um livro com capítulos extensos, poucas ilustrações, continua sendo referência dessa nova idéia de Literatura Infantil, podemos dizer que é o eterno ícone da literatura infantil brasileira.
Cabe a nós, professores, sermos criativos e levar aos alunos a conhecer esse mundo imaginário que Monteiro Lobato ilustra em Reinações de Narizinho.



Bibliografia
Lobato Monteiro,Reinações de Narizinho
http://www.monteirolobato.tur.br/jbml.htm
acessado em 05/12/07.

O "mal-do-século" na vida e na obra "Amor de perdição", de Camilo Castelo Branco, por Vanderléia Costa

Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco nasceu em 16 de março de 1825, em Lisboa. Órfão de mãe aos dois anos e de pai aos dez, sua trajetória de vida foi marcada por tragédias e grandes repercussões. Pode-se dizer que foi escritor e personagem de suas obras, principalmente a mais famosa: Amor de Perdição, que foi publicada em 1862, da qual há registros de que ele a tenha escrito quando estava preso pelo crime de adultério praticado com Ana Plácido, sua última aventura amorosa que com quem permaneceu até o fim da vida. Este fato pode ser comprovado por uma passagem da narrativa, na qual o narrador onisciente e intruso (situação que ocorre com freqüência na narrativa) mete-se na história e conta a partir de si e de seu ponto de vista, assim como de sua situação:
“Esquecido, não. Muito há que reluz e voeja, alada como o ideal querubim dos santos, nesta minha quase escuridade, aquela ave do céu, como a pediu-me que lhe cubra de flores o rastilho de sangue que ela deixou na terra.”(pág. 93) Nessa passagem o narrador faz uma alusão à palavra “escuridade” para definir a situação em que ele se encontra ao escrever a história; e num diálogo com o leitor, traz de volta a trama à personagem Teresa, colocada em segundo plano em alguns capítulos, para evidenciar o personagem heróico Simão.
Ainda como comprovação de que ele escreveu enquanto estava preso, temos no prefácio da segunda edição: “Nas memórias do cárcere, referindo-me ao romance que novamente se imprime, escrevi estas linhas:” (pág. 13) Ou em: “ Escrevi o romance em 15 dias, os mais atormentados de minha vida.”(pág. 13) E na dedicatória ao ministro: “Na cadeia da Relação do Porto, aos 24 de setembro de 1861.”(pág.11)
A obra Amor de Perdição é baseada na história real do tio de Camilo Castelo Branco, Simão Antônio Botelho, história essa que era contada por sua tia Rita, com a qual o autor viveu depois de órfão. A sua tia também aparece na novela, como a personagem Rita Preciosa, mãe de Simão, a qual tem pouca influência na trama, pelo simples fato de ser mulher numa sociedade portuguesa totalmente machista, em pleno século XIX, onde as mulheres não tinham voz ativa e não conviviam socialmente, por mais respeito que representassem, tinham que se submeter aos mandos e desmandos do marido ou pai, ao passo que o próprio narrador dessa história carrega nessa opinião, como podemos verificar numa passagem da narrativa: “- Senhora, em coisas de pouca monta o seu domínio era tolerável; em questões de honra, o seu domínio acabou: deixe-me. – D.Rita quando tal ouviu, sentiu-se mulher, e retirou-se”.(pág. 83)
Camilo Castelo Branco além de retratar os costumes e a vida da sociedade daquela época em suas obras, faz parte da segunda geração do Romantismo português, também conhecida como ultra-romantismo, que é marcado pelo exagero, desequilíbrio e sentimentalismo. Portanto, é uma descrição com muito mais emoção, dando valor ao tédio, à melancolia, ao desespero, ao pessimismo e à fantasia.
Uma das características mais marcantes na obra que se encaixa nas definições do ultra-romantismo é o pessimismo, ou o “mal-do-século”, que pode ser definido como o refúgio, a solução para a frustração apresentada pela falta de escape mais significativo para o desfecho da obra.
A moda que surgiu com a obra “Os sofrimentos do jovem Werthe”, de Goethe, teve grande aceitação no grupo dos ultra-românticos em Portugal, era uma honra e um sonho morrer na adolescência ou início da idade adulta. Diz M. Moisés (1986):
“Em Portugal, a onda de suicídios cresceu tanto que os jornais tiveram de fazer, nos fins do século XIX, uma campanha de silêncio para impedir que aumentasse ainda mais o número de tresloucados”.
Na obra de Camilo, a personagem consideravelmente mais romântica da novela e que se enquadra perfeitamente nessa definição, é Mariana; com seu amor platônico e incondicional, ela chega ao fim da trama provocando seu suicídio. Lemos na obra:
“Dois homens ergueram o morto ao alto sobre a amurada. Deram-lhe o balanço para o arremessarem longe. E, antes que o baque do cadáver se fizesse ouvir na água, todos viram, e ninguém já pode segurar Mariana, que se atirara ao mar.”(pág. 135)
E ainda:
“Viram-na, um momento, bracejar, não para resistir à morte, mas para abraçar-se ao cadáver de Simão, que uma onda lhe atirou aos braços”.(pág. 135)
Baseado em todo esse amor e dedicação que Mariana dava a Simão, sem lhe pedir nada em troca, muitos devem se perguntar, por quê diante da impossibilidade de ficar com Teresa, o narrador não preferiu unir Simão à Mariana? Este seria um final muito realista para uma obra ultra-romântica, seria preciso que o narrador permitisse ao personagem enxergar além do seu “eu”. À fora isso, as características egocêntricas do romantismo também impediam a união de Mariana e Simão, assim como a diferença de classe social, uma moça humilde nunca poderia unir-se a um jovem rico. E, mais, o casal Teresa e Simão estava destinado a permanecer amando um ao outro até o fim.
O suicídio também está presente na obra de uma forma indireta, com a morte em câmera-lenta dos personagens principais, Simão e Teresa. Ambos deixam-se morrer, decepcionados com as suas situações e transtornados pela saudade e falta que sentem um do outro. À primeira vista, parece inverossímil que jovens possam morrer de morte natural, mas se formos levar em conta a época em que foi narrada a novela, no século XIX, supõe-se que a medicina ainda não era dotada de tantos benefícios à saúde. Desse modo, dois jovens que encontram como única alternativa heróica para suas vidas a morte, deixam-se levar pelas fraquezas e debilidades de seus corpos, definhando até o fim.
Assim como a arte imita a vida ou a vida imita a arte, o desfecho de Camilo Castelo Branco é uma cópia fiel de sua obra; aos 65 anos, debilitado pela doença e pelas perturbações e dificuldades da família, e após ficar cego, suicida-se com um tiro no ouvido.
Esse é o fim trágico de um dos escritores mais populares de Portugal, representante da geração ultra-romântica, que levou suas concepções até o fim da vida, afinal “um personagem ultra-romântico não pode morrer lentamente de velhice”.











REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRANCO, Camilo Castelo. Amor de Perdição. São Paulo: Ática, 1995.
MOISÉS, Massaud. A Literatura Portuguesa. São Paulo: Cultrix, 1986.
NICOLA, José de. Introdução e comentários. In: BRANCO, Camilo Castelo. Amor de Perdição. São Paulo: Scipione, 1994.

O universo ideológico da obra "A bolsa amarela", por Patrícia Paculski

Autora da obra “A Bolsa Amarela”, Lygia Bojunga Nunes, nasceu em Pelotas. Mudou-se, aos oito anos, para o Rio de Janeiro com sua família. Lá, a autora pretendia estudar medicina, porém dedicou-se para o teatro após ter conquistado o primeiro lugar em teses que Pascoal Carlos Magno realizava no teatro Duse em Santa Tereza. Trabalhou como atriz durante dois anos, depois, trabalhou em rádio e em seguida à televisão (escrevia textos, traduzia, adaptava e representava).
Em 1964, a autora mudou-se para um vale, no estado do Rio de Janeiro, pois queria viver mais “próxima” da natureza. Nesse local, o marido e ela fundaram uma pequena escola rural, os quais a mantiveram durante cinco anos. Em 1979, a autora muda-se com o marido para a Inglaterra, porém mantiveram sua residência no Rio de Janeiro.
A autora revela-se na literatura infanto-juvenil, ou seja, a sua literatura é destinada para o público pré-adolescente e adolescente. Ela é acolhida tanto pelo público leitor quanto pelos críticos, em sua estréia em 1972. A partir daí, a escritora foi consagrada uma das mais respeitadas autoras da literatura infanto-juvenil, tendo todos os seus títulos premiados ou recebido distinções de honra.
Em 1982, o IBBY (International Board on Books for Young People) concede-lhe o prêmio Hans Christian Andersen (um dos maiores prêmios da literatura infanto-juvenil), sendo a primeira escritora fora do eixo Europa-EUA a ganhar esse “nobel” da literatura infanto-juvenil. Outro prêmio que a autora ganhou pelo conjunto de obras é o ALMA (Astrid Lindgren Memorial Award), em 2004, que é o maior prêmio internacional jamais instituído na literatura para crianças e jovens.
A escritora cria um novo “modelo” na literatura infato-juvenil. Seus assuntos abordam problemas existentes nas relações humanas. Seus livros possuem muito do lúdico-crítica, discutem a realidade dos papéis sociais, procurando mostrar ao leitor que nossa vida não está pré-determinada.
A autora também publicou outras obras, tais como: Os colegas, Angélica, A Casa da Madrinha, A Corda Bamba, O Sofá Estampado, O Meu Amigo Pintor, Tchau, Nós Três e Feito à mão. Porém, nesse trabalho será analisada somente a obra “A Bolsa Amarela”.
A obra é um romance, que conta a história de Raquel, a filha caçula da casa. Seus irmãos tinham 10 anos de diferença, não lhe davam atenção porque achavam que criança nunca sabia de nada. Sendo assim, Raquel (que é uma menina inteligente, divertida e muito observadora) começa escrever para seus amigos imaginários porque se sente muito solitária e incompreendida. Ela tinha três vontades e queria escondê-las – a de querer ser gente grande, nascer menino e de se tornar uma escritora. Porém não achava lugar algum. Então, um dia ela “ganha” uma Bolsa amarela (ganha porque ninguém tinha gostado da bolsa). Ao abrir a bolsa, Raquel (a personagem e narradora da história) se encanta ao ver que na bolsa caberia todas as suas vontades. Sendo assim, guarda em cada bolso as suas vontades, inclusive um alfinete de fraldas e os nomes que ela gostava. Fazendo da bolsa um esconderijo para todas as suas vontades e invenções.
Porém, entre todas essas vontades que ela queria esconder, uma vontade estava ao seu alcance: de ser escritora, nem que fosse só para treinar. Escrevendo algumas cartas, enfim, fingindo que era escritora. A partir daí, começam as histórias engraçadas e comoventes da nossa personagem principal, para a qual se torna difícil separar o real com o imaginário.
Essa característica da mistura com o real e o imaginário faz com que a obra tenha uma linguagem metafórica, a qual se dá o valor de literatura lúdica.
Para Raquel, escrever e inventar seria como se fosse uma fuga dessa realidade incompreensível em que vivia. Sendo assim, ela reinventa um novo universo para uma melhor compreensão e relação com o mundo real, apresentando o perfeito equilibro entre a liberdade do imaginário e as restrições do real.

“...a imaginação, a fantasia (presente nos Mitos e na Literatura) é acima de tudo a atividade criativa na qual podemos encontrar as respostas para todas as perguntas que podem ser respondidas: ela constitui a origem de todas as possibilidades do viver.” (C.G. Jung. 1962 apud COELHO, Nelly Novaes. 2000 )

É nesse sentido que a literatura é um dos grandes meios de busca e conhecimento, pois além de ter como matéria-prima a palavra (aquilo que define o humano em relação ao animal) ela é o ato criador que transfigura a realidade da vida em arte.
Um aspecto muito marcante na obra é como a família da menina a vê perante suas invenções e, que sempre joga “um balde de água fria” em sua imaginação. Uma família em que a voz da menina não é ouvida e, ser for ouvida, certamente vem a repressão para ficar calada.
É interessante como a autora aborda temas que vão ao encontro do universo da criança com o mundo adulto. O livro oferece ao leitor uma visão clara dos comportamentos sociais e convida o leitor a uma caminhada que vai da fantasia até a realidade.
Um dos assuntos principais da narrativa é a autoridade dos adultos, sendo mostrada por uma visão infantil, com seus medos e angústias. Os questionamentos de Raquel sobre os comportamentos dos adultos em que todos agradam alguém em busca de algo que os interessem. Ou até mesmo a “valorização” do homem, a desigualdade que há entre os sexos, o qual tem muita ênfase na história por ser uma das vontades de Raquel (queria nascer homem porque o homem pode tudo).
Na obra, há muitos trechos que falam dessa desigualdade entre os sexos, porém destacaremos um trecho:

“- Porque eu acho muito melhor ser homem do que mulher. [...] Vocês podem um monte de coisa que a gente não pode. Olha: lá na escola, quando a gente tem que escolher um chefe pras brincadeiras, ele é sempre um garoto. Quem nem chefe de família: é sempre um homem também. Se eu quero jogar uma pelada, que é o tipo de jogo que eu mais gosto, todo mundo faz pouco de mim e diz que é coisa pra homem, se eu quero soltar pipa, dizem logo a mesma coisa. É só a gente bobear que fica burra: todo mundo ta sempre dizendo que vocês é que tem que meter as caras no estudo, que vocês é que vão ser o chefe de família, que vocês é que vão ter responsabilidade, que puxa vida! – vocês é que vão ter tudo. Até pra resolver casamento – Então eu não vejo? [...] Eu acho fogo ter nascido menina”. (p. 16-17)

Outro assunto que não podemos esquecer é que “A Bolsa Amarela” foi publicada em 1976 – época da ditadura. Na obra aparece uma crítica à sociedade. Mas por que fazer essa crítica logo em um livro infantil? Segundo a autora, os generais não liam livros para crianças. Essa discussão aparece com o galo Terrível – o galo de briga. Seus donos costuraram seu pensamento, deixando apenas espaço para o pensamento “Eu tenho que brigar”, conforme o trecho abaixo:

“Desde pequenininho que resolveram que ele ia ser galo de briga, sabe? [...] Você sabe como é esse pessoal, querem resolver tudo pra gente. E aí começaram a treinar o Terrível. Botaram na cabeça dele que ele tinha que ganhar de todo mundo. Sempre. Disseram até, não sei se é verdade, é capaz de ser invenção, que costuraram o resto do pensamento dele com uma linha bem forte. Pra não arrebentar. E pra ele só pensar: ‘eu tenho que ganhar de todo mundo’, e mais nada”. (p. 55-56)

Outro assunto abordado na obra é o combate dos preconceitos nos relacionamentos. Isso fica claro quando a Guarda-chuva quer ser a companheira do galo Afonso, sendo que eles não têm nada em comum.
Para a aceitação desse tipo de acontecimento, Marta Yumi Ando (2005) “afirma que o leitor deve efetivar um pacto de leitura, deixando de lado a descrença dos fatos”.
De acordo com Lígia Cademartori (2005), “o romance ‘A Bolsa Amarela’ permite a adesão ao mundo ficcional pela condução do enredo e pelo desfecho, permitindo a cartase do seu leitor, propiciando uma identificação, uma descarga emocional”.
Os espaços citados na obra, conforme Silva (2001), são chamados de espaços abertos (a praia, o mar) e fechados (a bolsa, o barco, a casa, a escola) e também espaços de fronteiras de entre os espaços abertos e fechados (portas e janelas). Esses espaços apresentam também espaços urbanos, naturais e sociais; e de outro, espaços simbólicos e fantásticos. Esses espaços não exercem a função de cenário, mas às vezes, comportam leituras simbólicas, relacionadas às situações que a personagem está vivendo.
Não há uma descrição detalhada dos espaços por onde os personagens passam, cabendo ao leitor imaginar os detalhes que a história não fornece. Não que isso possa ser visto como defeito, pelo contrário, isso faz com que a imaginação do leitor seja impulsionada a uma participação na história.
O tempo não segue uma linearidade na narrativa. Segundo Marta Yumi Ando (2005), “na narrativa em estudo, a omissão temporária de dados faz com que se amplie o poder sugestivo da obra, o que mobiliza, na consciência leitora, a imaginação de hipóteses para o preenchimento dos espaços vazios”.
Algo muito interessante é que, ao ver o desenho na capa, logo pensamos que a história vai tratar de falar de algum objeto (no caso, uma bolsa) ou que ele exerça o papel principal na história. É claro que a bolsa tem um papel importante, mas a personagem principal é a Raquel.
Por ser uma obra para um público infantil, em torno de 9 a 12 anos, acredito que o livro peque na extensão. Crianças nessa faixa etária buscam ler livros curtos, mas no momento em que o leitor tiver contato com a obra, certamente o prenderá até o fim.
A linguagem na obra é algo bem chamativo, havendo aglutinações em algumas palavras e termos típicos da oralidade do brasileiro (rompendo com as normas tradicionais da linguagem na literatura).
Para exemplificar, citamos um trecho da obra:

“Quando o pessoal me viu carregando aquele peso, eles disseram que eu tava maluca: eu não podia ir pro almoço levando uma bolsa enorme, ridícula, de gente grande, e não sei que mais. [...] Eu guardo aqui dentro umas coisas muito importantes. Umas coisas que eu ainda não tô podendo nem querendo mostrar pra ninguém”. (p. 68).

Podemos perceber nesse trecho a adaptação da linguagem para o universo infantil.
A estrutura da obra segue com capítulos curtos (não seguem uma seqüência cronológica). Essa estrutura é bem complexa, pois é composta por fragmentos confessionais (narrado em 1° pessoa) cartas, diálogos e romances escritos pela Raquel, ou seja, histórias na história, com inúmeros flash-backs e interrupções. Isso faz com que o leitor se prenda até ao fim do livro.

A particularidade mais geral e fundamental deste processo de comunicação é a desigualdade entre os comunicadores, estando de um lado o autor adulto e de outro o leitor infantil. Ela diz respeito à situação lingüística, cognitiva, status social. Para mencionar os pressupostos mais importantes da desigualdade. O emissor deve desejar conscientemente a demolição da distância preexistente, para avançar na direção do recebedor. Todos os meios empregados pelo autor para estabelecer uma comunicação com o leitor infantil podem ser resumidos sob a denominação de adaptação. (LYPP, Maria. p. 165 apud ZILBERMAN, Regina. 2000, p.19)

Nessa citação, Lypp nos fala da necessidade da adaptação na literatura infantil. Isso quer dizer que as adaptações são necessárias para que diminua o afastamento entre autor adulto e o leitor criança. Isso em uma obra vale para o assunto, a linguagem, a forma e as ilustrações.
A presença das ilustrações faz com que o livro seja atrativo, funcionando como um recurso visual ao leitor. Sendo assim, resulta em assimilação entre a história e a imagem. Na obra, as ilustrações de Marie Louise Nery são em preto e branco, mas ricas em detalhes.
Acredito que ainda ficou uma dúvida no “ar”: Por que o nome “A Bolsa amarela”? Segundo Raquel, amarelo é a cor mais bonita que existe. Não só a Raquel que acha isso, a autora também, por ser uma cor alegre e viva.
Como podemos ver, essa obra é riquíssima em detalhes. Cheia de imagens simbólicas, sendo possível uma outra interpretação conforme a perspectiva de cada leitor. Isso evidencia a concepção inovadora que a autora Lygia Bojunga Nunes tem em suas obras.







































REFERÊNCIAS


Ando, Marta Yumi. Os lugares vazios no sofá: leituras e releituras da obra lygiana. Disponível em: <http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/ActaSciHumanSocSci/article/ viewFile/195/143>. Acesso em: 4 dez 2007.



BOJUNGA, Lygia. A Bolsa Amarela. 34. ed. Rio de Janeiro: Casa Lygia Bojunga, 2007.


CARVALHO, Diógenes Buenos Aires de. Literatura Infanto-Juvenil, Leitura e ensino. Disponível em: <http://www.pucrs.br/edipucrs/pesquisa/ artigo5.html>. Acesso em: 4 dez 2007.


COELHO, Nelly Novaes. Dicionário crítico da literatura infantil e juvenil brasileira. 5. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2006.


GURGEL, Alexandro. O Objeto Mágico na Literatura Infantil. Disponível em: <http://www.natalpress.com/index.php?Fa=aut.inf_mat&MAT ID=9264&AUT_D=32>. Acesso em: 4 dez 2007.


SANDRONI, Laura. Universo ideológico de Lygia Bojunga Nunes. Disponível em: . Acesso em: 06 set 2007.


SOUZA, Helem. Lygia Bojunga Nunes: para "descosturar o pensamento". Disponível em: . Acesso em: 4 dez 2007.


ZILBERMAN, Regina; MAGALHAES, Ligia C. Literatura Infantil: autoritarismo e emancipação. São Paulo: Ática, 2000.


ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. São Paulo: Global, 1990.

A conquista da maturidade em "Ana Z., aonde vai você?", por Pâmela Andressa Bonilha Einsfeld

A Literatura infanto-juvenil surgiu no século XVIII, na Europa, quando a burguesia surgia como classe social dominante. Uma reconfiguração familiar foi concebida, onde se delimitou seus integrantes a fim de que o ofício paterno fosse transmitido aos filhos profissionalizando-os e garantindo a concentração de renda. A partir disso, o tratamento dado à criança, no seio de sua família e na escola, transformou-se. A infância que antes não possuía distinção da vida adulta, passa a ser valorizada e individualizada. As crianças passam a freqüentar as escolas que tornam-se responsáveis pela instrução mediando a sociedade e o indivíduo infantil. Surge então a utilização de livros com fins pedagógicos, ou seja, como forma de transmissão discreta de valores, quase subliminarmente.
No Brasil, apesar de Monteiro Lobato ser o precursor da literatura originalmente brasileira e escrita para crianças, a literatura infanto-juvenil ganhou evidência e preocupação de escritores e educadores, como Cecília Meireles, apenas nos anos 70, abrindo oportunidade para que o tema fosse discutido e estudado tal gênero.
Foi nessa época que a escritora Marina Colasanti lançou sua primeira obra, em 1968, Eu, sozinha, uma novela não infantil. Esta escritora não dedicou-se somente à literatura para crianças. Marina Colasanti tem uma imagem fortemente ligada ao feminismo, por isso utiliza-se, muitas vezes, em suas obras, de temas como a problemática da atuação feminina na sociedade. Na obra Ana Z. aonde vai você?, não é diferente, pois está mais dirigida ao público leitor feminino por ter como sua protagonista, uma menina aventureira e pré-adolescente em transição.
Nesta obra, a escritora inova pelo estilo peculiar de narrar as aventuras de Ana Z. Dá à obra uma forma muito inusitada, num tom muito convidativo, que chama o leitor para dentro do texto enquanto narra com realidade as sensações de Ana Z. em sua jornada de autoconhecimento. A obra é repleta de metáforas que mexem com os sentidos do leitor que se envolve cada vez mais, além disso, o revezamento entre narrativa em primeira e terceira pessoa transmitem a sensação ora de subjetividade ora de total onisciência do caso. Arriscaria em afirmar que esta voz do narrador pode ser a consciência, as vezes conversando, as vezes assistido à menina durante sua jornada, ou melhor, é o “juízo” de Ana Z., tendo em vista que quando a narradora se afasta da menina e, após, a reencontra, lá está Ana “metida” em alguma enrascada, por exemplo aprisionada na torre do sultão.
Ao início da obra, quando somos apresentados a Ana, o narrador não deixa nenhuma pista de quem é esta garota, nem o por quê ela está debruçada no poço, nem sua motivação para tal atitude. Percebe-se, apenas, dessa personagem algumas características bem infantis como a necessidade insaciável de ter respostas a tantas perguntas, a clássica fase dos “por quês”. Nota-se uma insatisfação à falta de respostas e daí é que começa a entrada de Ana no poço, ou seja, a busca da menina por sua própria verdade. Após a entrada de Ana no poço, somos apresentados a um mundo fantástico e muito simbólico, por onde o inconsciente paira livremente. Diante da perda de suas contas de marfim, que podem representar a inocência, Ana arrisca-se e decide partir em busca de seu desejo de obter um bem amado. Então adentra no poço que representa o início de sua longa caminhada de descoberta.
Inusitadamente, Ana encontra quase todas suas contas, mas falta uma, a maior delas, e passado o primeiro desafio de coragem (chegar ao fundo do poço) a garota segue seu segundo desafio, tentar encontrar os peixes que poderiam ter comido sua conta mais valiosa. Durante sua jornada, Ana percebe que as paredes e o teto do túnel ficam cada vez mais apertadas, dificultando cada vez mais sua passagem. Isso significa o momento que Ana passa a se dar conta de que está crescendo e amadurecendo em relação ao mundo.
Como em toda adolescência, há um período em que a comunicação entre jovens e adultos tornam-se inteligíveis. Isto está representado no trecho em que Ana Z. tenta de todas as formas comunicar-se com o pastor. Além disso, também há, principalmente, no mundo feminino um período em que a jovem deseja sentir-se uma rainha, um ser valioso para alguém, para um príncipe ou um rei. Pode-se observar isto quando a garota passa a viver no palácio do sultão.
Ao longo de sua viagem, Ana desfez-se de todas suas coisas materiais, desapegando-se de tudo o que não lhe faria mais falta. Esta atitude desprendida é mais uma das marcas do amadurecimento da jovem moça. A gana por encontrar a conta de seu colar foi desgastando-se paulatinamente, até que não desejou mais seguir sua busca. Após sua jornada, a garota retorna ao poço e subindo as escadas percebe, finalmente, seu amadurecimento, e o ciclo de sua vida se completa.
Toda sua jornada, a convivência com outros personagens e suas estranhezas, ou seja, o enfrentamento do mundo e seus habitantes, tão estranhos a uma criança ou um jovem, aos poucos vão lapidando um novo indivíduo, com novas posturas, se descobrindo e podendo retornar às suas origens e a si mesmo (refletir sobre si). Ana Z. representa um ciclo que ela mesma precisa completar. Seu próprio nome poderia sugerir o começo e o fim de uma jornada, ou seja, de A a Z.
Inegavelmente, o livro Ana Z. aonde vai você? possui um assunto interessante, mas não para crianças. É uma obra recomendável a pré-adolescentes entre 11 e 14 anos, que já estão passando por um processo de descoberta e questionamentos acerca da vida e do mundo. Além disso, como já mencionado anteriormente, a narrativa de Ana Z. se ajusta mais perfeitamente a padrões femininos, pois a personagem central é uma menina e discute mais questões femininas, como se encontrar posta na situação de uma princesa, Sherazade. Com isso, a escritora trai seu leitor, por incutir uma ideologia pessoal em uma obra infantil.
Marina Colasanti, além de escrever Ana Z. aonde vai você?, foi responsável pela ilustração de seu livro. Esta obra não é recomendável para crianças, mas para pré-adolescentes. O meio visual da obra não é muito atrativo por retratar figuras em preto e branco, além disso a capa de tons pastéis transmitem apatia, sentimento não conciliável com a personalidade de um pré-adolescente. Embora isso, a obra possui um tamanho compatível com os jovens de hoje, pois tem uma narrativa fácil e convidativa além de ser um livro mais dinâmico, pois possui um número pequeno de páginas.

"Apenas mais uma história de leitura", por Pâmela Andressa Bonilha Einsfeld

A leitura possui um importante papel na formação de um indivíduo. Foi ao entrar na faculdade que descobri isso.
Ao receber a proposta de elaborar um memorial de leitura, confesso que fiquei bastante preocupada. Diferentemente dos meus colegas, que cursam Letras porque apreciam a leitura desde a infância ou adolescência, fui apresentada aos livros em função da faculdade. Enquanto cursava o terceiro ano do Ensino Médio pelas manhãs, às tardes freqüentava um cursinho pré-vestibular que me trouxe um importante conhecimento: o de que eu não conhecia nada. Era surpreendente chegar todos os dias na aula do cursinho e ter “matéria nova”, principalmente nas disciplinas de Matemática, Física e Química. Foi aí que entendi a “boa” educação que as escolas estaduais me proporcionaram e o quanto eu era imatura para participar de um processo de seleção tão seletivo quanto o da UFRGS.
Além das “matérias novas”, fui apresentada às “novas disciplinas”, como História e Literatura. Não que eu não as tivesse cursado na escola, mas não da forma como o cursinho apresentou. Fiquei apaixonada! As aulas de História retinham completamente minha atenção, quase esquecia de respirar. Com a Literatura não foi diferente. Eram tantas informações curiosas – e eu, particularmente, tenho fixação por captar informações – que me davam a impressão de estar conhecendo, naquele momento, o ser humano e o mundo, e de que forma estes funcionavam.
Como os cursinhos possuem um ritmo bastante acelerado, nas aulas de Literatura, estudávamos um livro por aula. Na realidade não líamos, o professor era encarregado de explicar, sucintamente, as características históricas da época em que a obra foi escrita e da obra propriamente dita. Então nos envolvia com as histórias e expunha fragmentos dos poemas, deixando a gurizada cheia de vontade de ler. Lembro-me de que a poesia ganhou grande significado na minha vida. Achava linda a forma como os professores recitavam aqueles versos; eu gostava de tentar desvendá-los. Passei a escutar músicas, digamos, com “outros ouvidos”. As palavras e seus significados passaram a ter valor maior que seus arranjos sonoros. Muito da MPB e dos grandes compositores conheci nas aulas de História e Literatura sobre o golpe militar e a Tropicália, respectivamente. Aliás, estas duas disciplinas juntas eram imbatíveis.
Naquela época, a UFRGS exigia em suas leituras obrigatórias obras como “Rosa do Povo”, de Carlos Drummond de Andrade, “O Continente”, de Érico Veríssimo, “Os Lusíadas”, de Camões, “Contos Gauchescos”, de Simões Lopes Neto e “Dom Casmurro” e alguns contos do Machado de Assis. Fiz questão de listar todas as obras exigidas no vestibular do ano de 2001, pois, para uma pessoa que, praticamente, nunca havia lido nada além de gibis e revistas acéfalas adolescentes, foi um desafio radical propor tais leituras. Cada uma delas possuía uma dificuldade a ser vencida: o texto metafórico de Drummond me fazia lembrar o mandarim, o volume de leitura que o texto do Veríssimo exigia era quase invencível e a estrutura do texto de Camões era complicada. Embora os termos gauchescos de Blau Nunes me fizessem sentir uma índia amazonense de férias no Alegrete, ainda assim consegui ler. O que me salvou, se é que posso dizer isto, foram as obras do Machado de Assis, que eram leituras mais agradáveis e menos extensas que as demais.
Juntamente com os outros dois vestibulares da UFRGS que fiz, vieram novas leituras obrigatórias. Não me recordo em que ano o vestibular passou a exigir “Os Ratos” do Dyonélio Machado, no entanto, recordo que detestei as dez primeiras páginas do livro e, por isso, não terminei de ler. Também não recordo por que o detestei.
Quando prestei meu primeiro vestibular me inscrevi para Arquitetura. Apesar de gostar de História, Português e Literatura, mesmo sem o hábito de ler, sempre simpatizei com a matemática e o desenho, acho que por motivos genéticos. Por não ter conseguido ser aprovada, no ano seguinte tentei ingressar no curso de Economia, e no seguinte, para Letras com ênfase em Língua Portuguesa. Como não sabia qual curso fazer, acabei optando por Letras por influência da família. Era inadmissível demorar mais um mês para ingressar na faculdade e meu curso técnico de Contabilidade já estava acabando. A Universidade Federal deixou de ser uma opção única. A partir daquele momento eu teria que trabalhar durante o dia para pagar minha faculdade à noite. A possibilidade de cursar Arquitetura foi completamente excluída da minha vida. Era necessário escolher um curso que trouxesse segurança financeira ou, pelo menos, certeza de emprego certo após a formatura – nos dias de hoje isso parece piada.
Quase enfartei minha pobre mãe quando afirmei que estava interessada em cursar Ciências Sociais na PUC. Este curso obedecia a quase todos os critérios estabelecidos pelos meus pais, menos o tal do emprego após a formatura. Então, meu leque de opções reduziu-se à Licenciatura, qualquer uma, desde que Licenciatura. Não tive dúvidas em afirmar que queria cursar História, mas minha mãe, novamente ela, com sua experiência de vida, disse-me que disciplinas com maior carga horária, como Português e Matemática, possibilitavam que os professores tivessem um número reduzido de turmas, ou seja, enquanto um professor de História possuía cinco turmas, um de Português ou de Matemática teria somente duas ou três, logo, menos provas e trabalhos para corrigir (sonho meu, e dela).
O que parecia impossível aconteceu: meu leque reduziu ainda mais. Meu pai decidiu meter a colher e sugeriu, como administrador de empresas, que eu cursasse Inglês. Achei uma loucura, pois não sabia articular nem a clássica “o livro está na mesa”, seria insanidade total entrar na faculdade nestas condições. Como meu complexo de Electra estava resolvidíssimo, optei por Letras Português, pois preferia a morte a ser professora de matemática como minha mãe. E finalmente entrei na faculdade.
Nunca vou esquecer da frase que minha professora de Teoria Literária, Profª. Vera Medeiros, lá na FAPA, disse no primeiro dia de aula. Na tentativa de situar a nova turma do curso de Letras ela afirmou: “Este é um curso bastante difícil e que exige dedicação e esclarecimento. Haverá muitos fins de semana em que vocês terão que passar o dia inteiro lendo. E será importante que vocês conscientizem seus familiares de que ficar sentado lendo o dia inteiro faz parte da profissão de vocês e não de uma atividade lúdica”. Pronto, essas foram as palavras mais assustadoras que eu havia ouvido na minha vida depois do “I see dead people”. Tudo o que eu precisava era escutar os meus pais me chamando de preguiçosa, vida fácil, irresponsável. Certamente isso aconteceria, pois meu pai odeia ler e minha mãe só gosta de livros que possuam números. Eu estava frita.
A minha família sempre reconheceu a importância da educação e da leitura. Meus pais doutrinaram a mim e a meu irmão a estudar e ler através de discursos emblemáticos de “quem não estuda morre de fome”, mas sem nenhum exemplo. Na prática, não tínhamos o modelo de pai ou mãe leitor, não havia nenhuma espécie de livros de literatura em casa, e, na escola, nenhum incentivo à leitura. Para não ser injusta, na segunda série do Ensino Fundamental, a escola trouxe a autora de um livro vendido às crianças intitulado “O Pau-Brasil”. Na realidade, aquela obra serviria para um estudante de Botânica ou Geografia. Era cheio de fotos do dito cujo Pau-Brasil e possuía um texto desinteressante que orientava seus leitores sobre onde encontrar Pau-Brasil, no Brasil.
A primeira obra que li para a faculdade foi “Frankenstein” da Mary Shelley. A mãe do meu namorado havia me emprestado. Morria de vergonha diante dela, pois ela foi professora de literatura durante vinte anos na UNISINOS. Li com bastante dificuldade, não que o livro fosse difícil, mas sofri cada palavra do capítulo treze da obra. Nessa altura, minha paciência gritava comigo. Eu não via a hora daquele monstro morrer ou matar, qualquer coisa que fizesse o livro acabar de uma vez.
Fui me acostumando dia após dia com a leitura. A carga de livros exigidos por disciplina na FAPA era muito grande, aproximadamente uns sete livros por cadeira além dos polígrafos exigidos em aula. Como eu queria cumprir o currículo certo da faculdade e me formar em quatro anos, fazia sete cadeiras por semestre. Logo no primeiro ano de faculdade ganhei uma miopia de um grau e aprendi a ler de pé, carregando mochila e sacola com uniforme e marmita dentro de ônibus cheio e em movimento. Antigamente, se abrisse um livro estando em movimento, ou vomitava ou dormia.
No primeiro ano li obras como “Dom Quixote”, “A hora da estrela”, “Cavaleiro inexistente”, “Odisséia”, “Édipo rei”, dentre outros, como um livro de crônicas do Afonso Romano de Sant’Anna, que na ocasião achei uma chatice, porque havia lido anteriormente e comparado com o “Pensar é transgredir”, da Lya Luft que achei muito legal.
Foi no segundo ano de faculdade que me identifiquei monstruosamente com o curso. Além das maravilhosas aulas de Latim, tive disciplinas como Literatura Ocidental e Literatura Latina. Li “Ilíada”, “Lisístrata”, “A arte de amar”, “Tróia, um romance na guerra”, “Trilogia de Orestes”, “Eneida”, “Tristão e Isolda”, “Saber envelhecer”, as comédias de Plauto e Terêncio, “O Avarento”, “A divina comédia”, alguns contos do “Decameron” e “Medeia”. Tenho uma fixação por tragédias gregas. Fiquei apaixonada por Fernando Pessoa, seu texto “poema em linha reta” é meu preferido. Fui apresentada à “Madame Bovary”, chatíssima, ao “Conde de Monte Cristo”, ao “O médico e o monstro”, à “Senhora”, à “Iracema”, à “Moreninha”, aos lindos versos do Pe. Antônio Vieira, aos “autos” de Gil Vicente, ao “Um quarto de légua em quadro”, à “As virtudes da Casa”, livro muito semelhante à tragédia grega que envolveu Clitemnestra e Electra. Este semestre tive a oportunidade ímpar de conhecer a literatura infanto-juvenil, muito rica e muito divertida. Afirmo que foi uma oportunidade única, pois para mim foi muito importante ter contato com uma realidade que não vivi na época certa, ou seja, minha infância. Pode parecer surpreendente, mas, à exceção do conto de fadas “O chapeuzinho vermelho” e “Cinderela”, eu não conhecia a história do “Pequeno Polegar” e do “O soldadinho de chumbo”, entre outros.
Na realidade o meu universo como leitora só se cristalizou a partir do ano de 2004 quando ingressei no curso de Letras.
Não foi uma tarefa fácil, mas a “ferro e fogo” procurei ler para cumprir as obrigações de uma aluna de Letras. Porém, à medida que lia e fazia cursos de extensão sobre literatura, como, por exemplo, “A Mitologia e a Literatura Ocidental”, cursada na FAPA, mais e mais me encantava pelos autores e suas obras. A partir das muitas leituras que realizei, percebi, com o passar do tempo, que me tornava outra pessoa. Era impossível permanecer a mesma Pâmela depois de, por exemplo, conhecer as teorias de Epicuro, ler todas as tragédias gregas que li, ou de ter feito uma pesquisa minuciosa sobre a peste negra para entender melhor o que se passava nos contos do Boccaccio, ou de me encantar com o mundo da cultura celta e simbólico de “Tristão e Isolda”.
Não só as leituras davam-me prazer pelo prazer, mas me levaram a pensar, a refletir sobre o universo em que estamos inseridos. Notei, então, o quanto um livro mexe com a gente e o quanto nos acrescenta.
Machado de Assis foi meu anfitrião. E eu não poderia ter iniciado com autor melhor. Sua “Cartomante”, o Sr. “Brás Cubas”, os olhos da Capitu, entre outros, me fizeram mergulhar na interioridade humana e conhecer melhor o homem: sua alma, suas mesquinhezas, seus medos, seus anseios, sua maldade, seus desejos. Encarar as tragédias gregas, após Machado, não foi tão difícil. Estas se eternizaram por representar o homem de todos os tempos diante de sua condição humana. Fiquei diante dos homens que construíram a história da humanidade. Homens que a partir de suas ações definem a sua trajetória de vida para a felicidade ou infelicidade; homens com grandeza de alma mas que, por seus erros ou por sua ignorância, pagaram alto preço, como, por exemplo, Agamenon, Medeia e Édipo. De repente, meu interesse pelas coisas do mundo e sobre os seres humanos ganhou um forte aliado: o livro de literatura.
Hoje, pensando essas leituras, vejo que andei bastante, embora o caminho do leitor seja bem maior. Nesses poucos anos no curso de Letras tive oportunidades e na medida do possível aproveitei-as: li, não tanto quanto devo, mas o suficiente para perceber que podemos seguir em frente lendo com qualidade.
Não cheguei a mencionar que fiquei bastante preocupada em optar pelo curso de Letras. É complicado ficar indiferente a esta escolha quando nunca, até então, se teve um contato mais direto com a leitura. Ser professora era uma idéia pavorosa. Das minhas brincadeiras da infância, brincar de “escolinha” era incogitável, eu preferia fingir que era bombeira, policial, ou alinhar minhas amiguinhas atrás de mim e pegar a escova de cabelos da minha mãe e cantar o “Ilariê” da Xuxa, como toda boa leonina, eu sempre era a Xuxa. Minha mãe chegou a comentar que minha vida tem se desenhado com uma história de superação. Meu guarda-roupas sempre foi uma bagunça, nunca gostei de ficar enclausurada no quarto arrumando-o nem tinha o menor interesse por ler. No entanto, meu primeiro emprego foi numa loja de roupas, meu segundo emprego foi de arquivista num escritório de advocacia e minha faculdade foi de Letras. Honestamente, todas estas experiências foram fundamentais para o meu desenvolvimento.
De volta ao meu nervosismo diante da minha, a princípio, incompatibilidade com a possibilidade de tornar-me professora de Português e Literatura, meu namorado percebeu minha resistência em aceitar a idéia e, como meus pais, também deu sua opinião. Disse-me ele que o curso de Letras me tornaria um ser mais completo, pois me traria a maturidade a partir da cultura que as leituras me dariam e do conhecimento mais aprofundado na língua portuguesa. Segundo ele, com os benefícios que a graduação em Letras traz, eu estaria preparada para cursar qualquer outro curso ou investir na carreira da educação, caso algumas destas opções eu achasse interessante seguir. É com felicidade que, após quatro anos, eu reconheço a importância de suas palavras, pois ele estava certo e me trouxe segurança que faltava para investir num curso maravilhoso que meus pais ajudaram a escolher. E é por isso que eu dedico este trabalho a esta pessoa tão importante.

"Ímpar", por Marcos Bonn Maciel

Após lermos e interpretarmos a obra “Ímpar”, de Marcelo Carneiro da Cunha, analisaremos e destacaremos aqui uma breve análise de seu conteúdo, procurando, ao máximo possível, considerar o que poderia ser uma visão infanto-juvenil. Também temos o propósito de não nos distanciarmos muito da questão que é o foco do livro, ou ao menos parece haver esta pretensão: diferenças.
O livro, publicado em novembro de 2002 pela ed. Projeto, traz, em sua síntese mais crua, a triste história de um menino que perdeu o braço em um acidente de carro. Promete, com esse acontecimento, tratar das diferenças, mas de uma visão mais ampla, ele trata daquilo que todos temos ou que já tivemos de igual: crises em nossa condição humana, principalmente na fase adolescente...

ÍMPAR

Acreditamos que haja, já no início, uma falha do autor na tentativa de tornar esta obra mais verossímil. Logo no primeiro capítulo, após o que tende a ser um diálogo, o narrador utiliza o verbo “ser” em um tempo passado, levando-nos a crer que o que era, já não é mais, “A minha turma era legal, era a turma mais legal do mundo”. Dessa forma acreditamos, inicialmente, que ele poderia estar falando de uma turma antiga da qual um dia fez parte, no entanto, na mesma linha, ele segue, “Sério, todo mundo acha. A minha turma é diferente”. Essa dúvida poderá permanecer até o final do livro, pois, mesmo com o autor utilizando artimanhas como a linguagem mais simples e com marcas da oralidade infanto-juvenis, nada impediria de ele ser um narrador já adulto, assim como em “O Ateneu”, por exemplo. Mas este é um detalhe que, para um leitor menos atento, só fará diferença na segunda ou terceira leitura. E isso ainda não será problema, pois havendo lido uma primeira vez, o final da obra encerrará com a dúvida inicial.
Ainda no primeiro capítulo, o narrador parece nos convidar a cair na realidade, fazendo uma leve crítica ao fictício ou, talvez, ao ilusório. Adivertindo-nos que ao lermos a obra não encontraremos gnomos nem pessoas felizes dizendo coisas bonitas o tempo todo, “nada dessa coisa de televisão”. Isso pode chocar um pouco de início e até nos fazer avaliar qual seria a idade adequada para esta leitura. Então, por um momento, nos apegaremos aos detalhes do livro material: não há muitas figuras além das mesmas que se repetem, revesadamente, no início de cada capítulo e a capa não parece ser muito promissora, mas não compreendemos nada de arte (desenhos, pinturas, etc), sigamos em frente; quanto à espessura, 134 páginas gerariam uma revolução nas quartas séries em que estudávamos, porém, nas quintas o tamanho da fonte – ou talvez seja o espaçamento – e a brevidade dos capítulos poderiam contrabalançar; já a partir das sextas séries não haveria muita escolha, seria este ou outro livro ainda maior.
O segundo capítulo parece começar ainda mais confuso do que o primeiro, o que nos evidencia a busca para retratar a oralidade de uma criança/adolescente. É nesse capítulo que o narrador/protagonista nos é apresentado como Zóli, apelido adquirido por ele próprio ao tentar dizer o seu nome: José Luiz. Zóli nos conta aqui sobre o seu acidente, a maneira como recorda e não recorda de alguns fatos, descreve as situações, as pessoas, os ocorridos, todos de maneira confusa, devido ao trauma e ao nervosismo do momento. É a partir daí que as coisas começam a ficar diferentes, que ele começa a ser visto e tratado pelas pessoas com quem sempre conviveu na cidade como uma pessoa diferente e ele passa a se sentir diferente. Devido a esse problema os pais decidem mudar de cidade, começar uma vida nova, e dessa forma ele inicia o que acontecerá em praticamente toda a obra: um processo de Integração.
Ele começa a freqüentar uma clínica de fisioterapia para treinar o corpo e capacitá-lo a suprir as necessidades deixadas pela falta de seu braço esquerdo. Zóli mostra-se constantemente isolado e sem desejo de contato com outras pessoas, fruto de seu pensamento focado unicamente na falta do braço. Zóli pensa que as pessoas estão sempre falando com ele para saber o que aconteceu. Outro fato importante é a inevitável mudança de seus pais, que antes se demonstravam felizes e apaixonados e que, agora, parecem sempre tristes e incompatíveis. Ele acredita que a mãe sente-se culpada pelo que aconteceu (uma possibilidade, que inferimos, é ela ter medo que o filho a culpe).
Zóli continua indo à clínica, mas sem demonstrar muito entusiasmo. É em uma das sessões que ele acaba conhecendo Bibiana, uma menina agitada, “metida” e, aparentemente, sem nenhum problema físico, que o chama pelo sobrenome: Rodriguez. Ela o convida para se enturmar, mas Zóli, como sempre, desde o acidente, prefere evitar qualquer contato. Os convites continuam nos lugares mais imprevisíveis, até mesmo na escola e em casa. É após uma discussão com ela que Zóli acaba percebendo uma diferença em Bibi ao caminhar, “Ela primeiro começou com uma perna, depois precisou ajudar com a mão, pra outra se mexer.” Tempos depois de outras discussões acerca de deficiências, Zóli decide aproximar-se para pedir desculpas e, dessa forma, acaba conhecendo a turma.
A turma era composta de seis integrantes:
a Tula (Luísa), que andava de cadeira de rodas;
o Máqui , que enxergava só um pouquinho;
a Dica, que ouvia bem pouco;
o Pê, que tinha um pé diferente do outro e precisava de muletas;
a Bibi, que havia nascido com um problema na bacia;
e o Zóli, que havia perdido um braço em um acidente de carro por culpa de um motorista alcoolizado.
Após conhecer o pessoal, ele é convidado para fazer uma ação. No livro, ação seria uma revolta pacífica por parte da turma ímpar. Na verdade o que eles fizeram foi ir ao cinema que não possuía acesso para cadeirantes e, desta forma, por haver fila devido à estréia de um filme que gerou repercussão da mídia, houveram protestos tanto por parte dos “ímpares” quanto por parte dos “pares” que inicialmente estavam contra eles, mas que depois aliaram-se.
Esse é um momento em que os considerados diferentes lutam por oportunidades e acessibilidades iguais, assim, não temos mais um caso de Integração e, sim, uma luta pela real Inclusão. Qual a diferença? Nas palavras de Alex Garcia, surdocego especialista em educação especial: “Na Integração o portador de surdocegueira tem de se adaptar ao sistema.”, enquanto “na Inclusão o sistema é que deve se adaptar ao Surdocego.”. Adapte-se aqui o problema de cada um sempre relevando quem tem prioridade e considerando o que cada um pode fazer em benefício do outro. Para tornarmos mais compreensível essa afirmação, utilizaremos um outro exemplo de Alex Garcia:
Uma pessoa alta pode ler sem problema uma placa que está a 1m80cm de altura. Se baixarmos a mesma placa a 1m, a pessoa alta basta se abaixar para ler. Para uma pessoa que tem 1m50cm é impossível instantaneamente crescer para ler a placa que está a 1m80cm de altura. O grande pode ficar pequeno instantaneamente. Para o pequeno ficar grande instantaneamente é impossível. Agora basta todos refletirem este exemplo(...) e suas necessidades específicas.(GARCIA, 2007)

Se a sociedade avaliar tal teoria, acreditamos que mais de 60%(não há qualquer base sólida para esse valor, apenas acreditamos) dos problemas das pessoas portadoras de alguma restrição física estariam resolvidos, já que o ambiente físico não representa o todo, mas uma parte. Outra parte que Alex Garcia releva é, que as pessoas precisam, antes de serem incluídas nas escolas, nos trabalhos e em outros órgãos sociais, serem incluídas na família, que constitui a base social e o princípio para uma Inclusão satisfatória.
A ação acaba dando certo e o grupo assiste ao filme.
Mas o livro não fala apenas das restrições físicas e, com isso, certamente ganha muitos pontos. Ele lida também com os medos e emoções, como o primeiro beijo, os(as) primeiros(as) ficantes, o medo de ser exposto ao público, o medo de ser esquecido, enfim, sentimentos que todos passam ou presenciam em alguma época da vida.
Em momento algum o narrador nos diz as idades dos personagens, mas se relevarmos o que acontece na sociedade atual, podemos classificá-los em uma faixa-etária entre os 10 e os 13 anos.
Os personagem ainda passam por outras aventuras que testam suas capacidades e suas emoções, atrações adolescentes vêm no embalo e, após confusões sentimentais, tudo se resolve com direito a planos futuros.
O final da obra é uma clássica novela, em que os mocinhos ficam juntos e descobrem o poder em si para transformarem o próprio mundo.

A obra nos faz refletir principalmente a questão pessoal de Zóli, que muitas vezes faz parte de nós. Esse medo absurdo do alheio, do diferente, esta falta de costume ao lidar com o diferente, e maior é o estranhamento quando nós somos o diferente. Afinal, não há pior preconceito que desgostar-se ou desacreditar-se de si. Podemos ter todas as partes visíveis a olho nu, mas muitas vezes nos falta um pouquinho mais de autoconfiança para enfrentarmos este mundo, que jura ser de todos e na prática não temos rampas para os cadeirantes, legendas em filmes nacionais, e tantos outros recursos que a nós (“perfeitos”) não servem de nada, mas que facilitariam a INCLUSÃO de seres tão, ou até mais, humanos do que nós. Somos a favor da total igualdade, mesmo que isso não passe de uma utopia.


REFERÊNCIAS

1. CUNHA, Marcelo Carneiro da. Ímpar. Porto Alegre: Editora Projeto, 2002.
2. GARCIA, Alex. Pesquisa sobre Inclusão. Disponível em <http://www.agapasm.com.br/artigo005.asp>. Acessado em: 6 dez 2007.

"Harry Potter e a pedra filosofal: qual é a chave do sucesso?", por Juliano Bernardini Barbosa

“Harry Potter e a Pedra Filosofal” é o primeiro livro da série Harry Potter. No livro, Harry fica sabendo que é, na verdade, um bruxo famoso por ter sobrevivido a um ataque de Lord Voldemort (os outros livros da série revelam que Harry sobreviveu porque o amor de sua mãe o protegeu, repelindo o feitiço do Lorde das Trevas). Harry escapa apenas com uma cicatriz em forma de raio em sua testa, marca que fará com que seja facilmente reconhecido no mundo dos bruxos. É relatado o primeiro ano de Harry Potter na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. Já nesse livro, o bruxinho se depara novamente com Lord Voldemort, e impede que o Lorde das Trevas se apodere da Pedra Filosofal.
A versão brasileira do livro fica por conta da editora Rocco, com tradução de Lia Wyler. Aqui, o livro foi lançado em Janeiro de 2000, e possui 263 páginas com 17 capítulos.
O que mais chama atenção de seus fãs não é o livro em si, pois este não é ilustrado. A ilustração dos livros destinados ao público infanto-juvenil é importante, pois permite que os jovens criem em suas imaginações todo um universo relacionado às obras a partir das figuras ilustrativas.
A capa do livro chama a atenção e desperta a curiosidade dos leitores. Ela traz informações que durante a leitura são esclarecidas.
No nome do bruxinho, a letra “P” (Potter) está em forma de raio, o mesmo formato da cicatriz na testa de Harry. Há ainda o unicórnio branco, cujo sangue mantém Lod Voldemort “vivo”. Podemos ver, ao fundo, o cachorro gigante de três cabeças chamado Fofo, que protege a câmara na qual se encontra a Pedra Filosofal. Harry Potter aparece montado em uma vassoura e, acima de sua mão esquerda, podemos ver o pomo-de-ouro, isso é uma alusão ao esporte dos bruxos, o quadribol. O castelo de Hogwarts aparece do lado direito e, do lado esquerdo, a floresta proibida. O leitor só identifica esses elementos da capa após a leitura do livro.
Como vimos, o livro não traz nenhuma ilustração em seu interior, mas a capa convida o leitor para que este descubra que elementos são aqueles que aparecem.
A estória é contada em forma de narrativa. A autora utiliza parágrafos disformes, alguns são mínimos, outros são demasiadamente extensos. A narração é feita em 3ª pessoa. O que mais prende a atenção do leitor, no que diz respeito à forma como é feita a narração, são as falas das personagens em discurso direto, que trazem grande emoção e envolvimento com a obra. Tomemos como exemplo o seguinte fragmento retirado do livro:

[...] Havia alguém lá - mas não era Snape. Tampouco Voldemort.
Era Quirrell.
– O senhor! – Exclamou Harry
Quirrell Sorriu. Seu rosto não tinha nenhum tique.
– Eu – disse calmamente – estive me perguntando se encontraria você aqui, Potter.
– Mas pensei... Snape...
– Severo? – Quirrell deu uma gargalhada e não era aquela gargalhadinha de sempre, era fria e cortante. – É, Severo faz o tipo, não faz? Tão útil tê-lo esvoaçando por aí como um morcegão. Perto dele, quem suspeitaria do c-c-coitado do ga-gaguinho do P-Prof. Quirrell?
Harry não conseguia assimilar. Isto não poderia ser verdade, não podia.
– Mas Snape tentou me matar!
– Não, não, não. Eu tentei matá-lo. Sua amiga Hermione Granger, por acaso, me empurrou quando estava correndo para tocar fogo no Snape naquela partida de quadribol. Ela interrompeu o meu contato visual com você. Mais uns segundos e eu o teria derrubado daquela vassoura. Teria conseguido isso antes, se Snape não ficasse murmurando um antifeitiço, tentando salvá-lo.
– Snape estava tentando me salvar?
– É claro – disse Quirrell calmamente. – Por que você acha que ele queria apitar o próximo jogo? Ele estava tentando garantir que eu não repetisse aquilo. O que na realidade é engraçado... ele nem precisava ter se dado ao trabalho. Eu não poderia fazer nada com Dumbledore assistindo. Todos os outros professores acharam que Snape estava tentando impedir Grifinória de ganhar, ele conseguiu realmente se tornar impopular... e que perda de tempo, se depois disso vou matá-lo esta noite. [...]
(ROWLING, J. K. 2000, pág. 246)

O fragmento acima abre o último capítulo do livro (capítulo XVII). É um diálogo entre Harry Potter e o professor Quirrell. Até o momento Harry e seus amigos acreditavam que o professor Snape era o culpado por todos os acontecimentos negativos que se passaram em Hogwarts. Como vimos, o professor Quirrell é o verdadeiro culpado. Para o leitor é o momento de maior envolvimento com o livro. Com certeza muitos leitores ficaram pasmos com a revelação feita por esse diálogo em discurso direto.
A autora utiliza personagens com uma faixa etária aproximada a do público alvo. As personagens utilizam expressões que são usadas pelos próprios leitores do livro. Um exemplo disso é Rony Weasley, que freqüentemente deixa escapar os seus “Putz!” e diz palavras ásperas quando se irrita. A maioria dos alunos de Hogwarts fala e age como adolescentes do mundo real, utilizando gírias e expressões do cotidiano dos leitores. Isso faz com que o leitor se identifique com o livro.
A linguagem utilizada no livro é simples, sem a presença de palavras difíceis ou “eruditas”. Isso faz com que a leitura seja leve e que os leitores consigam ler durante horas seguidas, literalmente, sem se cansar.
Entendemos que o assunto do qual o livro trata é o grande trunfo para que a série Harry Potter seja um sucesso de vendas. A história em si não possui nada de inovador. Rowling, já foi processada por plágio por alguns autores, mas na maioria dos casos nada foi comprovado.
Muitos críticos afirmam que Rowling utiliza inúmeros clichês para elaborar a estrutura da estória. Segundo Harold Bloom: (apud JACOBY, 2005) ”[...] Fui a uma livraria e comprei o primeiro volume da série, em edição de papel barato. Foi difícil chegar ao final, pois era uma sucessão de clichês mal escritos [...]”.
Harold Bloom é um dos maiores críticos de Harry Potter, e tem razão quando afirma que o livro é uma “sucessão de clichês”, pois a Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, em sua estrutura de ensino, é idêntica a uma escola normal. Os alunos estudam para obter boas notas e prosseguirem para o ano seguinte, com exames finais e tabela de notas. As aulas pouco se diferenciam umas das outras, a magia não é o foco principal, este fica por conta da perseguição a alguns alunos por parte dos professores (como Snape a Harry Potter). Há o grupo dos “mocinhos” e dos “bandidos”, com Malfoy, Grable e Goyle fazendo armações e trapaças para prejudicar Harry, Rony e Hemione. A casa de Sonserina é vista com maus olhos diante dos outros alunos, e somente os professores não percebem o “mau caratismo” dos alunos pertencentes a esta casa (principalmente Draco Malfoy). O universo da magia não é totalmente explorado, é visto apenas superficialmente, a magia é apenas um pano de fundo para as mesquinharias e maldades, ou bondades e virtudes que se escondem por trás dos personagens.
Por outro lado a estória se torna interessante pela forma como é apresentada. A Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts é uma instituição imponente e muito respeitada no universo bruxo. Foi criado um brasão da escola, com os símbolos das quatro casas, a autora recorre ao latim para definir o lema da escola. Nesse brasão, aparece o Leão de Grifinória, a Serpente de Sonserina, O Texugo de Lufa-Lufa, e a Águia de Corvinal. Abaixo, há o lema da escola em latim: “Draco Dormiens Nunquam Tittillandus”, que significa “nunca cutuque o dragão adormecido” ou “nunca faça cócegas no dragão adormecido”. O brasão aparece (em preto e branco) no início do livro, e desperta a curiosidade do leitor para decifrar a escritura (lema da escola) abaixo da figura.
Há todo um ambiente mágico na escola. Ela é protegida por inúmeros encantamentos: os trouxas (aquele que não é bruxo) não podem vê-la, aparelhos eletrônicos não funcionam nas dependências da escola, tampouco se pode aparatar (habilidade dos bruxos que conseguem viajar desaparecendo de um lugar e aparecendo em outro). Os quadros de “pinturas” no castelo da escola contêm figuras vivas, que, inclusive, fazem visitas para as figuras dos outros quadros. É uma escola muito respeitada, e mágica, apesar de seus alunos serem representados mais como humanos normais do que como seres pertencentes ao universo bruxo.
A Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts não é, porém, o elemento mais fascinante que está contido no assunto do qual o livro trata. O que é mais interessante é a forma como esse assunto é tratado. Durante todo o livro vários acontecimentos terríveis se passam na escola, tais como a entrada do trasgo no castelo da escola na noite do dia das bruxas, os unicórnios mortos na floresta proibida, o incidente no jogo de quadribol no qual Harry quase cai de sua Nimbus 2000 (modelo de vassoura dos bruxos). O professor Snape é apontado como o principal culpado desses incidentes. O leitor é levado a acreditar cegamente nessa culpa de Severo Snape, pois durante toda a narração são dadas pistas de que ele é realmente o autor das maldades: no episódio do jogo de quadribol, Hermione vê o professor mexendo os lábios (como se estivesse falando) e olhando fixamente para Harry, um sinal claro de que Snape estaria azarando a vassoura de Harry para que este sofresse um acidente. Snape é visto em sua sala com a perna sangrando, sinal claro de que tentara passar por Fofo para se apoderar da Pedra Filosofal. Harry também vê Snape na floresta proibida, junto com o professor Quirrell, que parecia estar desesperado, isso nos leva a crer que Snape estava matando os unicórnios. No entanto, como já revelamos anteriormente, o verdadeiro culpado de todos esses acontecimentos é o Professor Quirrel, Snape na verdade, estava tentando proteger Harry Potter e impedir que o professor Quirrell se apoderasse da Pedra Filosofal. Essa revelação é feita no último capítulo do livro, e mais uma situação inesperada acontece quando o professor Quirrell retira seu turbante: atrás de sua cabeça há um outro rosto, é o Lord Voldemort, que se apoderou do corpo de Quirrell para continuar sobrevivendo e comandando seu servo na busca pela Pedra Filosofal. O temido Lorde das Trevas estava mais perto do que qualquer um podia imaginar, o leitor fica estupefato quando se da conta disso.
Verdadeiramente são as peripécias que acontecem ao final do livro que fazem com que o leitor sinta vontade de dar prosseguimento à leitura, lendo os outros livros da série. Essa reviravolta no rumo da estória é a grande chave do sucesso do livro, pois o leitor é levado o tempo todo por um caminho, e nem sequer desconfia de que a história possa ter esse desfecho inesperado. Mesmo que a autora utilize clichês, principalmente na caracterização dos personagens, a curiosidade do leitor, que se sente totalmente envolvido pelo universo mágico, é despertada. O leitor fica envolvido com a estória, sente vontade de chegar logo ao final do livro para saber o desfecho dos acontecimentos, é isso que faz com que ele não consiga parar de ler.
O personagem de Harry Potter evolui conforme sua idade, amadurece nos outros livros da série, assim como o público alvo do livro. Os adolescentes se identificam com o bruxinho pela sua idade e por ele parecer um adolescente contemporâneo.
A série Harry Potter estimula muitos de seus fãs à escrita. É sucesso também nos sites de “fanfics” (fan fiction = ficção criada por fãs), nos quais os fãs têm a oportunidade de criar estórias paralelas que se passam durante o período de férias da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. São criadas situações diferentes para os personagens dos livros durante esse período que se da entre um livro e o próximo da série.
Harry Potter é um fenômeno de vendas porque prende a atenção do leitor, faz com que este se sinta envolvido pela estória. Durante o decorrer do livro, o leitor é levado por caminhos que são desfeitos ao final. Os verdadeiros culpados pelas maldades que acontecem durante a estória não são aqueles que, desde o primeiro momento, o leitor é levado a acreditar que sejam. O universo bruxo é explorado superficialmente por Rowling, mas o público alvo do livro não são os conhecedores dos conceitos de bruxaria, e sim crianças e adolescentes. Então, não é necessário que o livro tenha seu foco principal nesse universo místico, a magia serve como pano de fundo para o desenrolar dos acontecimentos e é um atrativo a mais para os jovens. Além de tudo, é uma leitura leve e divertida, seus leitores se identificam com os personagens e se imaginam ao lado de Harry Potter.

REFERÊNCIAS

JACOBY, Sissa (org); RETTENMAIER, Miguel (org). Além da Plataforma Nove e Meia: pensando o fenômeno Harry Potter. Passo Fundo: UPF, 2005.

DICIONÁRIO Essencial de Latim – Português e Português – Latim. Porto: Porto, 2001.

FERNANDES, Francisco; LUFT, Celso Pedro; GUIMARÃES, F. Marques. Dicionário Brasileiro Globo. 43ª ed. São Paulo: Globo.

ROWLING, Joanne Kathleen. Harry Potter e a Pedra Filosofal. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.

ROWLING, Joanne Kathleen. Harry Potter e a Câmara Secreta. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.

ROWLING, Joanne Kathleen. Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.

"Amor de Perdição", por Juliana Gemelli da Silva


“Amor de Perdição” foi escrito por Camilo Castelo Branco e publicado em 1862 e faz parte da escola literária chamada de ultra-romantismo de Portugal, ou seja, a segunda fase do romantismo nesse país. Os escritores dessa fase usavam a características do romantismo exageradamente. Podemos dizer que “Amor de perdição” é um Romeu e Julieta português, pois as histórias são semelhantes. Camilo Castelo Branco foi um escritor muito conhecido, mas tornou-se mais ainda com as novelas passionais que escreveu como essa. “Amor de Perdição” é uma das obras onde podemos nos questionar se a arte imita a vida, para entender porque essa questão encaixa-se aqui é necessário que conheçamos o enredo da história. Ela é dividida em introdução, mais vinte capítulos e conclusão.Na introdução o narrador já nos conta que o protagonista morre por amor. Nos próximos capítulos ele nos informa sobre a história da família de Simão. Inicia contando que Domingos Botelho, pai de Simão, era formado em Direito trabalhava em Lisboa e apaixona-se por D. Rita, que, pelo que pude entender, era uma dama de companhia da rainha e casa-se com ele por vontade da rainha e não por amá-lo. Após o casamento eles têm cinco filhos e um deles, é Simão. A partir daí a obra conta a estória do amor impossível entre Simão Botelho e Teresa de Albuquerque, pois suas famílias eram rivais. Quando o romance entre os dois é descoberto Simão é enviado para Lisboa e o pai de Teresa tenta casar ela com seu sobrinho.Teresa não aceita casar com o primo, o que foi uma atitude ousada para a época, já que ela vivia em uma sociedade patriarcal onde as mulheres não podiam aspirar nada, com isso, seu pai teve o orgulho insultado e após ameaçar muito, envia ela para um convento. Lá descobre que os conventos não são lugares puros como pensava, descobre que as freiras fazem maledicências, tem vícios, vida sexual e disputam pelo poder. Contudo, uma das freiras a ajuda a mandar cartas para Simão.
Simão retorna para Viseu para resgatar sua amada e hospeda-se na casa do ferrador. Lá é cuidado pela filha do homem, que se apaixona por ele. Mariana, mesmo apaixonada, ajuda Simão a mandar cartas para Teresa.
Quando Simão descobre que Teresa será destinada para outro convento, ele decide seqüestrá-la e acaba assassinando Baltasar. Simão é preso e Teresa vai para outro convento. Mariana continua cuidando de Simão na cadeia e quando ele é enviado para a Índia ela vai junto com ele. Teresa vê o barco de Simão ir embora e morre. Simão sabendo que ela morreu também falece. Quando seu corpo vai ser jogado no mar, Mariana agarra-se ao cadáver e morre também.
Após conhecer o enredo da obra, devemos conhecer a biografia de Camilo Castelo Branco para assim traçarmos paralelos entre as duas.
Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco nasceu no dia 16 de março de 1825, em Lisboa, na freguesia dos Mártires, em um prédio na Rua do Rosa. Era filho de Manuel Joaquim Botelho Castelo Branco e de Jacinta Rosa do Espírito Santo. O pai de Camilo nasceu em vila real de trás-os-montes, em 1778.Estudou em Coimbra com seu irmão Simão Botelho, esse seu irmão tinha um gênio difícil assim como o Simão da obra. Manuel foi para a Cavalaria, assim como o Manuel da obra. O pai de Camilo envolvia-se em fraudes e era preso, mas era solto, pois seu pai era muito influente.Alguns dizem que viveu com Jacinta e após a morte dela viveu com uma meretriz. Enfim, seus filhos tiveram muitas madrastas, pois ele viveu com muitas mulheres durante sua vida.Manuel morre no dia 22 de dezembro de 1835, alguns dizem que de cólera, outros que morreu de louco.Os motivos das mortes nessa época não podem ser levados muito em conta, acredito que o conhecimento que se tinha sobre o corpo humano era pouco e o senso-comum dominava a população, pois acho muito sinistro uma pessoa morrer de "congestão cerebral", motivo que a tia de Camilo disse ter sido a morte de seu pai.Camilo tinha 10 anos quando seu pai faleceu.Após a morte do pai Camilo e sua irmã Carolina Rita Botelho Castelo Branco mudam-se para a casa da tia, o ambiente familiar era totalmente desregular assim como eles já estavam acostumados, Camilo não teve laços afetivos muito fortes na família, e na infância caminhava ao redor da vizinhança e observava as pessoas.A tia com quem foram morar chamava-se Rita (Preciosa) da Veiga Castelo Branco, tinha poucas virtudes se pensarmos no comportamento que teve com os sobrinhos, era ambiciosa e sem escrúpulos, fez de tudo para ficar coma herança das crianças e cobrou quantias enormes para cuidar deles. Foi a tia Rita que contribuiu para o pensamento fatalista de Camilo, dizia a ele que ele não podia fugir do destino da família, que geralmente era uma tragédia.Quando tinha 16 anos conhece Joaquina Pereira de França e em 1841 casam-se, com ela teve uma filha chamada de Rosa, após o nascimento da criança Camilo abandona Joaquina e encaminha-se para Lisboa matriculando-se no curso de medicina. Depois em “Amor de Perdição” Camilo comenta que "o amor aos 15 anos é uma brincadeira; é a ultima manifestação do amor às bonecas". Com certeza escreve isso se inspirando no seu casamento precoce com Joaquina. Assim como seu pai, Camilo foi um homem de muitas mulheres, matriculado no curso de medicina preferia os bares a sala de aula o que causa sua reprovação no curso, na obra Simão também perde o ano por faltas. Mais ou menos nessa época nosso D.Juan conhece Patrícia Emília, apaixona-se e foge com ela para Coimbra em 1846, são então presos na Cadeia da Relação do Porto, pois Camilo ainda era casado com Joaquina, após saírem da prisão continuam a encontrar-se até que um dia Patrícia engravida e da a luz a filha deles chamada Bernardina Amélia, novamente após o nascimento de uma filha Camilo abandona a mulher e vive com uma freira que cuidou da filha que ele teve com Patrícia, acredita-se que as informações contidas nas obras de Camilo sobre conventos venham da relação que teve com essa freira, pois após separar-se dela continuam amigos.Segue com sua vida nos salões de festas e foi em uma destes salões que conhece o maior amor de sua vida, a mulher fatal, uma jovem de 19 anos chamada Ana Augusta Plácido, mas ela estava prometida pelo seu pai a um mercante rico e tem de se casar com ele. Ana nunca escondeu que amava Camilo, tanto dizia que seu marido achou melhor colocá-la em um convento por certo tempo, depois teve um filho com seu esposo, mas, muitas pessoas acreditam que o progenitor da criança foi Camilo. Enquanto isso Camilo vive como um nômade, até o dia em que volta a viver em Porto e tem contato direto com Ana, certo dia ela abandona o marido e passa a viver com Camilo, são então perseguidos e presos por adultério, Camilo ficou na cadeia por um ano e 15 dias, foi preso que escreveu “Amor de Perdição” e também foi na prisão que apareceram os primeiros sintomas da cegueira causada por uma sífilis mal curada.Em 15 de outubro de 1861 o casal é absolvido e solto, vivem juntos tem um filho chamado Jorge que terá problemas mentais. Em 1864 nasce Nuno, o ultimo filho do casal e que também só deu desgosto aos pais. Após ser nomeado visconde, Ana e Camilo casam-se legalmente, já não nutrem mais o mesmo amor da mocidade. Camilo passa por necessidades financeiras e torna-se o primeiro escritor português a escrever por encomenda, mas a visão começa a piorar e termina ficando cego. Então se suicida com um tiro no ouvido por saber que um romântico não deve esperar a morte natural que vem com a velhice. Foi o maior representante do ultra-romantismo português. As características dessa fase romântica são retratadas fielmente nessa obra, onde os personagens vivem, morrem ou, como diz o titulo, perdem-se, tudo em nome do amor.
Conhecendo a vida de Camilo e a obra “Amor de perdição” conseguimos observar que muitos pontos coincidem, não que sua obra tenha sido baseada como um todo em sua vida, mas ele soube pinçar algumas coisas e usá-las na história. Jamais podemos dizer que sua obra ou um de seus personagens são seres reais, trata-se de uma ficção baseada em alguns fatos reais, se compararmos os personagens de “Amor de Perdição” com as classificações que Antonio Candido faz, podemos dizer que existem personagens baseados em pessoas com quem o autor conviveu, personagens baseados em pessoas reais, que o autor trabalha subjetivamente, mas todos são personagens ficcionais e não reais.
Tendo já observado as semelhanças entre a vida e obra do autor, podemos ir mais longe, e notar que ele ao contar essa estória, faz críticas a sociedade da época e principalmente aos conventos. Quando na estória o pai de Tereza usa o convento como um lugar onde ela poderá ficar longe do contato com Simão e terá uma educação privilegiada, o que não acontece, pois lá ela consegue manter a comunicação com Simão e ainda descobre que a vida entre as freiras é cheia de vícios, depravações, lutas por poder e intrigas. Sabe-se que, nessa época, as mulheres viviam em uma sociedade patriarcal onde não tinham querer, e seus pais, às vezes até os maridos, enviavam-nas para conventos, muitas vezes as colocavam em conventos por simples ostentação. ”Amor de Perdição” acontece por volta de 1800, ao pesquisar sobre conventos encontramos que, mais ou menos desde 1500, algumas mulheres escolhiam viver em conventos, pois assim podiam ter mais liberdade intelectual e sexual do que se vivessem fora deles. Nessa época, a maioria das mulheres era carente de educação escolar e as que sabiam ler tinham os livros censurados por seus maridos. Ao entrarem para o monastério podiam levar uma vida social, cultivar a arte e administrar seu próprio dinheiro.Os conventos daquela época não tinham muito a ver com os de hoje, sendo que as freiras não faziam voto de pobreza, não eram proibidas de se encontrarem com outras pessoas. Elas até tinham direito a escravas e alguns de seus quartos eram forrados com lâminas de prata e ouro. Até que um dia a igreja tirou esses privilégios das freiras, mas graças a essas vantagens tivemos três grandes freiras escritoras são elas: Leonor de Ovando, Juana de Maldonado e Juana Inés de la Cruz.
Camilo não foi o único a retratar a vida real dos conventos. Florentino Bocaccio, escreveu “Decameron”, onde seus personagens reunem-se em uma casa e contam histórias satirizando a igreja. E em uma das histórias um de seus personagens conta a de um jardineiro que se finge de mudo para conseguir um emprego em um convento, conseguido o ofício, o mudo tem relações com todas as religiosas. Acusaram Bocaccio de heresia e ele teve de fugir e se isolar.
Mais contemporâneo a nós, encontramos José Saramago criticando a vida monástica em sua obra “Memorial do Convento”. Na obra, ele critica os dogmas da igreja, a influência que ela tem sobre o povo e como suas decisões estão sempre ligadas ao dinheiro. Além de favores comerciais deixa claro a promiscuidade das freiras e a injustiça e crueldade dos tribunais da Inquisição, relatando-nos que as freiras trocavam favores sexuais com os reis. Relata também o comportamento promíscuo dos frades com suas amantes.
Todas essas críticas, comprovam a hipocrisia da igreja católica, que cobrava absurdos de seus fiéis, no entanto nem, seus representantes seguiam suas regras.
Observamos então que a obra de Camilo pode ser explorada em vários aspectos. Aqui resolvi apontar mais as críticas aos conventos pois foi o que mais chamou minha atenção, mas é possível notar em toda a sua obra os costumes da sociedade burguesa. Ele também retrata muito bem também como as mulheres viviam naquele tempo e como era vistas como seres inferiores.



REFERÊNCIAS
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http://w3.ufsm.br/grpesqla/revista/num08/art_05.php. Acesso em: 27/11/2007, 14:45:14

BRANCO, Camilo Castelo. Amor de Perdição.21a ed.São Paulo:Ática,1995

CANDIDO,Antonio. A PERSONAGEM DE FICÇÃO.2aed. São Paulo: Perspectiva
NICOLA, José de.Introdução e comentários IN BRANCO, Camilo Castelo Amor de Perdição. São Paulo.Scipione, 1994