quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Camilo Castelo Branco: " A arte imita a vida ou a vida imita a arte?", por Karine Reis Benites

Este ensaio tem como enfoque analisar a obra “Amor de Perdição” relacionando-a à vida do autor Camilo Castelo Branco. Pertencente à segunda fase do Romantismo Português, chamada Ultra - Romantismo (caracterizada pelo exagero), o autor escreve em suas narrativas o reflexo de sua vida: a instabilidade, a morte, os raptos e os conflitos entre a paixão e a razão são constantes e intensas.
Órfão de pai e mãe aos dez anos foi criado junto com sua irmã por sua tia paterna Rita Emília, onde ouvia as histórias de sua família, muitas delas expostas no livro.
A relação da sua vida com a obra já começa no início da mesma onde ele diz tratar da reconstituição da “triste historia de meu tio paterno Simão Botelho”, onde descreve a trajetória desde o seu avô paterno Domingos Botelho, o Dr. Brocas, e sua mulher Rita Preciosa, o nascimento de seus cinco filhos Manuel, Simão, Maria, Ana e a caçula Rita (sua tia paterna), até o encontro de Simão e Tereza, personagem inventada por Camilo.
Os personagens da obra são idealizados, o Simão da obra, considerado um herói romântico, tem as mesmas características do autor: era desajustado, inconseqüente e violento e se converte aos bons modos por amor. Apaixonou-se aos dezesseis anos e tinha ideais revolucionários, tentou raptar Tereza quando mataram seu rival Baltazar Coutinho, e se entregou á polícia mostrando sua coragem e caráter. Camilo casou-se pela primeira vez com dezesseis anos com uma aldeã humilde, após, abandona-a e rapta uma mulher casada. Ao fugirem, chegam a ser presos, mas o caso não teve continuidade. Teve uma vida boêmia e muito agitada por escândalos, mas larga tudo por amor à Ana Plácido, sendo fiel a ela. Como Ana era casada, abandonou o marido para ficar com Camilo e foram presos por crime de adultério. Seu companheiro consegue fugir, mas se entrega à polícia ficando ambos presos por um ano e quinze dias nas Cadeias da Relação em Porto, onde ele escreveu o livro.
Tereza de Albuquerque não existiu na vida real, mas encontramos nela muitas características de mulheres que Camilo conviveu: Considerada uma heroína romântica, a aparentemente frágil Tereza da obra tem um forte caráter e contraria seu pai em nome do seu amor; rompe com os desígnios da sociedade e de sua família em defesa de seus sentimentos, lutando para não se casar com seu primo Baltazar, que é a vontade de seu pai, e, por conseqüência, vai para o convento e morre quase cadavérica. A história de Tereza tem muito a ver com a de Ana Plácido, que teve que casar contra sua vontade, pois estava prometida por seu pai a um capitalista do Porto, mas com sua personalidade forte acaba abandonando-o, vai viver com Camilo e acaba sendo presa. Já o final de Teresa apresenta uma característica física de sua tia Rita, pois no livro “Introdução e Comentários”, de José de Nicola, Camilo comenta que sua tia era “decrépita e cadavérica”.
A vida de Tereza no convento é muito criticada pelo autor e é mais um elemento que teve relação com sua vida pessoal: Na obra, o convento era mostrado como um antro de hipocrisia, falsidade e erotismo (mostrado pelo interesse de um padre em Mariana quando ela vai á procura de notícias de Teresa no convento).A personagem Dionísia Imaculada Conceição apresenta um nome significativo e, como Dionísio, bebia vinho, o que é uma postura incomum para uma freira. Na vida real, Camilo vive uma intensa crise existencial e se matricula no seminário do Porto disposto a ser padre, mas acaba se envolvendo com uma freira de cinqüenta anos, Isabel Cândida, e em seguida desiste do seminário.
A personagem Mariana representa o amor sem medidas, abnega de seus sentimentos a favor da felicidade de Simão e ajuda-o na sua relação com Tereza, serve-o desinteressadamente e é quem mais sofre na história. Por ser de uma classe inferior, Camilo usa esta personagem para retratar também dois pontos discutíveis da sociedade: a força e a liberdade da mulher simples em relação à submissão da mulher de família nobre perante a figura paterna.
Ela possui características físicas de sua primeira esposa, uma camponesa simples que morava numa aldeia, como também pode estar fazendo referência à sua mãe Jacinta Rosa do Espírito Santo, que era criada de seu pai, sendo assim, da classe popular.
João da Cruz, pai de Mariana é, na obra, o único personagem com traços realistas; provido de linguagem popular, é ferreiro e dedica grande amor e admiração à filha, é sensato e representa na obra a visão do autor sobre a vida rural de Portugal.
Tadeu de Albuquerque, pai de Tereza, é autoritário e inflexível, interessado em casá-la com Baltazar Coutinho para impedir que sua filha se relacione com sua família inimiga (por questões sociais). Na vida real, assemelha-se ao pai de Ana Plácido, que casou a filha por interesse com Manuel Pinheiro Alves.
Domingos Botelho, pai de Simão, por orgulho, é contra o relacionamento do filho com a família de seu rival, é rigorosamente preso aos padrões sociais, capaz de abandonar o filho á própria sorte para não usar seu poder de corregedor. Aparece idealizado na obra.
Baltazar Coutinho é o primo de Tereza e tem interesse no dote dela. Na vida real, tem uma característica do povo burguês, que é o de tratar o casamento como um negócio, por puro interesse financeiro.
Manuel Botelho é o irmão de Simão com o qual tinham uma relação conflituosa. Na trama, vai viver com uma mulher casada, o que será reconhecido como escândalo naquela época, que será abafado pelo pai que os separam. Manuel é pai do autor na vida real, e as relações amorosas do escritor são também, na sua maioria, com mulheres casadas.
O espaço externo da trama localiza-se entre Viseu e Porto, lugares onde o escritor viveu e que foi palco de escândalos, pois foi em Porto que Camilo foi preso com sua amada, Ana Plácido.Quanto ao espaço interno, tanto em Viseu como em Porto, os protagonistas do romance dificilmente estão em liberdade. Simão, por ter que se manter escondido na casa de João da Cruz sem o apoio da família; e Tereza, porque o pai a mantém presa dentro de casa e depois no convento. No Porto, ele (assim como Camilo quando escreveu o livro) está na prisão e Tereza em Monchique.
È uma grande coincidência Camilo estar preso no mesmo lugar em que, anos antes, foi preso seu tio, mesmo que seja por motivos diferentes (seu tio foi preso por uma briga de rua) não acham?
A morte também é uma característica que tem uma forte relação com a vida de Camilo.Na história os três apaixonados se matam por amor: começando por Tereza, que morreu vendo seu amado partir para o Regredo; ao saber da morte de sua amada, Simão adoece e morre no décimo dia de sua viagem. Quando seu corpo é jogado no mar, Mariana, que perdera também seu pai e estava completamente sozinha, joga-se ao mar morrendo abraçada no seu amado. Na história, de vida de Camilo a morte lhe acompanha desde cedo com a perda de seus pais (sua mãe com dois anos e seu pai com dez), e ao ser criado com sua tia ouvindo histórias sobre seu avô assassinado e seu tio morto no Degredo. Já no final de sua vida, os problemas familiares como também os de saúde (Camilo fica cego por causa da sífilis) juntamente com os financeiros tornaram seus últimos anos num martírio: Jorge, seu primeiro filho, tem problemas mentais e Nuno, seu segundo filho, se envolve em vários escândalos entre eles o de raptar uma moça com a ajuda de seu pai (seria mais uma coincidência com a obra?). Dentre tantas conturbações Camilo dá fim á própria vida em primeiro de junho de 1890.
Diante dessa análise pergunto: “Será que a vida imita a arte, ou a arte imita a vida?”.



Referências


BRANCO, Camilo Castelo.Amor de Perdição.São Paulo: Ática, 1998.

NICOLA, José de.Introdução e Comentários.In: BRANCO, Camilo Castelo.Amor de Perdição.São Paulo: Scipione, 1994.

WWW.mundocultural.com.br/analise/amor_perdic.pdf 28/11/2007 ás 2h e 30min

HTTP://www.portrasdasletras.com.br/pdt12/sub.php?op=resumos/docs/amordeperdicao27/11/2007 ás 23h e 35min

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