quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

"Ímpar", por Marcos Bonn Maciel

Após lermos e interpretarmos a obra “Ímpar”, de Marcelo Carneiro da Cunha, analisaremos e destacaremos aqui uma breve análise de seu conteúdo, procurando, ao máximo possível, considerar o que poderia ser uma visão infanto-juvenil. Também temos o propósito de não nos distanciarmos muito da questão que é o foco do livro, ou ao menos parece haver esta pretensão: diferenças.
O livro, publicado em novembro de 2002 pela ed. Projeto, traz, em sua síntese mais crua, a triste história de um menino que perdeu o braço em um acidente de carro. Promete, com esse acontecimento, tratar das diferenças, mas de uma visão mais ampla, ele trata daquilo que todos temos ou que já tivemos de igual: crises em nossa condição humana, principalmente na fase adolescente...

ÍMPAR

Acreditamos que haja, já no início, uma falha do autor na tentativa de tornar esta obra mais verossímil. Logo no primeiro capítulo, após o que tende a ser um diálogo, o narrador utiliza o verbo “ser” em um tempo passado, levando-nos a crer que o que era, já não é mais, “A minha turma era legal, era a turma mais legal do mundo”. Dessa forma acreditamos, inicialmente, que ele poderia estar falando de uma turma antiga da qual um dia fez parte, no entanto, na mesma linha, ele segue, “Sério, todo mundo acha. A minha turma é diferente”. Essa dúvida poderá permanecer até o final do livro, pois, mesmo com o autor utilizando artimanhas como a linguagem mais simples e com marcas da oralidade infanto-juvenis, nada impediria de ele ser um narrador já adulto, assim como em “O Ateneu”, por exemplo. Mas este é um detalhe que, para um leitor menos atento, só fará diferença na segunda ou terceira leitura. E isso ainda não será problema, pois havendo lido uma primeira vez, o final da obra encerrará com a dúvida inicial.
Ainda no primeiro capítulo, o narrador parece nos convidar a cair na realidade, fazendo uma leve crítica ao fictício ou, talvez, ao ilusório. Adivertindo-nos que ao lermos a obra não encontraremos gnomos nem pessoas felizes dizendo coisas bonitas o tempo todo, “nada dessa coisa de televisão”. Isso pode chocar um pouco de início e até nos fazer avaliar qual seria a idade adequada para esta leitura. Então, por um momento, nos apegaremos aos detalhes do livro material: não há muitas figuras além das mesmas que se repetem, revesadamente, no início de cada capítulo e a capa não parece ser muito promissora, mas não compreendemos nada de arte (desenhos, pinturas, etc), sigamos em frente; quanto à espessura, 134 páginas gerariam uma revolução nas quartas séries em que estudávamos, porém, nas quintas o tamanho da fonte – ou talvez seja o espaçamento – e a brevidade dos capítulos poderiam contrabalançar; já a partir das sextas séries não haveria muita escolha, seria este ou outro livro ainda maior.
O segundo capítulo parece começar ainda mais confuso do que o primeiro, o que nos evidencia a busca para retratar a oralidade de uma criança/adolescente. É nesse capítulo que o narrador/protagonista nos é apresentado como Zóli, apelido adquirido por ele próprio ao tentar dizer o seu nome: José Luiz. Zóli nos conta aqui sobre o seu acidente, a maneira como recorda e não recorda de alguns fatos, descreve as situações, as pessoas, os ocorridos, todos de maneira confusa, devido ao trauma e ao nervosismo do momento. É a partir daí que as coisas começam a ficar diferentes, que ele começa a ser visto e tratado pelas pessoas com quem sempre conviveu na cidade como uma pessoa diferente e ele passa a se sentir diferente. Devido a esse problema os pais decidem mudar de cidade, começar uma vida nova, e dessa forma ele inicia o que acontecerá em praticamente toda a obra: um processo de Integração.
Ele começa a freqüentar uma clínica de fisioterapia para treinar o corpo e capacitá-lo a suprir as necessidades deixadas pela falta de seu braço esquerdo. Zóli mostra-se constantemente isolado e sem desejo de contato com outras pessoas, fruto de seu pensamento focado unicamente na falta do braço. Zóli pensa que as pessoas estão sempre falando com ele para saber o que aconteceu. Outro fato importante é a inevitável mudança de seus pais, que antes se demonstravam felizes e apaixonados e que, agora, parecem sempre tristes e incompatíveis. Ele acredita que a mãe sente-se culpada pelo que aconteceu (uma possibilidade, que inferimos, é ela ter medo que o filho a culpe).
Zóli continua indo à clínica, mas sem demonstrar muito entusiasmo. É em uma das sessões que ele acaba conhecendo Bibiana, uma menina agitada, “metida” e, aparentemente, sem nenhum problema físico, que o chama pelo sobrenome: Rodriguez. Ela o convida para se enturmar, mas Zóli, como sempre, desde o acidente, prefere evitar qualquer contato. Os convites continuam nos lugares mais imprevisíveis, até mesmo na escola e em casa. É após uma discussão com ela que Zóli acaba percebendo uma diferença em Bibi ao caminhar, “Ela primeiro começou com uma perna, depois precisou ajudar com a mão, pra outra se mexer.” Tempos depois de outras discussões acerca de deficiências, Zóli decide aproximar-se para pedir desculpas e, dessa forma, acaba conhecendo a turma.
A turma era composta de seis integrantes:
a Tula (Luísa), que andava de cadeira de rodas;
o Máqui , que enxergava só um pouquinho;
a Dica, que ouvia bem pouco;
o Pê, que tinha um pé diferente do outro e precisava de muletas;
a Bibi, que havia nascido com um problema na bacia;
e o Zóli, que havia perdido um braço em um acidente de carro por culpa de um motorista alcoolizado.
Após conhecer o pessoal, ele é convidado para fazer uma ação. No livro, ação seria uma revolta pacífica por parte da turma ímpar. Na verdade o que eles fizeram foi ir ao cinema que não possuía acesso para cadeirantes e, desta forma, por haver fila devido à estréia de um filme que gerou repercussão da mídia, houveram protestos tanto por parte dos “ímpares” quanto por parte dos “pares” que inicialmente estavam contra eles, mas que depois aliaram-se.
Esse é um momento em que os considerados diferentes lutam por oportunidades e acessibilidades iguais, assim, não temos mais um caso de Integração e, sim, uma luta pela real Inclusão. Qual a diferença? Nas palavras de Alex Garcia, surdocego especialista em educação especial: “Na Integração o portador de surdocegueira tem de se adaptar ao sistema.”, enquanto “na Inclusão o sistema é que deve se adaptar ao Surdocego.”. Adapte-se aqui o problema de cada um sempre relevando quem tem prioridade e considerando o que cada um pode fazer em benefício do outro. Para tornarmos mais compreensível essa afirmação, utilizaremos um outro exemplo de Alex Garcia:
Uma pessoa alta pode ler sem problema uma placa que está a 1m80cm de altura. Se baixarmos a mesma placa a 1m, a pessoa alta basta se abaixar para ler. Para uma pessoa que tem 1m50cm é impossível instantaneamente crescer para ler a placa que está a 1m80cm de altura. O grande pode ficar pequeno instantaneamente. Para o pequeno ficar grande instantaneamente é impossível. Agora basta todos refletirem este exemplo(...) e suas necessidades específicas.(GARCIA, 2007)

Se a sociedade avaliar tal teoria, acreditamos que mais de 60%(não há qualquer base sólida para esse valor, apenas acreditamos) dos problemas das pessoas portadoras de alguma restrição física estariam resolvidos, já que o ambiente físico não representa o todo, mas uma parte. Outra parte que Alex Garcia releva é, que as pessoas precisam, antes de serem incluídas nas escolas, nos trabalhos e em outros órgãos sociais, serem incluídas na família, que constitui a base social e o princípio para uma Inclusão satisfatória.
A ação acaba dando certo e o grupo assiste ao filme.
Mas o livro não fala apenas das restrições físicas e, com isso, certamente ganha muitos pontos. Ele lida também com os medos e emoções, como o primeiro beijo, os(as) primeiros(as) ficantes, o medo de ser exposto ao público, o medo de ser esquecido, enfim, sentimentos que todos passam ou presenciam em alguma época da vida.
Em momento algum o narrador nos diz as idades dos personagens, mas se relevarmos o que acontece na sociedade atual, podemos classificá-los em uma faixa-etária entre os 10 e os 13 anos.
Os personagem ainda passam por outras aventuras que testam suas capacidades e suas emoções, atrações adolescentes vêm no embalo e, após confusões sentimentais, tudo se resolve com direito a planos futuros.
O final da obra é uma clássica novela, em que os mocinhos ficam juntos e descobrem o poder em si para transformarem o próprio mundo.

A obra nos faz refletir principalmente a questão pessoal de Zóli, que muitas vezes faz parte de nós. Esse medo absurdo do alheio, do diferente, esta falta de costume ao lidar com o diferente, e maior é o estranhamento quando nós somos o diferente. Afinal, não há pior preconceito que desgostar-se ou desacreditar-se de si. Podemos ter todas as partes visíveis a olho nu, mas muitas vezes nos falta um pouquinho mais de autoconfiança para enfrentarmos este mundo, que jura ser de todos e na prática não temos rampas para os cadeirantes, legendas em filmes nacionais, e tantos outros recursos que a nós (“perfeitos”) não servem de nada, mas que facilitariam a INCLUSÃO de seres tão, ou até mais, humanos do que nós. Somos a favor da total igualdade, mesmo que isso não passe de uma utopia.


REFERÊNCIAS

1. CUNHA, Marcelo Carneiro da. Ímpar. Porto Alegre: Editora Projeto, 2002.
2. GARCIA, Alex. Pesquisa sobre Inclusão. Disponível em <http://www.agapasm.com.br/artigo005.asp>. Acessado em: 6 dez 2007.

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