quarta-feira, 29 de outubro de 2008

HARRY POTTER, UM CONTO DE FADAS CONTEMPORÂNEO?

HARRY POTTER, UM CONTO DE FADAS CONTEMPORÂNEO?

Paulo Ricardo Bandeira Christofoli


Ao lermos o livro Harry Potter e a Pedra Filosofal, nos defrontamos com algumas perguntas. O livro é bom? Essa literatura é adequada ao público infanto-juvenil? A obra atende às premissas básicas para essa literatura? O sucesso do livro é somente devido a toda uma estratégia da mídia? Por que milhões de crianças, jovens e até adultos tornaram-se adeptos fervorosos das aventuras do jovem bruxo?

Embora seja um mundo ficcional, existem vários fatores político-sociais inseridos na obra. A autora, apesar de ser britânica, acabou vivendo sua adolescência num mundo marcado por ditaduras capitalistas e socialistas, onde os que se opunham ao sistema eram perseguidos. As mortes causadas por [1]Voldemort fazem uma analogia à situação mundial onde a autora cresceu.

Ao analisarmos a estrutura dos livros de J. K. Rowling, sobre a saga de Harry Potter, verificamos inicialmente que eles não atendem a todas as características de uma literatura infanto-juvenil.

Conforme Regina Zilbermann, no capítulo “A traição ao leitor”, de seu livro “A literatura infantil na escola”, a obra deveria valer-se de parágrafos curtos, sintaxe adequada, uso de ilustrações, tamanho do livro. O que vemos em Harry Potter e a Pedra Filosofal é exatamente uma antítese de algumas dessas características. Os parágrafos são longos, o livro possuí 263 páginas sem nenhuma ilustração:

Uma brisa arrepiou as cercas bem cuidadas da rua dos Alfeneiros, silenciosas e quietas sob o negror do céu, o último lugar do mundo em que alguém esperaria que acontecessem coisas espantosas. Harry Potter virou-se dentro dos cobertores sem acordar. Sua mãozinha agarrou a carta ao lado mas ele continuou a dormir, sem saber que era especial, sem saber que era famoso, sem saber que iria acordar dentro de poucas horas com o grito da Sra. Dursley ao abrir a porta da frente para pôr as garrafas de leite do lado de fora, nem que passaria as próximas semanas levando cutucadas e beliscões do primo Duda ... ele não podia saber que, neste mesmo instante, havia pessoas se reunindo em segredo em todo país que erguiam copos e diziam com vozes abafadas:
- A Harry Potter: o menino que sobreviveu! (ROWLING, 2000, p.20)

Como vemos no parágrafo acima a autora utiliza-se de nexos coordenativos e subordinativos, diferentemente da linguagem utilizada, por exemplo, na obra “A Bolsa Amarela”, de Lygia Bojunga, que muitas vezes, nesta, utiliza orações justapostas como no exemplo abaixo:

A bolsa por dentro:
Abri devagarzinho. Com um medo danado de ser tudo vazio. Espiei. Nem acreditei. Espiei melhor ( BOJUNGA, 1997, p.27).

Essas orações justapostas aproximam-se mais da oralidade e escrita da criança. A linguagem do livro A Bolsa Amarela, inclusive, é uma das características mais marcantes.

Mas apesar de utilizar parágrafos longos, a linguagem utilizada em Harry Potter é coloquial, lúdica, com uma sucessão de acontecimentos fantásticos criando um ritmo acelerado na narrativa tão presentes no cotidiano atual das crianças e jovens do nosso tempo.

A obra Harry Potter sofre inúmeras críticas com relação ao seu conteúdo, no qual é apontado, por alguns analistas e escritores, como sendo uma cópia de estruturas já muito utilizadas, repleta de clichês e sem profundidade, uma obra rasa. Harold Blomm, crítico americano, tratá-a como sendo “... infindável seqüência de clichês... É apenas ficção barata” (apud JACOBY, 2000).

Marina Colasanti (apud JACOBY, 2000) critica a questão da mídia e das estratégias agressivas de marketing utilizadas para divulgação da obra como está sendo encomendada.

Ana Maria Machado (apud JACOBY, 2000) fala da pouca originalidade da obra que retoma elementos batidos na tradição da literatura infanto-juvenil.

Na verdade, após a exposição de alguns pontos de vista de renomados escritores criticando a obra, levantamos a seguinte questão: Harry Potter é somente isso?

Seria possível que milhões de leitores espalhados pelo mundo, das mais variadas faixas etárias fossem contagiados pela exposição da mídia no processo de globalização dos bens de consumo? Seria possível que algo tão ruim fizesse com que crianças lessem 263 páginas no primeiro livro e após outras milhares contidas na seqüência dos outros seis volumes?

Ana Maria Machado, ao mesmo tempo em que critica a falta de originalidade da obra, também diz:

[...] é inegável que a série Harry Potter é bem construída, dosa bem [...] os clichês todos, tem ótimo ritmo e é muito gostosa de ler, mesmo sendo previsível aqui e ali. Ou seja, é divertimento de primeira qualidade (MACHADO, 2001, p. 219).

Outros críticos saíram em defesa da obra. No livro [2]Além da Plataforma Nove e Meia, Isabelle Smadja, estudiosa francesa, afirma:

[...] constitui em um conto de fadas moderno, capaz de atualizar com competência sua função simbólica, já há muito tempo apontada por psicólogos (especialmente por Bruno Bettelheim) como das mais benéficas na formação das crianças, ao auxiliá-las a elaborar as suas mais diferentes emoções e a fortalecer sua identidade (JACOBY e RETTENMAIER, 2005, p.30).

Já Pedro Bandeira (apud JACOBY, 2000), escritor de literatura infanto-juvenil brasileira, afirma que a autora J. K. Rowling possui um profundo conhecimento da psicologia das crianças.

Entre os prós e os contras, afinal, o que teria nessa obra atraído com grande eloqüência crianças e jovens no mundo inteiro?
Passaremos a falar agora do assunto abordado na obra Harry Potter e a Pedra Filosofal, que em nosso entendimento está internalizado no imaginário infantil e por isso, seja talvez, o ponto vital para o seu sucesso.

A história se desenvolve sob a perspectiva de um herói infantil, ou seja, as personagens principais são crianças que vão descobrindo suas identidades durante o transcorrer do enredo. As ações são praticadas pelas crianças deixando para os adultos o papel secundário de auxiliá-las, porém, enxergando nelas seu potencial.

A narrativa do texto é feita através do olhar da criança sendo esse um dos fatores positivos para que não ocorra a traição ao leitor uma vez que está dentro da realidade e anseios do leitor.

Analisando a obra na ótica dos elementos constantes no conto de fadas observamos que a mesma traça um roteiro bem elaborado, fazendo um resgate do gênero.

A onipresença da metamorfose se dá não somente na transformação dos personagens, que passam do estágio da pré-adolescência para a adolescência no decorrer das obras, mas também em outros elementos da narrativa, tais como, paredes que viram passagens, animais que se transformam em pessoas e etc.

O uso de talismãs está presente em toda a obra para auxiliar as personagens principais a resolverem mistérios, abrirem novos caminhos. Harry por exemplo utiliza-se de uma capa que lhe dá a invisibilidade. Em O Prisioneiro de Azkaban, terceiro livro da série, Hermione utiliza um objeto chamado vira-tempo, que possibilita retornar no tempo auxiliando na resolução dos mais variados problemas.

A força do destino é uma constante na vida do pequeno bruxo. Desde o início da obra fica claro que Harry Potter tem um destino delineado, não por completo, pois são suas ações que dão à tônica e a dinâmica na narrativa. A própria marca na testa do herói já identifica que ele tem um destino a cumprir. A passagem abaixo, dita pela professora Minerva referindo-se a Harry Potter, do capítulo um do primeiro livro, serve de ilustração:

Essas pessoas jamais vão entendê-lo! Ele vai ser famoso, uma lenda. Eu não me surpreenderia se o dia de hoje ficasse conhecido no futuro como o dia de Harry Potter. Vão escrever livros sobre Harry. Todas as crianças no nosso mundo vão conhecer o nome dele! (ROWLING, 2000, p. 17).

O desafio do mistério ou do interdito é uma das abordagens principais presentes em todas as sete obras da escritora. Alguns mistérios vão passando de livro para livro fazendo com que o leitor fique na expectativa de qual solução será dada para determinada situação.

Através da magia os personagens vão ultrapassando as dificuldades que lhes são impostas. Tal qual nos contos de fadas, o leitor infanto-juvenil vai se identificando com o texto e trazendo-o para sua realidade na tentativa de encontrar soluções para seus problemas e ansiedades.

Bettelheim, em seu livro “A psicanálise dos contos de fada”, diz que nas horas difíceis, jovens leitores podem encontrar conforto como os heróis das histórias:

Esta é exatamente a mensagem que os contos de fada transmitem à criança de forma múltipla: que uma luta contra dificuldades graves na vida é inevitável, é parte intrínseca da existência humana, mas que se a pessoa não se intimida e se defronta de modo firme com as opressões inesperadas e muitas vezes injustas, ela dominará todos os obstáculos e, ao fim, emergirá vitoriosa (BETTELHEIM, 2002).

Os vilões nas histórias infantis matam, lutam e ferem. Em Harry Potter isso também ocorre, porém, um novo tipo de vilão nos é apresentado, os Dementadores (Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban). Eles são capazes de causar uma profunda tristeza fazendo que sua vítima chegue na mais profunda depressão, sugando-lhes a energia e suas lembranças boas.

Na série dos livros de Harry Potter vários elementos e passagens constantes nos contos de fadas são apresentados.

No início do primeiro livro, Harry é tratado pelos seus tios, os Dursley, como serviçal da família. Seu quarto fica em baixo da escada e o menino recebe os restos de seu primo Duda. Aqui traçamos uma analogia ao conto “Borralheira”, de Charles Perrault. Esse tratamento utilizado tanto em Harry Potter quanto em Borralheira, relatam muito bem as experiências internas da criança pequena nos espasmos da rivalidade fraterna, quando ela se sente desesperadamente marginalizada pelos irmãos e irmãs ( no caso de Harry, pelo primo Duda). A madrasta sacrifica os interesses de Borralheira em favor dos das irmãs; deve executar os trabalhos mais sujos e mesmo fazendo-os bem, não é aceita por elas. Os tios de Harry assumem o mesmo papel da madrasta.

Em outro momento do livro, o pequeno bruxo pára diante de um espelho que reflete os seus desejos mais profundos. Na obra Branca de Neve, a rainha utiliza-se de um espelho para saber se é a mais bonita do reino. A rainha em Branca de Neve é movida pela vaidade, repetindo o tema antigo de Narciso. No caso de Harry Potter, sua motivação é de recuperar o carinho e a presença de seus pais. Em ambos os casos o espelho é usado como fonte para refletir e encontrar suas aspirações.

Assim como Narciso, que só amava a si mesmo, de tal forma que foi tragado pelo auto-amor, o espelho de [3]Ojesed tem o poder sobre Harry Potter de fazer o personagem penetrar no mundo da imaginação esquecendo do mundo que o cerca. O personagem, assim como Narciso, certamente definharia em frente ao espelho maravilhado pela sensação de prazer que o reflexo lhe trazia, mas no caso do livro a autora deu outra solução fazendo com que Alvo Dumbledore o trouxesse novamente para realidade.

O espelho vai ser levado para uma nova casa amanhã, Harry, e peço que você não volte a procurá-lo. Se algum dia o encontrar, estará preparado. Não faz bem viver sonhando e se esquecer de viver, lembre-se (ROWLING, 2000, p. 184).

A plataforma nove e meia, que não pode ser vista pelos trouxas (conforme definição do livro, trouxas significa quem não é bruxo), conduz para a estação do trem que leva os alunos para Hogwarts (a escola dos bruxos). Seria uma passagem para outra dimensão, assim como em [4]Peter Pan e sua Terra do Nunca.

Em Hogwarts, assim como na Terra do Nunca, Harry encontra o seu lugar, sua verdadeira casa, iniciando assim a busca pela sua identidade. Ao chegar em Hogwarts, Harry depara-se com outro mundo, onde todos são bruxos e todos têm conhecimento da cultura desse meio. Harry, porém, continua a sentir-se deslocado, uma vez que foi criado por uma família “normal”. Essa busca pelo seu conhecimento atravessa a história na narrativa. O primeiro sinal de encontro consigo mesmo é dado quando o personagem aprende a voar na vassoura.

[...] Ele montou a vassoura, deu um impulso com força e subiu, subiu alto, o ar passou veloz pelo seu cabelo e suas vestes se agitaram com força para trás – e numa onda de feroz alegria ele percebeu que encontrará alguma coisa que era capaz de fazer sem ninguém lhe ensinar – isto era fácil, era maravilhoso (ROWLING, 2000, p.130).

A pedra filosofal, objeto principal do primeiro livro, é um elemento místico procurado durante anos pelos alquimistas da idade antiga. Esse elemento transformaria qualquer metal em ouro e traria vida eterna para quem o possuísse. Nicolau Flamel, que é citado no livro, como quem teria criado a pedra, foi um alquimista real que viveu no século XII que dedicou suas pesquisas no intuito de desenvolver tal elemento.

No segundo livro da série, Harry Potter e a Câmara Secreta, Harry e a família Weasley utilizam-se de um pó mágico para transportarem-se para outro lugar. A fada Sininho, na obra Peter Pan, também utiliza um pó mágico que tem o poder de fazer as crianças voarem servindo como transporte para a Terra do Nunca.

Na obra de Monteiro Lobato o narrador apresenta o pó de pirlimpimpim numa cena em que o menino invisível, Peninha, convida Pedrinho a partir para o velhíssimo mundo das maravilhas.
Um tema abordado no segundo livro é o da discriminação. Hermione (companheira de Harry) sofre pelo fato de “não ser pura”, uma vez que seus pais não são bruxos.

A presença feminina na obra também é explorada pela autora J. K. Rowling. Vejamos. Uma das melhores amigas de Harry é Hermione, uma menina capaz de ultrapassar as dificuldades através do estudo e dedicação. A mãe de Harry deu sua vida por amor para salvá-lo. A Sra. Weasley, mãe de Rony, amigo inseparável de Harry, vai assumindo no transcorrer das obras o papel de mãe adotiva da personagem. Esse sentimento da Sra Weasley fica evidenciado no livro Harry Potter e a Ordem da Fênix:

- Bom – começou ela, dando um longo suspiro e olhando ao redor à procura de um apoio que não veio – bom... estou vendo que vou perder. Mas vou dizer só uma coisa: Dumbledore deve ter tido suas razões para não querer que Harry soubesse demais, e falando como alguém que quer o melhor para Harry...
- Ele não é seu filho – disse Sirius em voz baixa.
- É como se fosse – respondeu ferozmente (ROWLING, 2003, p 78).

A professora Minerva acredita no potencial do menino e o auxilia a enfrentar as dificuldades impostas pelo caminho. É ela quem indica Harry para participar do time de quadribol, fato este que elevaria a moral do menino.

- Harry Potter, esse é Olívio Wood. Olívio... encontrei um apanhador para você.
A expressão de Olívio mudou de confusão para prazer.
- Está falando sério, professora?
- Seríssimo – resumiu a Profa. Minerva. – O menino tem um talento natural. Nunca vi nada parecido. Foi a primeira vez que montou numa vassoura, Harry? (ROWLING, 2000, p. 132-133).

Essas personagens femininas são de vital importância para formação do caráter e crescimento de Harry Potter.

Outra analogia possível de ser feita da obra Harry Potter é com “Reinações de Narizinho”, de Monteiro Lobato. A obra de Monteiro Lobato foi um sucesso no Brasil quando do seu lançamento.

Em ambas as obras seus autores deram voz às crianças, utilizando-se de recursos fantásticos para animações de objetos, brinquedos e animais. Aqui vemos mais uma característica descrita por Piaget, o animismo, na qual a visão de mundo que os contos trazem é igual à da criança.

Monteiro Lobato internou em sua obra várias passagens dos contos de fadas e figuras da mitologia. Seus personagens principais são crianças e a figura do adulto apenas acompanha o desenvolvimento da ação como espectadores.

A personagem Tia Anastácia, por exemplo, mesmo sendo adulta, é a que mais se aproxima do mundo infantil, sendo inclusive a detentora do acervo cultural de lendas do passado. Em Harry Potter, o personagem Hagrid, um gigante adulto que tem atitudes e ações infantis, é o que mais se aproxima dos protagonistas da história. Assim como Tia Anastácia, Hagrid também é o responsável por repassar as histórias antigas.

A escritora J. K. Rowling, na narrativa dos livros, utilizou-se de diversas mitologias, dentre elas a grega, romana, egípcia e nórdica.

O professor Dumbledore, possuí um animal muito raro, uma Fênix. Com origem na mitologia egípcia, essa criatura tinha a particularidade de se destruir no fogo e renascer das suas próprias cinzas. Esse animal aparece no segundo livro, Harry Potter e a Câmara Secreta.

O nome do professor Remus Lupin, professor de defesa contra as artes das trevas no terceiro livro, Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban, está associado à lenda da mitologia romana de Romulus and Remus (Rômulo e Remo), os dois gêmeos que foram amamentados por uma loba até serem encontrados por um casal de lavradores. Este nome também está relacionado com o fato do personagem se transformar em lobisomem.

Os Centauros da floresta proibida (já aparecem no primeiro livro Harry Potter e a Pedra Filosofal), são associados à mitologia grega. O centauro também simboliza o conflito humano entre a razão e o instinto animal.
O nome da professora Minerva, vem da mitologia grega ou romana que quer dizer também Atena (filha de Zeus), a deusa das artes e dos ofícios, que ensina aos comuns mortais. Minerva era uma deusa que primava pela perfeição sendo uma das características da personagem na obra.

A figura do cão de três cabeças de Hagrid, também vem da mitologia grega ou romana e além de três cabeças tinha muitas caudas e tinha a função de proteger a entrada do mundo inferior de todos os intrusos do mundo superior. Na obra Harry Potter e a Pedra Filosofal, o cão de três cabeças tem a função de guardar o alçapão onde a pedra filosofal está escondida.

O nome Hermione quer dizer eloqüência, inspirado na mitologia grega. Hermione era filha de Helena de Tróia. Na obra, Hermione é amiga de Harry e de Rony e é muito aplicada nos estudos.

Também nos nomes dos feitiços utilizados pelos bruxos a autora utilizou-se de elementos da mitologia.

O feitiço Aparecium vem do latim e tem a função de tornar visíveis objetos, tinta ou pessoas; na mitologia era algo relacionado com as boas colheitas, as pessoas rezavam aos deuses e diziam Aparecium para que os deuses lhe concedessem boas colheitas.

O feitiço Colloportus vem do latim e tem a função de trancar as fechaduras de portas ou de arcas e era mencionado em episódios do cotidiano da mitologia grega, quando os patrões/pais pediam aos seus criados/filhos para fecharem a porta de uma casa.

O termo animagus que vem do latim e designa o dom de um feiticeiro de se transformar em animal. Sirius Black, em Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban, transformava-se em um cão preto. Na mitologia grega ou romana simbolizava os humanos que eram transformados em animais pelos deuses. Tinham alma de humanos e corpo de animais.
A identificação dos leitores com a série Harry Potter está vinculada a vários elementos utilizados pela autora em sua obra.

Inicialmente, o fato da personagem principal ser órfã, está fortemente ligado a cultura contemporânea da criança ser criada em frente à televisões, por babás, sem a presença constante dos país.

O fato de Harry ser uma criança frágil e deslocada, mas apesar disso enfrentar e vencer os obstáculos que lhe são apresentados é outro fator de identificação do leitor.

A ação toda ocorre em uma escola, onde crianças e adolescentes passam a maior parte do seu tempo sendo também outro fator importante. As situações que ocorrem nessa escola estão diretamente relacionadas com a realidade que a criança e o adolescente contemporâneo vivem. Formação de grupos, os bons e os maus, disputas, indisciplina e finalmente a relação entre meninos e meninas marcantes na pré-adolescência. A passagem abaixo do livro Harry Potter e o Cálice de Fogo, quarto livro da série, quando os alunos estavam se preparando para o baile de inverno, serve como ilustração dessas relações:

Uma terceiranista da Lufa-Lufa, de cabelos crespos, com quem Harry jamais falara na vida, convidou-o para ir ao baile com ela, logo no dia seguinte. Ele ficou tão surpreso que respondeu “não” antes mesmo de parar para refletir sobre o convite. A garota se afastou parecendo bem magoada, e Harry teve que aturar as piadas de Dino, Simas e Rony sobre ela durante toda a aula de História da Magia. No dia seguinte, mais duas garotas o convidaram, uma do segundo ano e (para seu horror) uma do quinto ano, que parecia ser capaz de nocauteá-lo se ele recusasse (Rowling, 2001, p. 309).

Finalmente, o elemento mágico desperta no leitor a sua imaginação, provocando sentimentos comuns, tais como, raiva, medo, escolha entre o bem e o mal do certo e o errado.

A intenção desse ensaio não foi de fazer comparações entre obras consagradas da literatura infantil e infanto-juvenil de autores como Hans Christian Andersen, Charles Perrault, Monteiro Lobato, mas sim de demonstrar a importância da obra de J.K. Rowling no cenário atual da literatura.
Afinal, Harry Potter é um conto de fadas contemporâneo?
Talvez somente o tempo poderá responder a essa pergunta.



























[1] Voldemort é o bruxo que matou os pais de Harry Potter, mas acabou sendo vencido por ele quando ainda bebe. Durante toda a saga estará presente e será o pivô da luta entre o bem e o mal.
[2] Além da Plataforma Nove e Meia: Pensando o fenômeno Harry Potter. Organizadores: Sissa Jacoby e Miguel Rettenmaier.
[3] O espelho de Ojesed aparece em dois momentos na obra Harry Potter e a Pedra Filosofal. Em um primeiro momento ele atrai Harry refletindo lembranças dos seus pais; no final da obra, quando Harry enfrenta Voldemort na disputa pela posse da pedra filosofal, ajuda o pequeno bruxo na solução do problema.
[4] Peter Pan foi um personagem criado por J. M. Barrie e apareceu pela primeira vez ao mundo em 1902, num livro intitulado The Little Bird.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

O determinismo como influência na construção

O determinismo como influência na construção
dos retratos humanos em “O cortiço”
Vanderléia Costa

O cortiço, escrito por Aluísio Azevedo em 1890, é a obra que melhor representa a estética naturalista no Brasil.
Das principais características deste estilo literário, que foi um prolongamento do Realismo, temos o Determinismo em todos os seus desdobramentos: do meio ambiente, do instinto e da hereditariedade. Da mesma forma, podemos perceber que o autor foi altamente influenciado pelo Evolucionismo, ou seja, os preceitos defendidos por Darwin de que as espécies se derivam mutuamente e são resultado da seleção natural. Assim como o Positivismo, onde o que impera é o predomínio da observação.
De acordo com o Evolucionismo, o narrador apresenta na sua visão naturalista o ciclo da vida humana: procriação, nascimento, existência sob o domínio dos instintos, e morte. Essa seqüência podemos observar pelo trecho:
“À proporção que alguns locatários abandonavam a estalagem, muitos pretendentes surgiram disputando os cômodos desalugados. Delporto e Pompeo foram varridos pela febre amarela e três outros italianos estiveram em risco de vida. O número dos hóspedes crescia, os casulos subdividiam-se em cubículos do tamanho de sepulturas e as mulheres iam despejando crianças com uma regularidade de gado procriador,”pág.119.
Influenciado pelo Determinismo e pelo Positivismo, o autor cria os seus personagens, ou melhor, observa-os como se estivessem em um laboratório de análise científica. Quase todos os personagens em O cortiço sofrem com ação do meio, é como se o ambiente fosse o personagem principal da obra, ele determina as características e o estado de cada indivíduo.
Portanto, o ambiente em que se passa a obra, um cortiço, é realmente muito significativo, pois se tem a idéia de que ele “germina” os personagens, que brotam como plantas ou procriam-se como animais, como podemos verificar pela seguinte passagem:
“E, naquela tarde encharcada e fumegante, naquela umidade quente e lodosa, começou a minhocar, a esfervilhar, a crescer, um mundo, uma coisa viva, uma geração, que parecia brotar espontânea, ali mesmo, daquele lameiro, e multiplicar-se como larvas no esterco”, pág. 28.
As características naturalistas apresentadas anteriormente são muito importantes para entendermos os retratos humanos representados na obra, porque afinal os personagens viviam para e com o meio.
No patamar de papel importante e sobressaliente na obra, poderíamos destacar vários, desse modo começaremos falando sobre João Romão, o idealizador da estalagem.
Romão é o personagem que vence o meio. Com sua ganância, mesquinharia e avareza, ele abre mão do conforto no início para alcançar um ideal de nobreza . Para ele, não bastava ser rico e poderoso, João Romão queria ser titulado nobre, e para alcançar esse objetivo ele passou por cima de quem quer que fosse. Cometeu pequenos furtos no início com a ajuda de Bertoleza, enganou seus clientes no peso e na medida dos produtos que vendia em sua mercearia, emprestava dinheiro a juros altos. Além disso, empregava os trabalhadores em sua pedreira com a condição de que morassem em sua estalagem e comprassem em sua mercearia, com isso, tudo se transformaria em uma grande engrenagem, onde o dinheiro que saía para o pagamento dos trabalhadores retornaria para as suas mãos.
Não se pode negar que ele é um personagem muito determinado, usou de sua determinação e força física para alcançar seus interesses, porém não levou ninguém com ele, ao contrário, usou de quem pode, tudo, e sugou até a última gota o suor de sua companheira Bertoleza.
João Romão necessitava de alguém para lhe ajudar, e a escrava Bertoleza “caiu como uma luva”. Por isso, Romão forjou uma carta de alforria para que a escrava pudesse lhe servir, imaginado que estava livre.
A personagem Bertoleza retrata um tipo humano feminino de servidão e acomodamento, típico da época em que a obra foi escrita.
A ganância que impelia o personagem de João Romão não fazia parte das características desta mulher. Não que ela não tivesse ideais, pois queria ser aceita como mulher de um homem português, considerado de uma raça superior a sua, isso a fazia sentir-se mais valorizada e a estimulava a labutar diariamente como um animal de carga. Essa afirmação pode ser comprovada pelo trecho:
“Bertoleza representava agora ao lado de João Romão o papel tríplice de caixeiro, de criada e de amante. Mourejava a valer, mais de cara alegre; às quatro da madrugada estava já na faina de todos os dias, aviando o café para os fregueses e depois preparando o almoço para os trabalhadores de uma pedreira que havia para além de um capinzal aos fundos da venda. Varria a casa, cozinhava, vendia ao balcão da taverna quando o amigo andava ocupado lá por fora; fazia a sua quitanda durante o dia no intervalo de outros serviços e à noite passava-se para a porta da venda, e, de fronte de um fogareiro de barro, fritava fígado e frigia sardinhas, que Romão ia pela manhã, em mangas de camisa, de tamancos e sem meias, comprar à praia do peixe. E o demônio da mulher ainda encontrava tempo para lavar e consertar, além da sua, a roupa do seu homem(...)”pág. 21.
Entretanto, assim como os animais sentem a rejeição do dono, Bertoleza percebeu que Romão tinha outros planos que não a incluíam, foi tornando-se amarga e trabalhando mecanicamente até o seu suicídio. Bertoleza, quando descobre que foi enganada e voltará a ser escrava, acha-se encurralada e, sem alternativa de fuga, mata-se em frente aos policiais que vieram capturá-la.
No entanto, outros tipos de personagens femininas compõem o retrato d’O cortiço. Em oposição à Bertoleza, temos a figura de Rita Baiana, que, ao contrário daquela que é dominada, esta domina o meio, manipula e desencaminha.
A semelhança entre Bertoleza e Rita Baiana está somente em sua descendência africana. Rita Baiana é a representação da terra, nesse caso do Brasil, o país que acolhe, encanta com suas formas, domina com seus costumes. Essa personagem age como uma aliada do determinismo, ela cativa a todos e desencaminha Jerônimo, mais por instinto do que por interesse.
Jerônimo é o personagem que faz um contraponto com João Romão, enquanto este vence o meio, aquele é vencido e desencaminhado. Os dois personagens são portugueses que vieram para o Brasil com o intuito de enriquecer; logo que chegam, devido à disposição de ambos para trabalhar e economizar, eles se assemelham. Porém seguem caminhos contrários, enquanto João Romão usa artifícios ilegais e imorais para alcançar seus objetivos; Jerônimo é o trabalhador honesto e responsável pai-de-família. Entretanto, sucumbido pelos encantos de Rita Baiana e dominado pelas influências do ambiente em que vive, não consegue manter suas convicções, suas características culturais e sua moral elevada por muito tempo. Na passagem a seguir podemos observar a transformação que o meio inculca no personagem.
“Uma transformação, lenta e profunda, operava-se nele, dia a dia, hora a hora, reviscerando-lhe o corpo e alando-lhe os sentidos, num trabalho misterioso e surdo de crisálida. A sua energia afrouxava lentamente: fazia-se contemplativo e amoroso. A vida americana e a natureza do Brasil patenteavam-lhe agora aspectos imprevistos e sedutores que o comoviam; esquecia dos seus primitivos sonhos de ambição, para idealizar felicidades novas, picantes e violentas; tornava-se liberal, imprevidente e franco, mais amigo de gastar do que de guardar, adquiria desejos, tomava gosto aos prazeres e volvia-se preguiçoso resignando-se, vencido, às imposições do sol e do calor, muralha de fogo com que o espírito eternamente revoltado do último tambor entrincheirou a pátria contra os conquistadores aventureiros.
E assim, pouco a pouco se foram reformando todos os seus hábitos singelos de aldeão português: e Jerônimo abrasileirou-se” pág. 79.
Além dos personagens que já foram citados, temos uma personagem feminina muito representativa na obra, Pombinha, com suas características de menina meiga, doentinha, atenciosa e disposta a ajudar quem precisasse que lhe escrevessem uma carta (habilidade rara na época), não se encaixava naquele meio, naquele antro de perdição.
Influenciada pela mãe, Pombinha casa-se após longo período de espera que a natureza faça o seu papel de transformar a menina em mulher. Só que essa mesma natureza que transforma o corpo da menina a envolve em desejos que vão além de uma vida pacata como dona-de-casa, mãe e filha exemplar.
Pombinha deixa-se conduzir por seus instintos, sucumbe à luxúria e ao adultério. Sem outra alternativa para a sua vida, e a única que escolheu, junta-se a Léonie, uma famosa prostituta que desde o início nutre pela menina um profundo desejo.
Nota-se que o autor na tentativa de representar com veemência os vários tipos humanos e suas peculiaridades, abordava assuntos como o lesbianismo e a prostituição, que não tinham vez na literatura até então, assim como põe em cena os efeminados e homossexuais representado pelo personagem Albino.
Todos os personagens são descritos em sua forma mais rudimentar e minuciosa para prevalecer ainda mais a verossimilhança, como podemos constatar pela descrição do personagem Albino:
“Fechava a fila das primeiras lavadeiras o Albino, um sujeito afeminado, fraco, cor de espargo cozido e com um cabelinho castanho, deslavado e pobre, que lhe caía, numa só linha, até o pescocinho mole e fino. Era lavadeiro e vivia sempre entre as mulheres, com quem já estava tão familiarizado que elas o tratavam como uma pessoa do mesmo sexo(...)” pág.40.
Voltando-se para a descrição, temos em primeiro plano o meio em que vivem e são retratados os tipos humanos na mesma proporção em que o cortiço vai se transformando e evoluindo, seus moradores também.
Aqueles que não se encaixavam mais na nova estalagem iam, ou por vontade própria ou expulsos, abandonando seus cômodos e migrando para outra estalagem que recebe os “dejetos” da São Romão, o Cabeça-de-Gato.
Mudando o ambiente, muda a representação dos personagens, os moradores antigos são substituídos por outros, trabalhadores em geral, entretanto mais valorizados e culturalmente mais respeitados, como artistas, pintores, alfaiates, comerciantes, etc.
Na passagem a seguir podemos verificar bem essa mudança:
“E, como a casa comercial de João Romão, prosperava igualmente a sua avenida. Já lá se não admitia assim qualquer pé-rapado: para entrar era preciso carta de fiança e uma recomendação especial. Os preços dos cômodos subiam, e muito dos antigos hóspedes, italianos principalmente, iam, por economia, desertando para o Cabeça-de-Gato e sendo substituídos por gente mais limpa. Decrescia também o número das lavadeiras, e a maior parte das casinhas eram ocupadas por pequenas famílias de operários, artistas e praticantes de secretaria. O cortiço aristocrizava-se” pág 176.
Analisando esses personagens e seus respectivos retratos humanos da sociedade, na época em que foi escrita a obra, podemos verificar a forte influência do Determinismo na construção e desenvolvimento das características na descrição dos personagens e do meio social.
Segundo o fundador da estética naturalista, Émile Zola, o qual foi objeto de inspiração para Aluísio Azevedo, na sua obra Le roman experimental, publicada em 1880, afirma: “O romance experimental substitui o estudo do homem abstrato e metafísico pelo homem natural, sujeito a leis físico-químicas e determinado pela influência do meio”(D’Onofrio apud Zola,2002, pág.381).

Referências Bibliográficas
GONZAGA, Sergius. Manual de Literatura Brasileira; 11ª ed.. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1994.
D’ONOFRIO, Salvatore. Literatura Ocidental. São Paulo: Ática, 2002.
AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. São Paulo: Moderna, 1993.

O CORTIÇO

O CORTIÇO
Natália Alberici Arrais

Aluísio Azevedo, influenciado por Émile Zola, o pioneiro da escola literária naturalista, que considerava que o homem era produto do meio, da raça e do momento histórico, segue o estilo naturalista, retratando de maneira objetiva as características das personagens, desnudando as mazelas humanas e sociais.
Assumindo uma perspectiva do alto, Aluísio faz descrições precisas das personagens d’o Cortiço, fazendo deste uma personagem, que algumas vezes ganha vida, como no trecho: “Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas a sua infinidade de portas e janelas alinhadas” (AZEVEDO, ALUÍSIO, 1890, p. 28).
Partindo da visão determinista, onde as pessoas são influenciadas pelo meio em que vivem, Aluísio dá características ao cortiço que determinam o comportamento dos indivíduos que ali vivem.
Uma personagem que foge a esse molde é João Romão, um português que explorava os moradores e uma escrava, a quem enganou com uma falsa carta de alforria. Sempre muito ambicioso, deixava de comer para guardar dinheiro. Seu objetivo era acumular e lucrar para enriquecer.
Quando teve oportunidade, engana Bertoleza, sua amiga, escrava que possuía uma quitanda. João Romão forja uma carta de alforria, oferecendo uma proposta à Bertoleza de viver com ele, se este cuidasse de seu dinheiro. Para Bertoleza era de grande valia viver com ele, pois não precisaria mais pagar vinte mil réis por mês ao seu dono, e aliás, considerava vantajoso submeter-se a alguém de raça superior a dela.
Bertoleza retratava a submissão dos negros da época, pois sentiam-se livres quando trocavam de donos, sem sequer saber o que era liberdade, pois continuavam a ser explorados da mesma forma. O fato de ter um dono de raça superior a sua, fazia com que Bertoleza ficasse mais feliz, sentindo grande prazer em trabalhar para João Romão. Enquanto este só se interessava em cuidar do dinheiro dela, pois é a partir dele que irá crescer economicamente.
Com a economia de Bertoleza, João Romão compra um terreno ao lado da venda, que já possuía, e à base de muito trabalho e exploração o cortiço crescia cada vez mais.
João Romão era um exemplo da nova classe que aparecia, que enriquece pelo trabalho e não por heranças, como o tradicional. João Romão não deixou influenciar-se pelo meio em que viveu, este até diferenciava-se e não deixava misturar-se com os moradores de seu cortiço. Ele é uma crítica ao capitalismo, pois é a vontade de enriquecer, não importa de que forma for, explorando outras pessoas.
Estimulado por esta crítica, está Miranda, vizinho do cortiço, dono de um sobrado e casado com Dona Estela. Após flagrar o adultério de sua mulher, Miranda decide não se separar dela, apenas viver em quartos separados, pois foi a partir da esposa que obteve uma vida melhor, por ela possuir dotes de 80 contos em prédios e ações da dívida pública. Além dos dotes, a separação seria um escândalo para família, decidindo acomodar-se em seu quarto individual. A crítica está na atitude de Miranda que mantém o casamento pelo interesse financeiro e para manter as aparências.
Miranda invejava a riqueza que João Romão construiu com o próprio trabalho, mas odiava a vizinhança que tinha, pois eram mulatos, pretos, lavadeiras, malandros, vadios, benzedeiras e assassinos.
Os moradores do cortiço representavam as mais diferentes figuras, porém todas elas tipos comuns, pobres e influenciados pelo meio em que viviam.
Entre essas figuras, quem mais sofreu com a influência do meio foi Jerônimo. Português, muda-se para o cortiço com sua esposa, Piedade, para trabalhar na Pedreira. Jerônimo era homem de caráter sério e de bons costumes trabalhador e honesto, saudosista e muito respeitador para com sua esposa que era muito fiel e submissa ao marido.
Seu caráter e seus costumes passam a se transformar quando vê Rita Baiana dançando. A partir daí, Jerônimo sofre o abrasileiramento, ao contrário de João Romão, degradando sua imagem. Passa a gostar das músicas, das comidas e dos costumes brasileiros. Passar a brigar com sua esposa, falta ao trabalho, bebe muito e a cada dia afeiçoa-se mais por Rita Baiana. Esta descrita como mulata sensual e provacante, característica atribuída à mulher de cor na época, era independente e rebelde, oprimia e seduzia os homens. Criticava o casamento, justificando que esse não era o seu destino, ser submissa a um homem. Rita destacava-se entre as mulheres do cortiço por sua sensualidade e por seus pensamentos, que contrariavam o modelo patriarcal. Suas características sempre destacadas eram sua cor e sua sensualidade. Descrição típica da época que valorizava muito a sexualidade e o corpo da mulher.
Outra mulher que cede à influência do meio é Pombinha. De início, uma “flor do cortiço”. Filha da lavadeira Isabel e noiva de João da Costa, possuía estudo e ajudava os moradores. Ainda não se casava porque sua menstruação ainda não tinha vindo. Menina acanhada e de bom comportamento, conhece Léonie, uma prostituta de alto nível. Sua ascensão social permitia transitar pelas ruas e teatros com seus amantes e, também, regressar ao cortiço para visitar sua afilhada. Léonie convida Pombinha a visitar sua casa, quando principia a sexualidade da menina, transformando os pensamentos desta.
Tempos depois, totalmente transformada e influenciada, Pombinha abandona o marido, junta-se a Léonie tornando-se prostituta, mostrando o quanto foi influenciada pelo meio em que vivia.
A obra apresenta como o meio influenciou grande parte das personagens. A forma como o autor identifica ou descreve as personagens, comparando-as com animais e/ou instintos animalizados, mostra a identificação das pessoas com o cortiço, diminuindo o valor das personagens moradoras do cortiço.
As personagens que não foram influenciadas pelo ambiente do cortiço, estavam do lado de fora deste, representando a sociedade elitizada que queria manter-se distante das pessoas “marginalizadas”, representando, também, o capitalismo, a vontade de crescer economicamente, não importando como, seja explorando o trabalho das pessoas ou roubando dinheiro delas.
O autor retrata o que realmente acontecia, o comportamento e os interesses das pessoas de ambas as classes.
Observamos que o estilo do cortiço e o comportamento das pessoas ainda permanecem atualmente. Favelas e periferias são o retrato ampliado de um cortiço; casas sem estrutura, aglomeradas umas com as outras; pessoas marginalizadas, com comportamentos irracionais; a ambição, a vontade de crescer economicamente, acima de tudo e pessoas estereotipadas, que vivem em razão da aparência.

AZEVEDO, Aluísio. O Cortiço. 6 ed. São Paulo: Ática, 1979.

BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura Brasileira. 43 ed. São Paulo: Cultrix, 2006.

AMPARO, Marília. Web Artigos. Disponível em . Acesso em 16 jun. 2008.

QUEIROZ, Alessandra. Web Artigos. Disponível em: . Acesso em 16 jun. 2008.

Klick Educação. Análise da obra. Disponível em: . Acesso em 16 jun. 2008.

Com todas as letras. Análise da obra. Disponível em: . Acesso em 16 jun. 2008.

Dados biográficos de Aluísio Azevedo. Disponível em: . Acesso em 16 jun. 2008.

A representação do negro no romance “O Cortiço”

A representação do negro no romance “O Cortiço”
“O que representam os personagens negros na obra de Aluísio Azevedo”
Por Karine Benites

A representação do negro na Literatura Brasileira é marcada pelo estereótipo e preconceito ao longo da época. Inexistente antes da abolição do tráfico de escravos, os negros passaram a ser representados pelos literários no final da fase indianista, época em que o espírito nacionalista era predominante. “O negro era de índole escrava, humilde e resignado, como aparece no romance de José de Alencar” (CASTILHO, 2004). Até mesmo os abolicionistas tinham dificuldade em verem positivamente os personagens negros, estereotipando-os, na fase naturalista, com exagerado tom imoral, descrevendo-os com feiúra e bestialidade, afirmando sua inferioridade tanto biológica como cultural. A mensagem que esses romances passavam é que “a companhia de negros não é saudável porque eles não controlam seus instintos animais, não tem moral e podem destruir a de quem tem, no caso, a moral dos brancos” (CASTILHO, 2004).
No livro “O Cortiço”, o escritor abolicionista Aluísio de Azevedo utilizou-se também dos estereótipos incumbidos à raça negra, o que podemos interpretar como uma crítica ou uma forma de demonstrar o nacionalismo. Sintonizado com o racismo científico em voga no século XIX chamado de Darwinismo_ teoria que afirma a existência de uma raça superior (a branca) e inferior (a escura) – o autor não escapou à observação racista de seus personagens, mostrando a preferência das mulheres negras em juntar-se aos brancos, no qual diziam ser uma “raça superior a sua”. Essa questão também é identificável na descrição dos “negros” e “mulatos”, pois o primeiro é caracterizado de forma negativa enquanto que o segundo se apresenta de forma mais positiva no romance.
Na vida do autor encontramos vários fatores que podem ter influenciado na construção dos personagens de sua obra. Aluísio de Azevedo nasceu no Maranhão, uma das regiões do Brasil com maior número de escravos e onde a cultura negra é muito forte; era filho de pais descasados o que, conseqüentemente, deve ter feito com que passasse por discriminações e preconceitos na sociedade em que viveu; morou no Rio de Janeiro, reconhecido como o berço do samba e do carnaval, e escreveu “O Mulato”, romance que marcou a primeira aparição do negro na literatura brasileira em contraposição aos escravistas de sua terra natal.
Proclamado como “O primeiro romancista de massas” da literatura brasileira, a cultura popular é retratada através dos personagens negros em “O Cortiço”: A comida, a música, a dança e algumas gírias são elementos dos costumes cujas origens estão registradas em nosso folclore de tradição africana.
A personagem Bertoleza, mulher trintona, negra e escrava, representa a sociedade escravocrata em processo de abolição e a vulnerabilidade social, pois mesmo estando supostamente “forra”, continua trabalhando como uma escrava e sendo submissa ao seu companheiro João Romão.O seu papel na obra possui várias interpretações: sob o ponto de vista positivo, a vida do português não teria melhorado e o Cortiço não existiria se Bertoleza não se juntasse a ele, pois foi com o dinheiro dela que o patrício pode comprar um terreno e fazer uma casinha para os dois morarem (antes disso ele dormia no balcão da venda).Na frase “O vendeiro nunca tivera tanta mobília” [...] (p.25),notamos a mudança significativa de condições que a ludibriada companheira lhe proporcionou, ajudando - o também na compra do terreno para o Cortiço.Podendo ter prosperado à custa do próprio trabalho em sua quitanda, Bertoleza ajuda a enriquecer o seu companheiro e é desprezada após o português ambicionar ares de nobreza e ascender na escala social.Neste momento aparecem os sentimentos, senso de justiça e auto - estima da personagem, quando conversou pela última vez com João Romão:

“_ Você está muito enganado, seu João, se cuida que se casa e ma atira à toa! exclamou ela. Sou negra, sim, mas tenho sentimentos! [...]”[...] “Você é fino, mas eu também sou![...]” “_Ora essa !Quero ficar a seu lado!Quero desfrutar o que nós dois ganhamos juntos!quero a minha parte no que fizemos com o nosso trabalho!quero o meu regalo, como você quer o seu![...]” “_Ah! agora não me enxergo!agora eu não presto para nada! Porém quando você precisou de mim não lhe ficava mal servir-se de meu corpo e agüentar a sua casa com o meu trabalho! Então a negra servia para um tudo;agora não presta para mais nada , e atira-se com ela no monturo do cisco![...]” ( p. 197).

Essas são suas únicas falas na obra suicidando-se logo após, diante do seu amante e da polícia.
Sob o ponto de vista negativo, sua representação está numa condição total de inferioridade: suja, fedorenta, feia, descrita como um animal, submissa, ignorante e sem emoções.
Em contraposição à forma pejorativa em que foi descrita Bertoleza, temos a mulata Rita Baiana, representante da personalidade brasileira e da nacionalidade. Foi através dela que o autor mostrou a maioria dos costumes populares: a música (pelo seu namorado Firmo), a dança, a comida e a bebida (o café e o parati), e atribuiu-lhe também inúmeras qualidades: é livre,bela, asseada, perfumada, alegre, independente, solidária, querida por todos do Cortiço, tem bons sentimentos, sabe cantar e dançar. Sua naturalidade baiana lhe conferiu sensualidade e rebeldia e, desde o momento em que aparece na obra, possui voz própia. Sob o ponto de vista negativo, a mulata é imoral, infiel, irresponsável, preguiçosa, de comportamento malicioso e pervertido, dominado pelo desejo e estímulos sensoriais.
As criadas de Miranda, Isaura e Leonor, também possuem descrições diferenciadas devido às suas etnias: Isaura é mulata, moça e tola; enquanto a “negrinha” Leonor é “lisa e seca”, tem carapinha e conhece a vasta “tecnologia da obscenidade”.
Marciana e sua filha Florinda apresentam também as mesmas características de Rita: a mãe é uma mulata respeitável e obcecada pela limpeza de sua casa, e sua filha uma morena bonita, cobiçada por seus atributos físicos e virgindade. A gravidez de Florinda desencadeou loucura e morte de sua mãe, enquanto que ela retorna à Avenida São Romão com os mesmos trejeitos de sua amiga baiana.
Essa diferenciação entre os negros e os mulatos continua presente nos personagens masculinos, porém não há uma caracterização tão evidente devido à falta de personagem negro para a contemplação.
O mulato Firmo é a figura do malandro carioca, o que também pode ser considerado símbolo do nacionalismo. Sua descrição intercala-se entre caracterização física positiva e a de personalidade negativa: é forte, perfumado, limpo, chefe de capoeira e sonha com um emprego no serviço público, porém é mulherengo, violento, vadio e cachaceiro. Junto de seu amigo Porfiro, mais escuro que ele e de cabelo “carapinhado”, tocam o samba e o choro - ritmo ligado tradicionalmente ao negro contraventor, esperto, sedutor e preguiçoso - mostrando assim mais dois costumes da cultura popular: o samba e a capoeira. Após ser assassinado por Jerônimo e seus amigos, esse acaba adquirindo a mesma personalidade de Firmo, o que o autor caracteriza como “abrasileirar-se”.
Alexandre, também mulato, encarna, entre a vizinhança a figura da lei; é policial de “queixo sempre escanhoado e um luxo de calças brancas engomadas e botões limpos na farda [...]” (p.45). Simpático e amigo de todos quando não está fardado, Alexandre tem uma porção de filhos o que pode ser interpretado como um representante da virilidade do homem “mulato” (ou será do homem “policial”?).
Nesta obra, temos um personagem sem cor: Albino, tipo afeminado que possui uma doença chamada albinismo – ausência de melanina, substância que dá cor à pele – descrevendo-o como “cor de espargo cozido”, o autor o fez representante do homossexualismo, o que era considerado na época também uma doença. Recluso por sofrer preconceito, o rapaz só saía do cortiço nos dias de carnaval, sua verdadeira paixão. A ligação carnaval e sexualidade é outra tradição cultural que o escritor não poderia deixar de fora. Sob o ponto de vista positivo, é descrito como uma pessoa caprichosa e querida por todos. Esse personagem albino também é marcado pelo Darwinismo, pois essa doença acontece com mais freqüência em pessoas negras.
Em meio a essas reflexões, podemos concluir que a diversidade racial na obra de Aluísio Azevedo é apresentada de forma estereotipada e influenciada pelas teorias vigentes no seu século, porém, o que infelizmente não podemos deixar de observar é que o racismo ainda continua, mesmo de forma disfarçada na nossa sociedade e cultura, principalmente em novelas. Em Duas Caras, novela global de horário nobre, é ainda mais evidente a discriminação racial que, mesmo sendo discutida ao longo dos capítulos, mostra os negros de forma estereotipada. Aliás, essa trama é considerada uma readaptação do livro que aqui analisamos.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Ana Z. e a fantástica descoberta da adolescência, por Claudia Eiffel

Estudar Ana Z. aonde vai você?, obra de Marina Colasanti, não é uma tarefa fácil se ao lermos a obra não voltarmos no tempo, através de nossas memórias, e visitarmos os sentimentos infantis e de transição entre infância e adolescência, pois a obra trata do rito de passagem entre essas duas fases. Então, se fizermos uma leitura linear e usarmos nossa percepção adulta somente, corremos o risco de deixar de perceber detalhes muito importantes que fazem da obra um referencial.
Para ler as obras dessa autora é indispensável o conhecimento prévio de simbolismos, já que as obras são ricas em elementos simbólicos significativos que exigem tal conhecimento.
Falando na autora, vamos às apresentações: Marina Colasanti, nasceu em 1937, em Asmara, na África, mas morou 11 anos na Itália, logo após veio para o Brasil, onde vive até agora. Trabalhou em jornalismo durante 29 anos e em publicidade durante 6 anos. A literatura, na vida de Marina, aconteceu concomitantemente. Ela brinca, dizendo em uma entrevista, que esses empregos foram seu ‘mestrado e doutorado no manuseio do texto’. Seu primeiro livro foi publicado em 1968 (Eu sozinha), e já conta com mais de 30 títulos (entre contos, crônicas, ensaios, poesia e livros infantis).
A obra que analisaremos foi publicada originalmente em 1993, pela Editora Ática, e em 1994 rendeu à autora o Prêmio Jabuti Infantil ou Juvenil.
A obra inicia com Ana Z., uma curiosa e corajosa menina, debruçada à beira de um poço para ver se existia água lá, acidentalmente ela deixa cair seu estimado colar de contas brancas. Ana então decide ir buscá-lo descendo as escadas, até o fundo do poço. Chegando lá encontra uma velha senhora tricotando um fio de água para os peixes que moravam lá, mas pela falta de água, tinham ido embora à procura de água. Ela encontra as contas brancas do colar, exceto uma: a maior e mais bonita, a senhora sugere que um dos peixes poderia ter engolido, diante disso Ana sai em busca da conta. A seguir ela encontra um mineiro que extraía ouro para fazer as escamas douradas dos peixes. Mais adiante, após encontrar dois consertadores de tumbas egípcias, ela encontra uma porta que dá para o deserto. Sua busca é sempre tentando encontrar os peixes para a fim de encontrar a conta do colar que falta. O próximo encontro é com um pastor e três cabras, com esse ela não consegue estabelecer diálogo. Numa das viagens pelo deserto, encontra um sultão e vai morar numa torre, onde ela conta histórias que ela mesma inventa. É importante esclarecer que essas histórias dela são uma mistura de elementos de várias histórias clássicas infantis. Pessoas e situações estranhas fazem o leitor viajar junto com ela numa caravana liderada por um cameleiro azul e uma cidade fantástica no meio do deserto, onde só tem areia, porém em frente a todas as casas tem barcos. Toda essa aventura é vivida em meio a um período de transição entre a infância e adolescência. Ana retorna de onde partiu e aí podemos ver que o tempo passou e ela cresceu, devido à dificuldade que ela tem de passar pelo buraco no chão da sala da tumba.
É bem possível que ao ler, já no início da leitura da obra, façamos associações à outra obra muito conhecida da literatura infantil: Alice no país das maravilhas, de Lewis Carroll, isso se dá pelo gênero literário em que ambas estão inseridas: o fantástico. Resumidamente poderíamos conceituá-lo como aquele que brinca com as pontes entre o real e o irreal, mas para não sermos tão simplistas, optamos pelo conceito de Jacqueline Held, que diz assim:
(...) pertencerá à literatura fantástica toda a obra na qual temática, situação, atmosfera, mesmo linguagem, ou tudo isso junto, nos introduzirão num outro mundo que não ou da percepção comum, diferente, estrangeiro, estranho, que nos permite voltar, pouco a pouco, ao longo da reflexão, a esses diferentes componentes. (HELD, 1980, p.30).

A semelhança entre as obras vai além do gênero, as duas obras têm como personagem principal uma menina e ambas iniciam a história partindo para um mundo diferente e encontrando situações ou pessoas incomuns ao mundo real, a autora Marina Colassanti discorda dessa semelhança e nos convida a examinarmos mais a fundo as obras, segundo ela:

(...)há diferenças fundamentais de conceito e momento social. Alice cai na toca. Ana não cai, ela escolhe descer, ir ao fundo. Alice é levada pelos acontecimentos. Ana realiza uma busca voluntária, vai atrás do seu desejo. Alice acorda, tudo foi um sonho. Ana não precisa acordar, porque não sonhou. Ana renasce ao término da viagem, passa, como em um parto simbólico, da infância à adolescência. Ana cresceu na viagem: (COLASSANTI, 2003).

É importante salientar que é comum nosso cérebro fazer associações com o que já conhecemos. Como afirma Dias:

O primordial de uma leitura é ser significativa para quem lê, por conseguinte este irá associar a outros textos já lidos, estabelecendo assim a intertextualidade. Uma relação de diálogo é instaurada, aberta e livre, pois no tocante à leitura do textos simbólicos solicitará do leitor uma inferência, uma participação ativa na construção dos significados (DIAS, 2001, p.24)

A autora discorda quanto às semelhanças, mas admite ter sido influenciada pelas muitas leituras que foram feitas na infância, e ela atribui grande importância ao processo criativo que toma corpo através de textos bem trabalhados e que priorizam certas esferas do pensamento: “Estou atrás de outras coisas, da emoção, do trânsito livre num universo que os outros chamam de fantástico, das pontes que desse universo se estendem para o inconsciente” (COLASSANTI, 2002).
Atenta às questões feministas, Marina Colasanti afirma que o feminismo e o papel da mulher na sociedade são temas constantes nas suas obras. E a obra Ana Z. aonde vai você?, chega ser apontada pela Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, como forma de auxílio no desenvolvimento da educação das meninas em situações de risco devido à extrema pobreza e o contexto social em que estão inseridas. A obra funcionaria como uma espécie de viagem interior que, ao final, resultaria em mulheres donas do próprio destino, independentes, que fabricam sua própria liberdade. Percebemos que a obra pode auxiliar nesse processo de conscientização através da viagem da personagem, que pode simbolizar o processo de libertação, emancipação e auto-conhecimento da mulher. No entanto, é importante salientar que a obra tem a pretensão de atender a um público infanto-juvenil. E não exclusivamente a um gênero feminino.
A respeito da condição feminina, uma importante declaração da autora esclarece:
Recentemente, chegou em minhas mãos uma pesquisa francesa feita com crianças e pré-adolescentes onde se percebe claramente que os super-heróis, o jornal, os óculos, a pasta de trabalho e o carro continuam sendo símbolos masculinos, enquanto a figura da mulher ainda aparece ligada à maternidade e à função de dona de casa. E o incrível é que a maioria desses livros foi escrita por mulheres. Eu mesma tenho livros com essas características. Mas percebi isso a tempo de escrever algo como Ana Z, aonde vai você?, protagonizado por uma garota aventureira (COLASSANTI, 2002).

A literatura destinada ao público infantil é um acontecimento recente na história da humanidade, tendo surgido entre os séculos XVII e XVIII na Europa, num período em que a infância não se parecia em nada com a da modernidade. A idéia de proteção da criança era completamente diferente, as crianças na idade média, por exemplo, participavam de todos os eventos sociais (mortes, guerras, etc). Com a conquista do poder econômico pela burguesia, iniciou-se a organização da sociedade com noções de família e distribuições dos papeis familiares bem definidos. Para auxiliar as famílias na formação das crianças surge a escola que tem fundamental importância, e é nesse contexto que surge o livro infantil, como ferramenta de auxilio nessa tarefa. E é por causa deste comprometimento inicial da literatura, que até nossos dias sofremos as conseqüências de ter muita literatura infantil atendendo a fins pedagógicos, enquanto deveria divertir, ampliar horizontes. Segundo Salvatore D’Onofrio, na concepção horaciana:

(...) a arte não tem outra finalidade a não ser provocar o prazer estético. A literatura tem uma validade intrínseca e é autônoma em relação às outras atividades do saber humano e do viver social. Essa teoria, baseada no conceito de "arte pela arte", focaliza os elementos significantes e expressivos da obra literária. (D’ONOFRIO, 1995. p. 120)

No Brasil, o boom da literatura infantil se dá nas últimas três décadas, do século XX, período em que está inserida a obra que estamos analisando.
Vários elementos tornam essa narrativa interessante, um deles é, sem dúvida, o recurso literário usado pela autora na construção do narrador que alterna entre primeira e terceira pessoas dando à narrativa ora subjetividade, ora onisciência, causa no leitor um sentimento de cumplicidade com o narrador, causando uma impressão de afinidade e amizade entre os dois. A autora coloca-se no mesmo nível do leitor, o que faz com que se sinta convidado a participar da história.
Em um trecho, o narrador tenta adivinhar até mesmo os desejos da personagem:
Acompanhei Ana até aqui, entrei com ela na casa. Quando sentou-se no banco, temi que não houvesse banco nenhum e ela caísse no chão. Mas Ana deve ter desejado muito aquela casa, que a mulher também desejava, assim como a desejavam as andorinhas que abrigavam seus ninhos sob as telhas, e a roseira que lhe escalava a parede, tornando-a fresca e acolhedora. O fato é que Ana sentou-se. (...)
Tudo isso eu vi. Ainda esperei até mais tarde, até a hora de Ana ir deitar-se. Só quando tive certeza de que dormia, na cama estreita e limpa, deixei-a. E fui tratar da minha vida. (COLASSANTI, 1994, p. 32).


Observa-se que os símbolos estão presentes em toda a obra, apresentaremos alguns: Acreditamos que o poço seja uma espécie de túnel de passagem que Ana atravessa em busca de seus desejos. O fato dela descer ao fundo do poço para buscar as contas do colar, é interpretado de diversas formas pelos leitores; alguns acreditam que o início da adolescência é esse período em que descemos no fundo do poço dos nossos sentimentos, onde tudo é intenso, de forma que possamos construir nossa personalidade, alguns abandonando velhos conceitos impostos pela família, escola, religião, etc. e outros buscando novos. A escuridão que acompanha Ana nos primeiros capítulos do livro, traduzem bem esse sentimento de ansiedade e indefinições na busca de uma nova fase da vida. Grande parte da história se passa no deserto onde Ana procura os peixes, que, por sua vez, buscam água, a água simboliza a fonte de vida. O encontro com o pastor que não a compreende e por quem não é compreendida é a descrição dos conflitos que os adolescentes passam em relação ao diálogo. A última, e acreditamos mais significativa das imagens simbólicas da obra, é a passagem dela pelo buraco da sala que simboliza o parto, o nascimento dela para uma nova vida, a idade adulta. Um trecho relata de forma extraordinária a semelhança:

(...) a cabeça sai primeiro, que é o mais fácil. Mas os ombros entalam, são largos demais. Ana se espreme, se deita, tenta de toda maneira, enfia um braço pela abertura, para puxar-se com a mão já do lado de lá(...) Porém, aos poucos, como se a parede tivesse pena dela e cedesse passagem, Ana vai avançando rumo ao outro lado. Até que, livres os ombros e os braços, pode parar um instante para descansar, respirar com força e, numa última arrancada, passar pelo resto do corpo para dentro da mina (COLASSANTI, 1994, p. 78-79).

As muitas situações simbólicas vividas por Ana, que estão no livro, só têm sentido por estarem inseridas na viagem ao interior do poço, que pode ser traduzida como a viagem pelo interior de nós mesmos. Simbolizando a fase do amadurecimento da infância para a fase adulta.
É possível que cada leitor possa fazer uma interpretação diferente do texto, mas todos terminarão a leitura convencidos de que a viagem era necessária e inevitável para Ana e para cada um de nós.

REFERÊNCIAS
COLASSANTI, M. Ana Z. Aonde vai você?. 5. ed. São Paulo: Ática, 1994. (Série aberto)
D’ONOFRIO, Salvatore. Teoria do texto 1: Prolegômenos e teoria narrativa. São Paulo: Ática, 1995.
________ disponível em: http://rbep.inep.gov.br/index.php/RBEP/article/viewFile/351/355. acesso em 30.11.2007
________ disponível em: http://www.record.com.br/entrevista.asp?entrevista=56 acesso em 30.11.2007

________ disponível em: http://www.ricardoazevedo.com.br/Artigo05.htm, acesso em 30.11.2007.

HELD, J. O imaginário do poder. As crianças e a literatura fantástica. São Paulo: Summus, 1980.

Camilo Castelo Branco: " A arte imita a vida ou a vida imita a arte?", por Karine Reis Benites

Este ensaio tem como enfoque analisar a obra “Amor de Perdição” relacionando-a à vida do autor Camilo Castelo Branco. Pertencente à segunda fase do Romantismo Português, chamada Ultra - Romantismo (caracterizada pelo exagero), o autor escreve em suas narrativas o reflexo de sua vida: a instabilidade, a morte, os raptos e os conflitos entre a paixão e a razão são constantes e intensas.
Órfão de pai e mãe aos dez anos foi criado junto com sua irmã por sua tia paterna Rita Emília, onde ouvia as histórias de sua família, muitas delas expostas no livro.
A relação da sua vida com a obra já começa no início da mesma onde ele diz tratar da reconstituição da “triste historia de meu tio paterno Simão Botelho”, onde descreve a trajetória desde o seu avô paterno Domingos Botelho, o Dr. Brocas, e sua mulher Rita Preciosa, o nascimento de seus cinco filhos Manuel, Simão, Maria, Ana e a caçula Rita (sua tia paterna), até o encontro de Simão e Tereza, personagem inventada por Camilo.
Os personagens da obra são idealizados, o Simão da obra, considerado um herói romântico, tem as mesmas características do autor: era desajustado, inconseqüente e violento e se converte aos bons modos por amor. Apaixonou-se aos dezesseis anos e tinha ideais revolucionários, tentou raptar Tereza quando mataram seu rival Baltazar Coutinho, e se entregou á polícia mostrando sua coragem e caráter. Camilo casou-se pela primeira vez com dezesseis anos com uma aldeã humilde, após, abandona-a e rapta uma mulher casada. Ao fugirem, chegam a ser presos, mas o caso não teve continuidade. Teve uma vida boêmia e muito agitada por escândalos, mas larga tudo por amor à Ana Plácido, sendo fiel a ela. Como Ana era casada, abandonou o marido para ficar com Camilo e foram presos por crime de adultério. Seu companheiro consegue fugir, mas se entrega à polícia ficando ambos presos por um ano e quinze dias nas Cadeias da Relação em Porto, onde ele escreveu o livro.
Tereza de Albuquerque não existiu na vida real, mas encontramos nela muitas características de mulheres que Camilo conviveu: Considerada uma heroína romântica, a aparentemente frágil Tereza da obra tem um forte caráter e contraria seu pai em nome do seu amor; rompe com os desígnios da sociedade e de sua família em defesa de seus sentimentos, lutando para não se casar com seu primo Baltazar, que é a vontade de seu pai, e, por conseqüência, vai para o convento e morre quase cadavérica. A história de Tereza tem muito a ver com a de Ana Plácido, que teve que casar contra sua vontade, pois estava prometida por seu pai a um capitalista do Porto, mas com sua personalidade forte acaba abandonando-o, vai viver com Camilo e acaba sendo presa. Já o final de Teresa apresenta uma característica física de sua tia Rita, pois no livro “Introdução e Comentários”, de José de Nicola, Camilo comenta que sua tia era “decrépita e cadavérica”.
A vida de Tereza no convento é muito criticada pelo autor e é mais um elemento que teve relação com sua vida pessoal: Na obra, o convento era mostrado como um antro de hipocrisia, falsidade e erotismo (mostrado pelo interesse de um padre em Mariana quando ela vai á procura de notícias de Teresa no convento).A personagem Dionísia Imaculada Conceição apresenta um nome significativo e, como Dionísio, bebia vinho, o que é uma postura incomum para uma freira. Na vida real, Camilo vive uma intensa crise existencial e se matricula no seminário do Porto disposto a ser padre, mas acaba se envolvendo com uma freira de cinqüenta anos, Isabel Cândida, e em seguida desiste do seminário.
A personagem Mariana representa o amor sem medidas, abnega de seus sentimentos a favor da felicidade de Simão e ajuda-o na sua relação com Tereza, serve-o desinteressadamente e é quem mais sofre na história. Por ser de uma classe inferior, Camilo usa esta personagem para retratar também dois pontos discutíveis da sociedade: a força e a liberdade da mulher simples em relação à submissão da mulher de família nobre perante a figura paterna.
Ela possui características físicas de sua primeira esposa, uma camponesa simples que morava numa aldeia, como também pode estar fazendo referência à sua mãe Jacinta Rosa do Espírito Santo, que era criada de seu pai, sendo assim, da classe popular.
João da Cruz, pai de Mariana é, na obra, o único personagem com traços realistas; provido de linguagem popular, é ferreiro e dedica grande amor e admiração à filha, é sensato e representa na obra a visão do autor sobre a vida rural de Portugal.
Tadeu de Albuquerque, pai de Tereza, é autoritário e inflexível, interessado em casá-la com Baltazar Coutinho para impedir que sua filha se relacione com sua família inimiga (por questões sociais). Na vida real, assemelha-se ao pai de Ana Plácido, que casou a filha por interesse com Manuel Pinheiro Alves.
Domingos Botelho, pai de Simão, por orgulho, é contra o relacionamento do filho com a família de seu rival, é rigorosamente preso aos padrões sociais, capaz de abandonar o filho á própria sorte para não usar seu poder de corregedor. Aparece idealizado na obra.
Baltazar Coutinho é o primo de Tereza e tem interesse no dote dela. Na vida real, tem uma característica do povo burguês, que é o de tratar o casamento como um negócio, por puro interesse financeiro.
Manuel Botelho é o irmão de Simão com o qual tinham uma relação conflituosa. Na trama, vai viver com uma mulher casada, o que será reconhecido como escândalo naquela época, que será abafado pelo pai que os separam. Manuel é pai do autor na vida real, e as relações amorosas do escritor são também, na sua maioria, com mulheres casadas.
O espaço externo da trama localiza-se entre Viseu e Porto, lugares onde o escritor viveu e que foi palco de escândalos, pois foi em Porto que Camilo foi preso com sua amada, Ana Plácido.Quanto ao espaço interno, tanto em Viseu como em Porto, os protagonistas do romance dificilmente estão em liberdade. Simão, por ter que se manter escondido na casa de João da Cruz sem o apoio da família; e Tereza, porque o pai a mantém presa dentro de casa e depois no convento. No Porto, ele (assim como Camilo quando escreveu o livro) está na prisão e Tereza em Monchique.
È uma grande coincidência Camilo estar preso no mesmo lugar em que, anos antes, foi preso seu tio, mesmo que seja por motivos diferentes (seu tio foi preso por uma briga de rua) não acham?
A morte também é uma característica que tem uma forte relação com a vida de Camilo.Na história os três apaixonados se matam por amor: começando por Tereza, que morreu vendo seu amado partir para o Regredo; ao saber da morte de sua amada, Simão adoece e morre no décimo dia de sua viagem. Quando seu corpo é jogado no mar, Mariana, que perdera também seu pai e estava completamente sozinha, joga-se ao mar morrendo abraçada no seu amado. Na história, de vida de Camilo a morte lhe acompanha desde cedo com a perda de seus pais (sua mãe com dois anos e seu pai com dez), e ao ser criado com sua tia ouvindo histórias sobre seu avô assassinado e seu tio morto no Degredo. Já no final de sua vida, os problemas familiares como também os de saúde (Camilo fica cego por causa da sífilis) juntamente com os financeiros tornaram seus últimos anos num martírio: Jorge, seu primeiro filho, tem problemas mentais e Nuno, seu segundo filho, se envolve em vários escândalos entre eles o de raptar uma moça com a ajuda de seu pai (seria mais uma coincidência com a obra?). Dentre tantas conturbações Camilo dá fim á própria vida em primeiro de junho de 1890.
Diante dessa análise pergunto: “Será que a vida imita a arte, ou a arte imita a vida?”.



Referências


BRANCO, Camilo Castelo.Amor de Perdição.São Paulo: Ática, 1998.

NICOLA, José de.Introdução e Comentários.In: BRANCO, Camilo Castelo.Amor de Perdição.São Paulo: Scipione, 1994.

WWW.mundocultural.com.br/analise/amor_perdic.pdf 28/11/2007 ás 2h e 30min

HTTP://www.portrasdasletras.com.br/pdt12/sub.php?op=resumos/docs/amordeperdicao27/11/2007 ás 23h e 35min

"Reinações de Narizinho", eterno ícone da Literatura Infantil Brasileira, por Vera Regina Pinto Mendes

Monteiro Lobato escreveu mais da metade de seus livros para o público infantil, foi quem transformou o livro num elemento de diálogo entre a criança e o adulto,percebe-se assim a paixão que tinha pelas crianças.
Em Reinações de Narizinho sua mais importante obra no gênero infantil Monteiro Lobato faz uso de uma linguagem simples onde realidade e fantasias estão lado a lado com habilidade única de quem é excelência no assunto.
Assim vai tramando uma série infinita de cenas e aventuras em Reinações de Narizinho tendo como protagonista Lúcia,a menina do narizinho arrebitado ou Narizinho como todos dizem.
“Numa casinha branca, lá no Sitio do Pica-pau Amarelo, mora uma velha de mais de sessenta anos chama-se Dona Benta. Quem passa pela estrada e a vê na varanda, de cestinha de costura ao colo e óculos de ouro na ponta do nariz segue seu caminho pensando: -Que tristeza viver assim tão sozinha neste deserto” (pág 7).
Esse início da obra é um convite ao leitor que o narrador faz brilhante, que se por lá passássemos também pensaríamos dessa maneira.
Mas como ele mesmo fala, engana-se. “Dona Benta é a mais feliz das vovós porque vive em companhia da mais encantadora das netas” (pág 7).
Lucia, uma menina de sete anos, morena como jambo, gosta de pipoca e já sabe fazer bolinhos de polvilho bem gostosos.
O narrador nos apresenta a personagem Narizinho de uma forma envolvente, faz uso de palavras simples, comuns para a época que foi escrita, e assim, aos poucos vamos entrando na história.
“Na casa ainda existem duas pessoas Tia Nastácia e Emília, uma boneca de pano bastante desajeitada de corpo, mas mesmo assim Narizinho gosta muito dela” (pág 7).
Percebemos que o narrador se refere à boneca como pessoa, é essa linguagem encantadora que os personagens vão sendo criados de uma forma real e fantasiosa ao mesmo tempo.
“Além da boneca, o outro encanto da menina é o ribeirão que passa pelos fundos do pomar. Suas águas, muito apressadinhas e mexeriqueiras, correm por entre pedras negras de limo, que Lúcia chama as tias Nastácia do rio” (pág 7).
A natureza está muito presente na obra, mais uma característica de Monteiro Lobato, que foi pioneiro na luta pela preservação de nossas florestas, de nossos índios e de nossos bichos.
Voltando á Reinações de Narizinho:
“Lúcia sentiu os olhos pesados de sono, deitou-se na grama com a boneca e ficou seguindo as nuvens que passavam pelo céu, formando ora castelos ora camelos. E já ia dormindo, embalada pelo mexerico das águas, quando sentiu cócegas no rosto. Arregalou os olhos; um peixinho vestido de gente estava de pé na ponta do seu nariz”.(pág 8)
Nesta passagem da obra percebemos que o narrador faz uso dos pequenos detalhes, a delicadeza, o mundo fantástico do qual a criança faz parte, e percebemos a semelhança com personagens de outras obras, como o que ocorre com a personagem Alice no País Das Maravilhas, de Lewis Carrol, que entediada, mergulha num mundo de fantasias e vive mil aventuras.
A partir de agora começamos a entrar neste mundo e vamos conhecer os outros bichos falantes, a começar pelo Mestre Cascudo, Príncipe Escamado Rei do Reino das Águas Claras, Doutor Caramujo que da a Emília uma pílula falante e a deixa falar até pelos cotovelos, Dona Baratinha com suas histórias já emboroladas, Dona Aranha a melhor costureira do reino, Rabicó um leitão muito guloso e Visconde de Sabugosa este feito pelo primo de Narizinho o Pedrinho que veio passar as férias no Sitio do Pica-pau Amarelo.
O realismo é impressionante, começamos a entrar na história e perceber que os personagens usam um linguajar que reflete os termos usados pelas crianças, o que facilita a identificação com esse público. Vamos falar de Emília, que após tomar a pílula falante falou por três horas sem tomar fôlego:
“Emília é de um gênio teimoso como ela só” (pág 21), assim o narrador nos apresenta a essa personagem e percebemos que a boneca não gosta de ser contrariada, fala errado ainda algumas palavras, afinal faz pouco tempo que começou a falar, é muito curiosa, gosta de ouvir histórias infantis no colo.
Fazendo um olhar histórico sobre a literatura Infantil, percebemos que o mundo da Literatura Infantil é mágico.
As palavras têm o poder de nos envolver e transportar para um lugar que não é só imaginário, mas também real.
Real porque se pode viver, imaginar, sentir, aprender, sonhar. Porém esse entendimento nem sempre foi assim, pois quando surgiu a Literatura Infantil e a escola, a ideologia que ambos possuíam era controlar os desenvolvimentos intelectuais da criança, manipulando suas idéias e sentimentos.
Monteiro Lobato foi pioneiro em dar voz à criança, é através da personagem Emília que identificamos as características pertinente desse público e o porquê de sua obra ser tão atual ainda hoje.
É através de seus personagens que se instaura um novo espaço e tempo, levando-se em consideração a época em que a mídia mais poderosa era o rádio, e não voltada ao público infantil, não existia televisão e eram poucas as opções de lazer.
Reinações de Narizinho mesmo sendo um livro com capítulos extensos, poucas ilustrações, continua sendo referência dessa nova idéia de Literatura Infantil, podemos dizer que é o eterno ícone da literatura infantil brasileira.
Cabe a nós, professores, sermos criativos e levar aos alunos a conhecer esse mundo imaginário que Monteiro Lobato ilustra em Reinações de Narizinho.



Bibliografia
Lobato Monteiro,Reinações de Narizinho
http://www.monteirolobato.tur.br/jbml.htm
acessado em 05/12/07.

O "mal-do-século" na vida e na obra "Amor de perdição", de Camilo Castelo Branco, por Vanderléia Costa

Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco nasceu em 16 de março de 1825, em Lisboa. Órfão de mãe aos dois anos e de pai aos dez, sua trajetória de vida foi marcada por tragédias e grandes repercussões. Pode-se dizer que foi escritor e personagem de suas obras, principalmente a mais famosa: Amor de Perdição, que foi publicada em 1862, da qual há registros de que ele a tenha escrito quando estava preso pelo crime de adultério praticado com Ana Plácido, sua última aventura amorosa que com quem permaneceu até o fim da vida. Este fato pode ser comprovado por uma passagem da narrativa, na qual o narrador onisciente e intruso (situação que ocorre com freqüência na narrativa) mete-se na história e conta a partir de si e de seu ponto de vista, assim como de sua situação:
“Esquecido, não. Muito há que reluz e voeja, alada como o ideal querubim dos santos, nesta minha quase escuridade, aquela ave do céu, como a pediu-me que lhe cubra de flores o rastilho de sangue que ela deixou na terra.”(pág. 93) Nessa passagem o narrador faz uma alusão à palavra “escuridade” para definir a situação em que ele se encontra ao escrever a história; e num diálogo com o leitor, traz de volta a trama à personagem Teresa, colocada em segundo plano em alguns capítulos, para evidenciar o personagem heróico Simão.
Ainda como comprovação de que ele escreveu enquanto estava preso, temos no prefácio da segunda edição: “Nas memórias do cárcere, referindo-me ao romance que novamente se imprime, escrevi estas linhas:” (pág. 13) Ou em: “ Escrevi o romance em 15 dias, os mais atormentados de minha vida.”(pág. 13) E na dedicatória ao ministro: “Na cadeia da Relação do Porto, aos 24 de setembro de 1861.”(pág.11)
A obra Amor de Perdição é baseada na história real do tio de Camilo Castelo Branco, Simão Antônio Botelho, história essa que era contada por sua tia Rita, com a qual o autor viveu depois de órfão. A sua tia também aparece na novela, como a personagem Rita Preciosa, mãe de Simão, a qual tem pouca influência na trama, pelo simples fato de ser mulher numa sociedade portuguesa totalmente machista, em pleno século XIX, onde as mulheres não tinham voz ativa e não conviviam socialmente, por mais respeito que representassem, tinham que se submeter aos mandos e desmandos do marido ou pai, ao passo que o próprio narrador dessa história carrega nessa opinião, como podemos verificar numa passagem da narrativa: “- Senhora, em coisas de pouca monta o seu domínio era tolerável; em questões de honra, o seu domínio acabou: deixe-me. – D.Rita quando tal ouviu, sentiu-se mulher, e retirou-se”.(pág. 83)
Camilo Castelo Branco além de retratar os costumes e a vida da sociedade daquela época em suas obras, faz parte da segunda geração do Romantismo português, também conhecida como ultra-romantismo, que é marcado pelo exagero, desequilíbrio e sentimentalismo. Portanto, é uma descrição com muito mais emoção, dando valor ao tédio, à melancolia, ao desespero, ao pessimismo e à fantasia.
Uma das características mais marcantes na obra que se encaixa nas definições do ultra-romantismo é o pessimismo, ou o “mal-do-século”, que pode ser definido como o refúgio, a solução para a frustração apresentada pela falta de escape mais significativo para o desfecho da obra.
A moda que surgiu com a obra “Os sofrimentos do jovem Werthe”, de Goethe, teve grande aceitação no grupo dos ultra-românticos em Portugal, era uma honra e um sonho morrer na adolescência ou início da idade adulta. Diz M. Moisés (1986):
“Em Portugal, a onda de suicídios cresceu tanto que os jornais tiveram de fazer, nos fins do século XIX, uma campanha de silêncio para impedir que aumentasse ainda mais o número de tresloucados”.
Na obra de Camilo, a personagem consideravelmente mais romântica da novela e que se enquadra perfeitamente nessa definição, é Mariana; com seu amor platônico e incondicional, ela chega ao fim da trama provocando seu suicídio. Lemos na obra:
“Dois homens ergueram o morto ao alto sobre a amurada. Deram-lhe o balanço para o arremessarem longe. E, antes que o baque do cadáver se fizesse ouvir na água, todos viram, e ninguém já pode segurar Mariana, que se atirara ao mar.”(pág. 135)
E ainda:
“Viram-na, um momento, bracejar, não para resistir à morte, mas para abraçar-se ao cadáver de Simão, que uma onda lhe atirou aos braços”.(pág. 135)
Baseado em todo esse amor e dedicação que Mariana dava a Simão, sem lhe pedir nada em troca, muitos devem se perguntar, por quê diante da impossibilidade de ficar com Teresa, o narrador não preferiu unir Simão à Mariana? Este seria um final muito realista para uma obra ultra-romântica, seria preciso que o narrador permitisse ao personagem enxergar além do seu “eu”. À fora isso, as características egocêntricas do romantismo também impediam a união de Mariana e Simão, assim como a diferença de classe social, uma moça humilde nunca poderia unir-se a um jovem rico. E, mais, o casal Teresa e Simão estava destinado a permanecer amando um ao outro até o fim.
O suicídio também está presente na obra de uma forma indireta, com a morte em câmera-lenta dos personagens principais, Simão e Teresa. Ambos deixam-se morrer, decepcionados com as suas situações e transtornados pela saudade e falta que sentem um do outro. À primeira vista, parece inverossímil que jovens possam morrer de morte natural, mas se formos levar em conta a época em que foi narrada a novela, no século XIX, supõe-se que a medicina ainda não era dotada de tantos benefícios à saúde. Desse modo, dois jovens que encontram como única alternativa heróica para suas vidas a morte, deixam-se levar pelas fraquezas e debilidades de seus corpos, definhando até o fim.
Assim como a arte imita a vida ou a vida imita a arte, o desfecho de Camilo Castelo Branco é uma cópia fiel de sua obra; aos 65 anos, debilitado pela doença e pelas perturbações e dificuldades da família, e após ficar cego, suicida-se com um tiro no ouvido.
Esse é o fim trágico de um dos escritores mais populares de Portugal, representante da geração ultra-romântica, que levou suas concepções até o fim da vida, afinal “um personagem ultra-romântico não pode morrer lentamente de velhice”.











REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRANCO, Camilo Castelo. Amor de Perdição. São Paulo: Ática, 1995.
MOISÉS, Massaud. A Literatura Portuguesa. São Paulo: Cultrix, 1986.
NICOLA, José de. Introdução e comentários. In: BRANCO, Camilo Castelo. Amor de Perdição. São Paulo: Scipione, 1994.

O universo ideológico da obra "A bolsa amarela", por Patrícia Paculski

Autora da obra “A Bolsa Amarela”, Lygia Bojunga Nunes, nasceu em Pelotas. Mudou-se, aos oito anos, para o Rio de Janeiro com sua família. Lá, a autora pretendia estudar medicina, porém dedicou-se para o teatro após ter conquistado o primeiro lugar em teses que Pascoal Carlos Magno realizava no teatro Duse em Santa Tereza. Trabalhou como atriz durante dois anos, depois, trabalhou em rádio e em seguida à televisão (escrevia textos, traduzia, adaptava e representava).
Em 1964, a autora mudou-se para um vale, no estado do Rio de Janeiro, pois queria viver mais “próxima” da natureza. Nesse local, o marido e ela fundaram uma pequena escola rural, os quais a mantiveram durante cinco anos. Em 1979, a autora muda-se com o marido para a Inglaterra, porém mantiveram sua residência no Rio de Janeiro.
A autora revela-se na literatura infanto-juvenil, ou seja, a sua literatura é destinada para o público pré-adolescente e adolescente. Ela é acolhida tanto pelo público leitor quanto pelos críticos, em sua estréia em 1972. A partir daí, a escritora foi consagrada uma das mais respeitadas autoras da literatura infanto-juvenil, tendo todos os seus títulos premiados ou recebido distinções de honra.
Em 1982, o IBBY (International Board on Books for Young People) concede-lhe o prêmio Hans Christian Andersen (um dos maiores prêmios da literatura infanto-juvenil), sendo a primeira escritora fora do eixo Europa-EUA a ganhar esse “nobel” da literatura infanto-juvenil. Outro prêmio que a autora ganhou pelo conjunto de obras é o ALMA (Astrid Lindgren Memorial Award), em 2004, que é o maior prêmio internacional jamais instituído na literatura para crianças e jovens.
A escritora cria um novo “modelo” na literatura infato-juvenil. Seus assuntos abordam problemas existentes nas relações humanas. Seus livros possuem muito do lúdico-crítica, discutem a realidade dos papéis sociais, procurando mostrar ao leitor que nossa vida não está pré-determinada.
A autora também publicou outras obras, tais como: Os colegas, Angélica, A Casa da Madrinha, A Corda Bamba, O Sofá Estampado, O Meu Amigo Pintor, Tchau, Nós Três e Feito à mão. Porém, nesse trabalho será analisada somente a obra “A Bolsa Amarela”.
A obra é um romance, que conta a história de Raquel, a filha caçula da casa. Seus irmãos tinham 10 anos de diferença, não lhe davam atenção porque achavam que criança nunca sabia de nada. Sendo assim, Raquel (que é uma menina inteligente, divertida e muito observadora) começa escrever para seus amigos imaginários porque se sente muito solitária e incompreendida. Ela tinha três vontades e queria escondê-las – a de querer ser gente grande, nascer menino e de se tornar uma escritora. Porém não achava lugar algum. Então, um dia ela “ganha” uma Bolsa amarela (ganha porque ninguém tinha gostado da bolsa). Ao abrir a bolsa, Raquel (a personagem e narradora da história) se encanta ao ver que na bolsa caberia todas as suas vontades. Sendo assim, guarda em cada bolso as suas vontades, inclusive um alfinete de fraldas e os nomes que ela gostava. Fazendo da bolsa um esconderijo para todas as suas vontades e invenções.
Porém, entre todas essas vontades que ela queria esconder, uma vontade estava ao seu alcance: de ser escritora, nem que fosse só para treinar. Escrevendo algumas cartas, enfim, fingindo que era escritora. A partir daí, começam as histórias engraçadas e comoventes da nossa personagem principal, para a qual se torna difícil separar o real com o imaginário.
Essa característica da mistura com o real e o imaginário faz com que a obra tenha uma linguagem metafórica, a qual se dá o valor de literatura lúdica.
Para Raquel, escrever e inventar seria como se fosse uma fuga dessa realidade incompreensível em que vivia. Sendo assim, ela reinventa um novo universo para uma melhor compreensão e relação com o mundo real, apresentando o perfeito equilibro entre a liberdade do imaginário e as restrições do real.

“...a imaginação, a fantasia (presente nos Mitos e na Literatura) é acima de tudo a atividade criativa na qual podemos encontrar as respostas para todas as perguntas que podem ser respondidas: ela constitui a origem de todas as possibilidades do viver.” (C.G. Jung. 1962 apud COELHO, Nelly Novaes. 2000 )

É nesse sentido que a literatura é um dos grandes meios de busca e conhecimento, pois além de ter como matéria-prima a palavra (aquilo que define o humano em relação ao animal) ela é o ato criador que transfigura a realidade da vida em arte.
Um aspecto muito marcante na obra é como a família da menina a vê perante suas invenções e, que sempre joga “um balde de água fria” em sua imaginação. Uma família em que a voz da menina não é ouvida e, ser for ouvida, certamente vem a repressão para ficar calada.
É interessante como a autora aborda temas que vão ao encontro do universo da criança com o mundo adulto. O livro oferece ao leitor uma visão clara dos comportamentos sociais e convida o leitor a uma caminhada que vai da fantasia até a realidade.
Um dos assuntos principais da narrativa é a autoridade dos adultos, sendo mostrada por uma visão infantil, com seus medos e angústias. Os questionamentos de Raquel sobre os comportamentos dos adultos em que todos agradam alguém em busca de algo que os interessem. Ou até mesmo a “valorização” do homem, a desigualdade que há entre os sexos, o qual tem muita ênfase na história por ser uma das vontades de Raquel (queria nascer homem porque o homem pode tudo).
Na obra, há muitos trechos que falam dessa desigualdade entre os sexos, porém destacaremos um trecho:

“- Porque eu acho muito melhor ser homem do que mulher. [...] Vocês podem um monte de coisa que a gente não pode. Olha: lá na escola, quando a gente tem que escolher um chefe pras brincadeiras, ele é sempre um garoto. Quem nem chefe de família: é sempre um homem também. Se eu quero jogar uma pelada, que é o tipo de jogo que eu mais gosto, todo mundo faz pouco de mim e diz que é coisa pra homem, se eu quero soltar pipa, dizem logo a mesma coisa. É só a gente bobear que fica burra: todo mundo ta sempre dizendo que vocês é que tem que meter as caras no estudo, que vocês é que vão ser o chefe de família, que vocês é que vão ter responsabilidade, que puxa vida! – vocês é que vão ter tudo. Até pra resolver casamento – Então eu não vejo? [...] Eu acho fogo ter nascido menina”. (p. 16-17)

Outro assunto que não podemos esquecer é que “A Bolsa Amarela” foi publicada em 1976 – época da ditadura. Na obra aparece uma crítica à sociedade. Mas por que fazer essa crítica logo em um livro infantil? Segundo a autora, os generais não liam livros para crianças. Essa discussão aparece com o galo Terrível – o galo de briga. Seus donos costuraram seu pensamento, deixando apenas espaço para o pensamento “Eu tenho que brigar”, conforme o trecho abaixo:

“Desde pequenininho que resolveram que ele ia ser galo de briga, sabe? [...] Você sabe como é esse pessoal, querem resolver tudo pra gente. E aí começaram a treinar o Terrível. Botaram na cabeça dele que ele tinha que ganhar de todo mundo. Sempre. Disseram até, não sei se é verdade, é capaz de ser invenção, que costuraram o resto do pensamento dele com uma linha bem forte. Pra não arrebentar. E pra ele só pensar: ‘eu tenho que ganhar de todo mundo’, e mais nada”. (p. 55-56)

Outro assunto abordado na obra é o combate dos preconceitos nos relacionamentos. Isso fica claro quando a Guarda-chuva quer ser a companheira do galo Afonso, sendo que eles não têm nada em comum.
Para a aceitação desse tipo de acontecimento, Marta Yumi Ando (2005) “afirma que o leitor deve efetivar um pacto de leitura, deixando de lado a descrença dos fatos”.
De acordo com Lígia Cademartori (2005), “o romance ‘A Bolsa Amarela’ permite a adesão ao mundo ficcional pela condução do enredo e pelo desfecho, permitindo a cartase do seu leitor, propiciando uma identificação, uma descarga emocional”.
Os espaços citados na obra, conforme Silva (2001), são chamados de espaços abertos (a praia, o mar) e fechados (a bolsa, o barco, a casa, a escola) e também espaços de fronteiras de entre os espaços abertos e fechados (portas e janelas). Esses espaços apresentam também espaços urbanos, naturais e sociais; e de outro, espaços simbólicos e fantásticos. Esses espaços não exercem a função de cenário, mas às vezes, comportam leituras simbólicas, relacionadas às situações que a personagem está vivendo.
Não há uma descrição detalhada dos espaços por onde os personagens passam, cabendo ao leitor imaginar os detalhes que a história não fornece. Não que isso possa ser visto como defeito, pelo contrário, isso faz com que a imaginação do leitor seja impulsionada a uma participação na história.
O tempo não segue uma linearidade na narrativa. Segundo Marta Yumi Ando (2005), “na narrativa em estudo, a omissão temporária de dados faz com que se amplie o poder sugestivo da obra, o que mobiliza, na consciência leitora, a imaginação de hipóteses para o preenchimento dos espaços vazios”.
Algo muito interessante é que, ao ver o desenho na capa, logo pensamos que a história vai tratar de falar de algum objeto (no caso, uma bolsa) ou que ele exerça o papel principal na história. É claro que a bolsa tem um papel importante, mas a personagem principal é a Raquel.
Por ser uma obra para um público infantil, em torno de 9 a 12 anos, acredito que o livro peque na extensão. Crianças nessa faixa etária buscam ler livros curtos, mas no momento em que o leitor tiver contato com a obra, certamente o prenderá até o fim.
A linguagem na obra é algo bem chamativo, havendo aglutinações em algumas palavras e termos típicos da oralidade do brasileiro (rompendo com as normas tradicionais da linguagem na literatura).
Para exemplificar, citamos um trecho da obra:

“Quando o pessoal me viu carregando aquele peso, eles disseram que eu tava maluca: eu não podia ir pro almoço levando uma bolsa enorme, ridícula, de gente grande, e não sei que mais. [...] Eu guardo aqui dentro umas coisas muito importantes. Umas coisas que eu ainda não tô podendo nem querendo mostrar pra ninguém”. (p. 68).

Podemos perceber nesse trecho a adaptação da linguagem para o universo infantil.
A estrutura da obra segue com capítulos curtos (não seguem uma seqüência cronológica). Essa estrutura é bem complexa, pois é composta por fragmentos confessionais (narrado em 1° pessoa) cartas, diálogos e romances escritos pela Raquel, ou seja, histórias na história, com inúmeros flash-backs e interrupções. Isso faz com que o leitor se prenda até ao fim do livro.

A particularidade mais geral e fundamental deste processo de comunicação é a desigualdade entre os comunicadores, estando de um lado o autor adulto e de outro o leitor infantil. Ela diz respeito à situação lingüística, cognitiva, status social. Para mencionar os pressupostos mais importantes da desigualdade. O emissor deve desejar conscientemente a demolição da distância preexistente, para avançar na direção do recebedor. Todos os meios empregados pelo autor para estabelecer uma comunicação com o leitor infantil podem ser resumidos sob a denominação de adaptação. (LYPP, Maria. p. 165 apud ZILBERMAN, Regina. 2000, p.19)

Nessa citação, Lypp nos fala da necessidade da adaptação na literatura infantil. Isso quer dizer que as adaptações são necessárias para que diminua o afastamento entre autor adulto e o leitor criança. Isso em uma obra vale para o assunto, a linguagem, a forma e as ilustrações.
A presença das ilustrações faz com que o livro seja atrativo, funcionando como um recurso visual ao leitor. Sendo assim, resulta em assimilação entre a história e a imagem. Na obra, as ilustrações de Marie Louise Nery são em preto e branco, mas ricas em detalhes.
Acredito que ainda ficou uma dúvida no “ar”: Por que o nome “A Bolsa amarela”? Segundo Raquel, amarelo é a cor mais bonita que existe. Não só a Raquel que acha isso, a autora também, por ser uma cor alegre e viva.
Como podemos ver, essa obra é riquíssima em detalhes. Cheia de imagens simbólicas, sendo possível uma outra interpretação conforme a perspectiva de cada leitor. Isso evidencia a concepção inovadora que a autora Lygia Bojunga Nunes tem em suas obras.







































REFERÊNCIAS


Ando, Marta Yumi. Os lugares vazios no sofá: leituras e releituras da obra lygiana. Disponível em: <http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/ActaSciHumanSocSci/article/ viewFile/195/143>. Acesso em: 4 dez 2007.



BOJUNGA, Lygia. A Bolsa Amarela. 34. ed. Rio de Janeiro: Casa Lygia Bojunga, 2007.


CARVALHO, Diógenes Buenos Aires de. Literatura Infanto-Juvenil, Leitura e ensino. Disponível em: <http://www.pucrs.br/edipucrs/pesquisa/ artigo5.html>. Acesso em: 4 dez 2007.


COELHO, Nelly Novaes. Dicionário crítico da literatura infantil e juvenil brasileira. 5. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2006.


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