segunda-feira, 2 de março de 2009

“Ímpar”

por Juliana Gemelli da Silva

As crianças de hoje nascem em um mundo efêmero. Mundo que desde sempre foi recheado de futilidades, mas que jamais estiveram tão explicitas como atualmente. Antigamente era bonito ser culto, o que está na moda hoje é ser alienado e gritar isso aos quatro ventos. As pessoas nascem sabendo lidar com aparelhos eletrônicos, mas os usam de forma errada e tornam-se cada vez mais ignorantes.
Escassas são as pessoas dessa nova geração que descobriram o valor da leitura, que conhecem histórias infantis clássicas. Vivem em um mundo que lhe oferece tudo pronto e de péssima qualidade. As novas tecnologias, que poderiam ser usadas para trazer conhecimento de forma mais fácil, não são aproveitadas como deveriam.
Já que hoje a nova lei é a rapidez, devido à falta de tempo das pessoas, torna-se quase impossível encontrar indivíduos que gostem de ler, pois é uma tarefa trabalhosa e leva algum tempo, ainda mais quando o leitor é inexperiente. Mas proferir que não gosta de ler sem aventurar-se é o mesmo que dizer que não gosta de certa fruta, sem jamais ter experimentado.
Está claro para nós que a leitura é o único meio de termos cidadãos libertos da ausência de conhecimento, críticos e ativos no mundo em que vivem e temos consciência de que a leitura do público juvenil não é assídua. Quando essa prática torna-se uma rotina na vida do adolescente, ela não é espontânea e, sim, obrigada.
Mas como podemos fazer com que a leitura seja algo prazeroso, como podemos formar novos leitores?
Primeiro precisamos dar o exemplo, pois é impossível formarmos leitores se não lemos.
Depois, a leitura não pode ser imperativa. As crianças forçadas a ler, tirando alguns casos em que o amor por ler já está destinado, passam a odiar qualquer espécie de livro. E essa leitura também não deve ter um porquê, deve ser feita por fruição.
Os livros devem ser expostos, devem ficar ao alcance das crianças; em algum momento, com certeza, elas terão curiosidade de abrir algum e ler. Quando o livro perfeito para ela a escolher (eles que nos escolhem e não o contrário), é quase certo que eles irão se apaixonar por ler e entrar no mundo da literatura.
Além de a leitura obrigatória ser errada, pior ainda é forçá-los a ler clássicos que não condizem com o mundo que eles conhecem.
Por isso existem materiais adequados para a formação de leitores: livros infanto-juvenis. Acontece que, às vezes, mesmo nesse material, podem existir erros que traem o leitor.
Para que isso não aconteça, os autores devem realizar algumas adaptações para se aproximar de seu público alvo: adolescentes.
Neste trabalho discorreremos acerca dessas adaptações, utilizando o livro “Ímpar” de Marcelo Carneiro da Cunha, como exemplo.
O livro foi publicado em 2002 e narra a história de um menino que perdeu o braço em um acidente de carro. Inicialmente pensamos que a história será triste, o que não acontece, mas ela não chega a ser engraçada. Embora algumas lágrimas surjam durante a leitura, logo são aplacadas por pequenos risos. Podemos dizer que ela é uma obra neutra nesse aspecto. É uma boa história, mas não é “Ímpar”.
Já que os pré-adolescentes têm um conhecimento de mundo ainda limitado, o autor deve ter o cuidado de escrever sobre o que o leitor conhece, sobre o mundo que o adolescente discerne. Isso não impede que ele acrescente algumas informações novas na história, que ajudem o leitor a entender alguns valores que a sociedade prioriza.
No livro “Ímpar”, o assunto está, em alguns aspectos, em harmonia com o público que o autor quer alcançar. Acreditamos que ele dirige-se a leitores entre 10 e 13 anos. Os jovens, nessa idade, são como ele os caracteriza, acreditam que realmente podem mudar o mundo fazendo “ações” com seu grupo.
As incertezas relatadas pelo personagem principal são verossímeis, são conflitos que todos os adolescentes já cruzaram: primeiro beijo, preocupações com o que os outros vão pensar sobre ele. As preocupações relatadas por Zóli em relação a sua deficiência estão de acordo com o assunto pelo qual um adolescente deficiente interessar-se-ia, mas não sabemos até que ponto atrairia a atenção de um adolescente sem nenhuma deficiência.
Apesar de em nenhum momento mencionar que o adolescente “par” (como são chamadas as pessoas sem deficiência) não deve ter preconceito contra deficientes nem que o adolescente “ímpar” ( como são chamadas as pessoas com deficiência) deve descobrir ser capaz de fazer muitas atividades e ter uma vida quase igual a das pessoas “par”, é essa mensagem que fica nas entrelinhas.
Claro que o enredo e os assuntos adolescentes se sobrepõem ao valor que está querendo se passar e, nesse aspecto, o autor foi bastante cuidadoso, porém, a linguagem utilizada não recebeu o mesmo zelo.
Entendemos que o autor usou uma linguagem extremamente coloquial para conseguir atingir o público jovem, mas esse excesso tornou algumas partes do livro incompreensíveis para nós que somos adultos e ficamos imaginando qual seria o entendimento que um adolescente teria.
Usaremos o parágrafo abaixo do livro Ímpar para exemplificar o que estamos criticando.
“O outro dia era um sábado. Eu acordei cedo, porque o meu braço estava doendo, por causa do exercício. Eu olhei para fora e chovia pra caramba. Então eu tive essa idéia, porque quando chove o meu pai e minha mãe dormem até mais tarde.” (Cunha,2002, p.69)
O menino nos informa que teve uma idéia, mas a maneira que o autor escreveu tal passagem faz com quem pensemos que o menino já disse qual era sua idéia. Antes de seguirmos para o parágrafo seguinte acabamos voltando algumas páginas, para encontrar o momento em que o menino diz qual era a sua idéia. Após uma busca sem sucesso, seguimos a leitura e encontramos a idéia que o menino teve, no parágrafo seguinte.
Outra parte da obra em que o autor não teve cuidado foi quando, depois de tomar café, o pai de Zóli pergunta o que ele quer fazer. O menino diz que queria assistir algum documentário e gostaria que o pai explicasse o assunto do mesmo, mas o que acontece depois é totalmente diferente. Eles pegam um cobertor, sentam na frente da televisão, enquanto Zóli assiste a um filme o seu pai lê o jornal e posteriormente um livro.
Não conseguimos definir bem o erro do autor, mas há algo estranho na coesão de idéias. Ao lermos o texto, lembramos de uma criança de 3 a 6 anos quando conta alguma história e pula de um tema para outro sem ligação entre os assuntos. Os nexos coesivos utilizados pelo autor repetem-se muito, o que torna a leitura maçante para nós adultos. Se o livro é direcionado para pré-adolescentes, seria normal termos uma maior variedade de nexos coesivos, já que esse público deve reconhecê-los nessa idade e, se não os conhecem, instruir-se-iam lendo o livro.
Acreditamos que o autor produziu um livro com um assunto pertinente para o público juvenil, mas utilizou uma linguagem errônea para esses leitores. Tal linguagem seria adequada para crianças menores.
Se compararmos o livro Ímpar com o “A Bolsa Amarela”, percebemos que Lygia Bojunga Nunes usou uma linguagem coloquial, assim como Marcelo Carneiro, mas a coesão tanto entre as idéias de Raquel quanto entre partes do texto são muito mais cuidadas do que as do livro de Marcelo. Essa diferença torna-se maior ainda quando pensamos que o livro de Lygia visa alcançar leitores mais novos do que os adolescentes para quem “Ímpar” é direcionado.
Falando agora da adaptação do meio, acreditamos que a obra está adequada para o público adolescente, por ter um número curto de páginas, letras grandes e um grande espaçamento entre linhas. Mas vale lembrar aqui, que os adolescentes não percebem esses detalhes, eles apenas enxergam o número de páginas e talvez eles possam pensar que 134 páginas será muito maçante de ler. É quase certo que irão reclamar sem nem ao menos terem lido uma página.
No livro existem desenhos que repetem-se em cada início de capítulo, mas nenhum leva o leitor a algum tipo de interpretação. Esse fato é positivo, pois acreditamos que o público a quem a obra é direcionada já tem capacidade imaginativa, e pode se deleitar com a leitura tirando suas próprias conclusões, sem interferências da interpretação do ilustrador.
Acreditamos também que o autor romanceou muito a relação do adolescente com os pais. Sabemos que é uma fase em que eles não são os heróis dos filhos e, sim, os inimigos. Em alguns momentos, o personagem adquire uma certa maturidade de adulto, preocupando-se com a mãe, em querer que ela volte a ser como era antes do acidente e que volte a fazer seu doutorado. Em certos momentos ele tem comportamentos infantis e em outros o comportamento de um adolescente confuso.
Acreditamos que a leitura desse livro seja relevante para os alunos, mas não será uma das melhores, visto os defeitos que apontamos durante este trabalho.


REFERÊNCIAS
BAMBERGER, Richard. Como incentivar o hábito da leitura. São Paulo: Ática.
CUNHA, Marcelo Carneiro da. Ímpar. Porto Alegre: Projeto,2006.
NUNES, Lygia Bojunga. A Bolsa amarela. Rio de Janeiro: AGIR, 1993.
ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. São Paulo: Global,1990.

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