segunda-feira, 2 de março de 2009

RAPUNZEL E A SUA BUSCA PELA INDEPENDÊNCIA

Fernanda Silva da Roza e Stive Marques Veloso

Os Contos de Fadas podem influenciar o desenvolvimento infantil de forma positiva. Ele faz com que a criança se enxergue por dentro, e assim, passe a solucionar seus conflitos. As explicações contidas nos contos são fantásticas, como o pensamento das crianças, por isso as seduzem tanto.
Mensagens simbólicas estão presentes nos Contos de Fadas. Elas representam implicitamente algo que fica reprimido em nosso inconsciente. Buscando a simbologia correspondente a cada elemento, podemos interpretar os contos.
A partir da busca por símbolos e interpretações já feitas por alguns especialistas, como Bruno Bettelheim, faremos uma análise do conto Rapunzel, registrado pelos irmãos Jacob e Wilhelm Grimm.
Ao pesquisar algumas versões do conto Rapunzel, podemos observar que entre uma e outra não existem divergências significativas. As variações encontradas não comprometem a história por serem relacionadas somente à linguagem, com exceção de algumas, que ignoram a existência dos filhos gêmeos de Rapunzel.
A situação inicial do Conto é de um casal esperando um filho que desejava muito ter. A futura mãe tem o desejo de comer os rapúncios, um tipo de legume, que vê pela janela, no jardim da sua vizinha feiticeira. A janela simboliza a visão que ela tinha para o mundo, como uma nova esperança (provavelmente a de dar a luz). A horta produtiva representa a fertilidade que ela tanto desejava ter. O desejo tão intenso pelos frutos daquela horta representa a imensa vontade de ter um filho.
Devido ao abatimento da mulher, o marido decide roubar os rapúncios. Ela comeu, mas no dia seguinte, seu desejo de comer rapúncios aumentou três vezes. O número três vem para revalidar a grande vontade da mulher de ter um filho. O número três significa criança e alegria, e é o primeiro número que vem da soma de dois números diferentes: o número um, que significa masculino, mais o dois, que significa feminino, formando o três, que seria o filho.
Na segunda tentativa de roubar os rapúncios, o homem é flagrado pela feiticeira dona do jardim. Ela então oferece a ele todos os rapúncios que quiser em troca da criança que nascerá, ou seja, ela doa a fertilidade, mas pede em troca os frutos.
Dá-se o primeiro conflito: o pai promete dar a criança em troca dos legumes que a sua mulher deseja. A troca é desproporcional, mas isso é comum em Contos de Fadas. Além disso, antigamente se dava muita importância para o desejo das grávidas.
Quando a menina nasceu, os pais a entregaram à bruxa. Ela atribuiu à menina o nome do legume pelo qual ela foi trocada. O nome Rapunzel é uma pista para o passado da menina.
Apesar de o desejo do casal de ter um filho ser tão grande, o da feiticeira prevaleceu. Embora tenha feito uma promessa, a não tentativa do pai em recuperar a filha prova que o desejo deles foi mais valorizado do que a menina.
Outra explicação que pode ser atribuída a tal atitude é que, há séculos atrás, ter uma filha mulher dava somente despesas aos pais. Ao verem que não era um homem, não se importaram em dar a criança.
A Bruxa criou Rapunzel e elas se amavam como mãe e filha. A bruxa simboliza a antítese da mãe bondosa. Ela também é mãe, mas representa seu lado ruim, por isso é ciumenta e possessiva. No Conto, ela também é chamada de “mãe Gothel”, que em alemão significa madrinha. Devido às traduções feitas do Conto, esse sentido se perdeu, e Gothel tornou-se mais conhecida como bruxa.
Quando Rapunzel completou doze anos, a bruxa a trancou em uma torre de onde ela não podia sair. Esse momento pode ser classificado como o segundo conflito. Há várias interpretações possíveis para explicar o motivo pelo qual a bruxa veio a prender Rapunzel. Nos Contos de Fadas, é comum a presença da mãe que tem ciúmes da filha. Como Rapunzel era muito bonita, a bruxa pode ter tido tal atitude por inveja, inconscientemente.
Outra possibilidade é que, como Rapunzel estava entrando na puberdade e logo iria amadurecer, a bruxa tinha medo perdê-la. Ou porque ela poderia vir a procurar sua verdadeira mãe, ou porque poderia encontrar outro amor. Com a intenção de protegê-la dos perigos do mundo, aprisionou a menina.
A única forma de subir na torre de Rapunzel era pelos seus cabelos. A bruxa gritava para que a menina soltasse seus cabelos e subia até a torre. Os cabelos de Rapunzel ficavam sempre trançados, uma analogia à sua condição: ela estava presa e seus cabelos também.
Um príncipe que estava passando por perto da torre de Rapunzel ouve o seu canto. É o canto de Rapunzel que chama a atenção do Príncipe, o que vem ao encontro das características dos mitos, em que as mulheres atraem os homens pelo canto.
Ao observar a torre de Rapunzel, o Príncipe viu os seus cabelos, quando ela os jogou para levantar a bruxa. Os cabelos representam sedução. Assim, o jovem é seduzido pelo canto e pela cabeleira da moça.
O Príncipe usou o mesmo meio usado pela bruxa para subir à torre, o que simboliza a transferência de sentimentos da bruxa para o Príncipe por Rapunzel.
Em seus encontros, eles planejam fugir construindo uma escada. Ela deseja partir com ele em seu cavalo. A escada remete ao erotismo, ela simboliza o caminho entre o desejo e o orgasmo, e o cavalo também tem uma conotação sexual. Essa passagem do Conto demonstra os primeiros interesses sexuais da jovem que está se tornando mulher.
O terceiro conflito é ocasionado pela imaturidade de Rapunzel que acaba revelando sem querer para a bruxa os seus encontros com um homem. Rapunzel diz para a feiticeira que é mais fácil levantar o Príncipe do que a ela. A comparação de peso feita por ela diz respeito não só ao sentido concreto, mas à relação que tinha com os dois. Com a bruxa ela tinha uma relação difícil, pesada, e com o Príncipe tinha uma relação leve, devido ao prazer que ele lhe proporcionava.
A bruxa reage cortando as tranças de Rapunzel. O corte do cabelo é considerado uma metamorfose, ou seja, nesse momento, Rapunzel renasce e tem a mudança drástica de dependência da mãe para outra etapa de sua vida, a independência.
A Bruxa tem essa atitude movida pelo ciúme que sente da filha. Ela só tinha a menina e dedicou toda sua atenção a ela, ao descobrir que Rapunzel estava amando outra pessoa, não suportou. Sentiu-se enganada por não saber dos encontros do casal.
Movida pelo furor, a bruxa pendura os cabelos de Rapunzel na janela, enganando o Príncipe que sobe por elas pensando que irá encontrar Rapunzel e nesse momento ele cai e fura os olhos com os espinhos, ficando cego.
O símbolo atribuído ao cego é o da visão interior, ou seja, ele vaga pela floresta nessa condição porque deveria passar por um reconhecimento de si mesmo. Ela fica no deserto, que simboliza solidão, onde o homem encontra-se com seu eu. Mesmo estando separados, os dois passam pelas mesmas provações.
Eles ficam anos perdidos, sofrendo, só lamentando a falta de sorte que têm, sem fazer nada para mudar essa realidade. Esse fato denuncia a imaturidade do Príncipe e da Rapunzel, que ainda não sabem lutar pelo que desejam. Por isso, eles devem sofrer para amadurecer e poder ter uma relação depois.
Após muito tempo, o Príncipe encontra Rapunzel e os seus filhos gêmeos no deserto. Ela chora de emoção e suas lágrimas caem nos olhos do Príncipe, que volta a enxergar. Após terem sobrevivido sozinhos à solidão, eles tornam-se independentes.
Esse momento marca o desfecho do Conto. O reencontro, marcando a união da família e a visão recuperada restabelecem a situação das personagens que vivem felizes para sempre.
As interpretações feitas através do simbolismo das palavras, obviamente, não são percebidas de maneira consciente pela criança. Ela encontra no conto soluções para seus conflitos, sem ter idéia de que está fazendo isso.
Em Rapunzel, o conflito mais evidente é o da relação entre mãe e filha. O Conto lida com a evolução dessa relação, da infância à maturidade, relatando a trajetória da menina, dificultada pela mãe superprotetora, passo a passo.
Durante a infância, o filho é totalmente dependente da mãe, mas à medida que vai crescendo e tomando conhecimento do mundo, vai mudando sua percepção sobre as coisas e, consequentemente, afastando-se tenuemente da mãe. Durante a adolescência, esse desligamento começa a ser mais perceptível, é a fase de experimentar coisas novas. Se essa fase de experiências o levar à sabedoria, ele se torna mais maduro.
Quando Rapunzel é levada para torre pela Bruxa, ela não se revolta com isso. Ela aceita porque ainda tem uma mentalidade infantil e porque ainda não sabe que pode ter outras possibilidades. No primeiro contato com o Príncipe ela o estranha, exatamente, como acontece quando conhecemos coisas novas. Após conhecê-lo e começar a confiar nele, ela decide fugir. Essa é uma metáfora da troca da dependência pela mãe pelas influências externas.
Persuadida por aquilo que é desconhecido e sem saber se era seguro, ela mentiu para a mãe, burlou as regras e planejou fugir. A falta de prudência é típica da adolescência. No Conto, as oscilações entre a maturidade e imaturidade, comuns nessa fase, são marcadas pelo descuido de Rapunzel em contar sobre seus encontros. Contudo, sua luta pela independência chega ao fim depois de passar por grande desalento, e sobreviver sem o cuidado da mãe.
Se olharmos o Conto por dois ângulos, de um lado o sentido simbólico dele, que mostra as descobertas relacionadas às mudanças interiores de Rapunzel, desde a inocência até os desejos de mulher; e por outro lado, apenas superficialmente, interpretando a leitura daquilo que nos é contado; e se, finalmente, compararmos esses dois ângulos, veremos claramente os dois pontos se encontrando, o amadurecimento interno da jovem e sua rebeldia externa, as duas indo ao encontro da liberdade.
Podemos fazer muitas interpretações desse Conto de Fadas. A identificação e a interpretação da criança com o conto vão depender dos problemas que ela tem. A explanação sobre a busca pela independência é mais consciente, mas foi citada com o intuito de esclarecer aquilo que se mostrou mais evidente em Rapunzel.
Como Rapunzel aborda problemas presentes no universo infantil, tanto de maneira consciente, como inconsciente, não podemos duvidar que ele seja enriquecedor para a criança. Se o conto não servir para solucionar os seus conflitos, ao menos servirá para presenteá-la com o prazer de viajar pelo mundo da fantasia.

BETTELHEIM, Bruno. A Psicanálise dos Contos de Fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.


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